Bem, depois de analisados os 12 sambas do Grupo Especial para o Carnaval de 2015, venho hoje com meus pitacos para as 15 obras que passarão pela Marquês de Sapucaí nos dias 13 e 14 de fevereiro, pela Série A, o novo – já nem tão novo assim – Grupo de Acesso.

De uma interessantíssima safra de enredos saiu uma grande safra de sambas. Por conta da ausência de reedições, acho uma safra ligeiramente inferior à do ano passado, mas, ao contrário de 2014, muito melhor que a do Grupo Especial. Como sempre gosto de frisar, embora meu parâmetro seja o CD oficial e na Avenida as coisas às vezes são diferentes, dou minhas notas e faço minhas análises baseado nos critérios de julgamento do quesito samba-enredo: para a letra (de 4,5 a 5,0), a adequação ao enredo, o bom gosto e sua adaptação à melodia; para a melodia (também 4,5 a 5,0), suas características rítmicas, seu bom gosto e o entrosamento com o canto do componente.

Não que eu queira ser jurado, ou que eu concorde com os métodos atuais, mas penso que os sambas são escolhidos para tirarem 10 e não para me agradar. Então, que assim sejam analisados. Eis as notas, na ordem dos desfiles – hoje as escolas de sexta e amanhã, sábado.

Sexta-Feira, 13 de fevereiro

http://www.youtube.com/watch?v=AyKMs5rHQQc

Unidos de Bangu

Enredo: “Imperium”

Compositores: Serginho Aguiar, Dudu Senna, Bruno Ferraz, Miúdo da Bahia, Walace Harmonia, Diego Rodrigues, Allan Santos, Rodrigo Barbosa e Leozinho Nunes

Intérpretes: Marcelo Rodrigues e Alex Soares

Voltando à Marquês de Sapucaí após mais de 25 anos de ausência, a Unidos de Bangu traz para a Avenida um interessante enredo sobre os impérios da história da humanidade. A louvável opção por não reeditar um samba antigo rendeu uma obra de muita qualidade para abrir os desfiles da Série A. Gosto muito do refrão principal, especialmente do verso “cheguei pra ficar” e do que imagino ser um trocadilho com o bairro de origem da escola, “vem sentir meu calor”. Considero, no entanto, que o verso “respeite meu manto” no segundo verso foi colocado apenas para “tapar buraco” na melodia, quebrando assim o sentido da letra.

A letra, aliás, é excelente. A sinopse, excessivamente indireta, me pareceu um pouco complicada, mas os compositores souberam trabalhar cada um dos setores com clareza, com citações facilmente captadas aos impérios mais importantes. A exceção é o refrão do meio, que menciona na verdade um trecho que não está na sinopse e sim na justificativa. A melodia também me agrada bastante. Há uma mudança melódica muito bem construída no verso “honra e glória marcadas na história” e a saída do refrão do meio para o primeiro verso da segunda parte é espetacular. Esse comecinho, aliás, também merece elogios. Sinto falta apenas de um momento de maior explosão fora do refrão principal. Constantemente criticado, Marcelo Rodrigues cantou bem o samba ao lado do estreante Alex Soares. Os dois, apesar da dupla recentemente formada, estavam bem entrosados no CD.

Letra do Samba: 4,8. Melodia: 4,9. Nota: 9,7.

Em Cima da Hora

Enredo: “No coração da cidade: uma história das mil e uma noites – o Rio das Arábias”

Compositores: Thiago Meiners, André Kaballa, Carlos Botafogo, Gláucio Gutierres, Alexandre Gordão, R10, Shazam, Wilson Bizzar e GilsonSouza

Intérprete: Ciganerey

Era óbvio que, depois de reeditar “Os Sertões”, a Em Cima da Hora traria uma obra de qualidade muito inferior para o seu segundo ano de Série A. Ainda assim, o samba que irá traduzir o enredo da influência dos imigrantes árabes no Rio de Janeiro é de bom nível.

A letra é das mais inspiradas de todo o CD,uma descrição fiel do ótimo enredo. Já no refrão principal, gosto muito dos versos “com a benção dos bambas e do Redentor / meu Rio das Arábias chegou”. O ponto alto do samba mesmo, ao meu ver, está nos últimos versos da primeira parte: “deixando os palácios e desertos / cruzando os sete mares, rumo incerto / até o paraíso encontrar”. O trecho já é bom por si só, mas fica sensacional mesmo porque recebe uma resposta no excelente refrão do meio: “e te encontrei… Cidade Maravilhosa / que encanta meu olhar”. É o gancho necessário para a segunda parte, que fala sobre os árabes no Rio.

A parte em questão também tem versos inspirados como “nos jornais do dia a dia são mensagens de saudade” e “eu vou fazer da Passarela o meu Saara”. A melodia também é muito correta e tem entrosamento perfeito com os versos, mas sinto falta de uma ousadia maior. Tudo é muito linear, o que torna o samba um pouco cansativo. Também me desagrada a subida de tom excessiva no primeiro verso do refrão principal, “deixa a festa rolar”. Ciganerey, por sua vez, conduz o samba com o brilhantismo habitual, mas poderia ter acrescentado mais à obra.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 4,8. Nota: 9,8.

Império Serrano

Enredo: “Poema aos Peregrinos da Fé”

Compositores: Arlindo Cruz, Arlindo Neto, Lucas Donato, Alex Ribeiro, Rogê, Carlos Senna, Beto BR, Andinho Samara, Zé Glória, Wagner Rogério, Ronaldo Nunes, Léo Guimarães e Chico Matos

Intérpretes: Cremilson Silva, Alex Ribeiro, Arlindo Neto e Lucas Donato

Depois de dois anos, o Império Serrano enfim tem um samba que não é apenas bom, mas é também a sua cara, na cada vez mais improvável missão de voltar ao seu lugar. O enredo sobre as peregrinações e manifestações de fé ganhou um samba à lá Serrinha: melodia envolvente, gostoso de cantar e com uma letra que vai além de uma simples descrição do enredo.

Apesar da letra ser muito boa, com destaque para os trechos que fazem referência à fé dos imperianos em São Jorge, o ponto alto é a melodia. Mais acelerada, deve ser a primeira a levantar o público porque, como eu já disse, é bastante envolvente. Os dois destaques são os dois refrões. O principal, mais cadenciado, valoriza mais a letra, e o do meio é irresistível. Devo dizer que sou fã de refrões que você não percebe, na primeira passada, que se trata de um refrão. E esse é um deles. Não há mudança abrupta na melodia, não tem aquela fórmula pronta, não há nenhum esforço para a transição entre as duas partes maiores do samba, enfim, é excelente.

Outro ponto alto são os versos finais antes do refrão: “meu samba nunca vai morrer / e a Serrunha vem dizer / que o branco é paz e o verde a esperança / de ver o mundo só fazer o bem / senhor, rogai por nós, amém”.

Faço apenas duas ressalvas, uma para o samba e outra para a gravação: a melodia no início da primeira parte, dos versos “andar com fé eu vou” a “além dos limites da religião” contrastam com o resto da obra. Enquanto todo o samba flui naturalmente, esse trecho se arrasta e fica mais difícil de cantar. Quanto a gravação, devo dizer que o samba foi muito prejudicado pelo quarteto (que virará terceto, já que Lucas Donato não continuará na escola) de intérpretes. Pode ser que