Hoje a Made in USA começa uma série que deverá tomar a coluna nos próximos dois meses. Nela iremos analisar um a um, os cadernos de julgamento feitos pelos 36 jurados do Grupo Especial que foram publicadas na 1a semana de março pela LIESA.

De modo geral, a idéia não é discutir se a nota dada pelo jurado foi justa ou não, até porque muitas vezes não tenho o conhecimento específico para analisar um quesito determinado e também porque o desfile é dinâmico e não sabemos exatamente como a escola se comportou ao longo da avenida em seus diferentes pontos. O principal é verificar a coerência do jurado em suas justificativas.

O jurado justificou a perda de pontos? É possível entender o motivo do desconto? A justificativa discorre realmente sobre fatores a serem analisados pelo quesito? Ele penalizou todas as escolas que cometeram o mesmo erro?

Apenas os jurados do módulo 1 sofrerão uma análise mais criteriosa, por um motivo muito simples: a frisa do Ouro de Tolo ficou a menos de 5 metros deste modulo, do mesmo lado da avenida. Então sabemos exatamente o que o jurado daquele posto viu ou não.

A série pretende ser semanal neste dia da semana, abordando um quesito por vez, mas por motivos pessoais pode não haver coluna em determinada semana.

Para começar, hoje olharemos um quesito que deu e ainda está dando muita polêmica: samba-enredo. Ele foi o escolhido pois é o menos dinâmico dos quesitos na pista, então dá para analisar os 4 módulos de forma mais homogênea.

Como disse o Gustavo Vaz, esse quesito foi uma tragédia anunciada quando a LIESA trocou quatro jurados aclamados por 4 novos. Para piorar, faltando 5 dias para o desfile um desses novos foi trocado por um “cascudo” nada aclamado.

Resultado: uma chuva de notas 10 imerecidas em uma safra ruim como já bem dissecou o Gustavo na coluna referida acima que culminou no absurdo dos samba de Salgueiro e Grande Rio passarem ilesos na apuração do quesito.

Abaixo a análise individualizada de cada um dos jurados

Modulo 1

Julgador: Felipe Barros

Notas

Viradouro – 10
Mangueira -10
Mocidade – 9.6 (letra e melodia 4.8)
Vila Isabel – 9.7 (letra 4.8 e melodia 4.9)
Salgueiro – 10
Grande Rio – 10
São Clemente – 9.8 (letra e melodia 4.9)
Portela – 10
Beija-Flor – 9.9 (letra 4.9)
União da Ilha – 9.7 (letra 4.9 e melodia 4.8)
Imperatriz – 10
Unidos da Tijuca – 9.7 (letra 4.7)

De início já se percebe um problema nas notas do julgador. Nesta safra crítica, ele conseguiu encontrar seis notas 10, ou seja, metade delas. Aliás, esse será um problema comum aos quatro jurados do quesito, provavelmente assustados com o corte geral de julgadores rigcasagrandetijuca2016orosos no ano passado.

Quanto às justificativas de melodia, senti aquele que considero o segundo maior problema nas justificativas: ele usou o mesmo motivo genérico para penalizar uma quantidade considerável de escolas. No caso de Barros a justificativa foi “o uso recorrente de padrões melódicos usuais” e logo após citando um sem fim de versos. Ele usou essa mesma justificativa para Mocidade, Vila e Ilha. Além dessas 3 usou palavras semelhantes para penalizar a São Clemente. Ou seja, dois terços das escolas que foram penalizadas por ele. Para deixar tudo ainda mais incoerente, a melodia “batida” do Salgueiro, a reta da Grande Rio e a cansativa da Tijuca não foram descontadas.

Quanto à letra, preocupa o extremo rigor com que ele descontou a falta de sincronia entre letra e enredo mostrado. Por isso ele descontou os sambas da Beija-Flor, pelos quatro versos finais da 2a parte que “não encontram diálogo com os elementos plásticos apresentados no desfile”, e da Vila Isabel, por causa do verso “dignidade de volta pro ninho” que “não dialoga com nenhum elemento plástico visual, sendo de difícil compreensão pelo público”.

Difícil compreensão pelo público? Que público? Só se forem os turistas, porque o povo das arquibancadas entendeu bem demais, afinal eles viram (ou ficaram sabendo) do desfile da escola ano passado. Para piorar a situação, como o próprio jurado anotou, o verso está muito bem justificado no livro Abre-Alas.

Tendo como base o mesmo motivo, o jurado deveria tirar pontos dos sambas da Portela (“A Tabajara levanta poeira”) e da Imperatriz (“Lá vem a Imperatriz, eu vou com ela”) que também fogem do enredo e só isso mostra o absurdo do desconto a esse verso da Vila.

A nota em si da Vila foi até justa, por causa do intruso refrão do meio, mas o mesmo quase não foi citado na justificativa, salvo no “uso recorrente” da melodia. Quanto ao samba da Beija-Flor, até entendo o desconto pois realmente a sinopse explicava os 4 versos finais, mas não os vi na pista. Ainda sim, me preocupa o excessivo rigor nessa conferência “cara-crachá” entre letra e plástica. O resultado final disso será um medo de criar dos compositores que resultará em letras ainda mais pobres no geral.

Por fim, ressalto os bons descontos à letra da São Clemente (exatamente no ponto certo, a rima fácil entre o enxerto” clementiano é fiel, não abandona” e Pamplona), à letra pobre da Mocidade e à letra mal feita do samba da Tijuca.

Módulo 2

Julgador: Ricardo Ottoboni

Notas

Viradouro – 10
Mangueira -10
Mocidade – 10
Vila Isabel – 9.9 (letra 4.9)
Salgueiro – 10
Grande Rio – 10
São Clemente – 9.8 (letra 4.8)
Portela – 10
Beija-Flor – 10
União da Ilha – 10
Imperatriz – 10
Unidos da Tijuca – 9.9 (letra 4.9)

Um jurado que só acha 4 décimos para descontar e dá 75% de notas 10 em qualquer quesito não pode querer qualquer elogio por bom trabalho (trabalho? Que trabalho nesse caso?). Ainda mais se esse quesito for samba-enredo na complicada safra de 2015. Nem a excelente safra da Serie A merecia tão poucos descontos.

Para piorar a situação, Ottoboni não descontou NENHUMA escola por melodia, o que é um descalabro em um ano como 2015.

Quanto aos raros décimos descontados, justificativas perfeitas para Vila e Tijuca, esta que poderia ser até mais penalizada pelo problema da dificuldade do entendimento. Quanto à São Clemente, mesmo aceitando o motivo indicado (eu não concordo), a excessiva descritividade da letra,o desconto de 2 décimos foi pesado. Especialmente se comparado com o desconto de apenas 1 décimo da Tijuca por motivo mais grave.

Por fim, segundo este jurado o pior samba do ano foi o da São Clemente. Sem comentários.

Em resumo, foi um péssimo julgamento. Alias, é de se perguntar até se houve julgamento.

Módulo 3

Julgador: Eri Galvão

Notas

Viradouro – 10
Mangueira -10
Mocidade – 9.8 (letra e melodia 4.9)
Vila Isabel – 10
Salgueiro – 9.9 (letra 4.9)
Grande Rio – 10
São Clemente – 9.9 (melodia 4.9)
Portela – 10
Beija-Flor – 10
União da Ilha – 9.9 (melodia 4.9)
Imperatriz – 10
Unidos da Tijuca – 9.9 (melodia 4.9)

Eri Galvão é julgador com muita experiência que apenas ficou afastado em 2014 e foi chamado as pressas para substituir o novato Carlos Prazeres por motivos não divulgados.

Mas se era para voltar para dar metade das notas 10 e cinco das outras seis notas 9.9, era melhor ter ficado em casa.

Quanto à melodia, é de se notar que ele tirou ponto da Ilha e da Tijuca pelo fato delas terem versos com tonalidade baixa “prejudicando” o canto da escola. Para corroborar sua tese, disse que várias alas passaram sem cantar tais versos. Ou seja, o samba não pode ter uma tonalidade baixa? O tom tem que sempre ser lá no alto, ajudando no irritante império dos Agudos que reina em nossos sambas atualmente?

Ou mais uma vez estamos confundindo quesitos e só se tira pontos das tonalidades baixas que não cantam? Se for tirar ponto por esse motivo, isso tem que ser visto em harmonia, não em samba-enredo.

Em samba-enredo apenas se deve julgar a construção da música de forma mais teórica, sem se preocupar tanto com o que ocorreu na prática com canto dos componentes. Se o jurado entende que tonalidade baixa dificulta o canto (e mais uma vez não concordo, um samba tem que mesclar agudos e graves) ele deveria penalizar outras escolas que também tiveram versos em tonalidade mais baixa, mesmo que tenha cantado bem, o que não ocorreu.

Ainda quanto a isso ele descontou a Mocidade por falta de “pulsação” da melodia fora dos refrões.

Nada a reparar quanto ao descasamento de letra e melodia apontado no meio da 1a estrofe da  São Clemente.

Galvão foi o único julgador que descontou o samba do Salgueiro, no caso em um décimo em letra por “falta de poesia”. O único outro desconto em letra dele foi na Mocidade por “frases feitas que não demonstram criatividade nem poesia”.

Em letra, nada a reparar nas justificativas, apenas tinha espaço para descontar mais décimos e escolas.

Por fim, é de se notar que foi o único jurado a dar 10 para o samba da Vila.

Módulo 4

Julgador: Clayton Fábio Oliveira

Notas

Viradouro – 9.9 (letra 4.9)
Mangueira -10
Mocidade – 10
Vila Isabel – 9.8 (letra e melodia 4.9)
Salgueiro – 10
Grande Rio – 9.8 ( letra e melodia 4.9)
São Clemente – 9.9 (melodia 4.9)
Portela – 10
Beija-Flor – 9.9 (melodia 4.9)
União da Ilha – 9.9 (melodia 4.9)
Imperatriz – 10
Unidos da Tijuca – 9.8 (letra e melodia 4.9)

Pior que um “não-julgamento” é um julgamento com justificativas muito falhas e foi isso o que ocorreu aqui. Algumas são inacreditáveis.

Para começar, vejamos a justificativa para o samba da Viradouro.

“A letra da primeira estrofe tem frases pouco caprichadas, as rimas ‘além mar’ ‘espalhar’ ‘a terra e ao mar’ ‘veio juntar’ são redundantes. Isso se repete também em ‘pra ser muito mais Brasil’. ‘ôô…Brasi’”. O coro final ‘ôôó… Brasil’ não se afina com a qualidade da melodia.”

O jurado quer dizer que uma das músicas mais conceituadas de Luis Carlos da Vila tem letra pouco caprichada? Que as rimas descritas são redundantes? Como são redundantes se elas nada repetem, apenas a terminação final para rimar? A letra é tão bem construída que até o mar de “alem-mar” tem semântica diferente ao mar de “terra e mar”. Se essa letra não é caprichada, sambas como o da Portela, do Salgueiro e da São Clemente tinham que ser punidos e os da Tijuca e da Ilha punidos severamente.

Os “Brasis” são desnecessariamente redundantes para se tirar décimo?

Quanto à qualidade da melodia do “ôô” não comento. Infelizmente é aquela questão que resvala no gosto e ele é subjetivo. Foi um dos trechos mais polêmicos desse carnaval.

Agora vejamos a justificativa da Vila Isabel

“Algumas partes da letra são mal resolvidas como ‘mais cordas, metais a valorizar as notas musicais’ ou ‘seguem no compasso a swingueira’ que é de mau gosto e não condiz com a nobreza do tema. O bis de ‘dignidade…e Martinho dão o tom’ poderia ter sido evitado com outra frase pois é seguido de um refrão que também tem bis. Ao longo do desfile essa parte cansou e comprometeu a interação entre público e integrantes. A melodia do refrão ‘no ar… vem brincar’ é longa e truncada. A composição dificultou o andamento da escola.”

Realmente, a letra da Vila tem alguns problemas, mas os versos melhor recebidos por todos foram justamente os dois citados como mal-resolvidos. São as duas melhores do tiradas do samba!

Outra, esse jurado não sabe que o apelido da bateria da Vila é swingueira. É a única explicação possível para o que ele escreveu acima.

Quanto à questão dos dois refrões colados, tenho medo de pensar na possível nota que ele daria ao aclamado samba da Portela de 2013 que tinha um refrão dentro de outro refrão. Detalhe, esse samba foi unanimidade de crítica, público e julgamento tendo sido o único do ano a ter todas as notas 10. Fico com ainda mais medo de pensar que nota ele daria para a versão concorrente desse samba que ainda tinha outros 2 refrões colados no meio (a melhor parte do samba, na minha opinião) que foram fundidos posteriormente pela escola.

Alias, se dois refrões seguidos configura-se um problema, por que ele não apontou isso na São Clemente?

Continuando, agora a justificativa da Beija-Flor.

“A frase ‘aos olhos dos ancestrais’ não ficou clara na pronúncia e pareceu forçada em melodia. As convenções nem sempre executadas como na gravação, dificultaram o entendimento da parte ‘na ginga do balé, cores no ar / dessa mistura faço car-na-val /comemora5canta Guiné Equatorial’. A receptividade do publico foi fria e a falta de interação enfraqueceu a participação dos integrantes na execução do samba”.

Nessa justificativa eu nem sei por onde começar. De pronto já se percebe uma menção a gravação que nunca poderia ter sido feita desta forma, em tom de reclamação da falta de convenção. Nenhuma escola faz as convenções da gravação em todas as passadas na avenida. Além de ser arriscado demais em alguns momentos, isso coloca em risco até a cadência da bateria e repetidamente também cansa.

Eu não sei como o jurado teve dificuldade para ouvir o verso “olhos dos ancestrais”. A divisão melódica permite que se ouça tal trecho com mais tranquilidade do que vários outros que não foram descontados.

Para encerrar com “chave de latão” ele descontou a “participação dos integrantes na execução do samba” o que indubitavelmente não pode ser julgado em samba-enredo, mas em harmonia.

Nem irei me alongar mais neste jurado, só essas três justificativas já mostram a tragédia que foi o seu trabalho. Este é um que a LIESA precisa dispensar com urgência.

Para não dizer que não teve nada aproveitável, ele foi o único jurado que descontou o mediano samba da Grande Rio. Mesmo assim com uma das justificativas duvidosa: as rimas óbvias. Justamente as tiradas inteligentes deste samba são seu ponto forte.

Concluindo o quesito, infelizmente choveram notas altas, especialmente notas 10. Provavelmente fruto da péssima decisão da LIESA de cortar os 4 jurados do ano passado que foram rigorosos e fizeram um ótimo trabalho. Um histórico desses normalmente faz com que os substitutos tenham medo de descontar.

Mesmo os poucos décimos tirados ainda o foram com justificativas que em sua maioria se situam entre as duvidosas e as absurdas.

Se eu fosse o presidente da LIESA pensaria com carinho na decisão de mais uma vez cortar os 4 jurados de uma só vez.

2 Replies to “Justificando o Injustificável – Samba-enredo”

  1. Perfeito Migão, Putz manda este link para o quarto jurado para ver se ele aprende alguma coisa.Não adianta minha opinião não mudará nunca, O cara pode ser o maior musico do Mundo, mais para julgar tem que:
    1 – Conhecer o mundo do samba, ser da área.
    2 – Ter sido compositor de um samba enredo mesmo que vagabundo
    3 – Frequentar as quadras das escolas de samba.

    Sr Clayton Fabio de Oliveira com certeza não conhece Luis Carlos da Vila.
    Saco cheio dessa merda

Comments are closed.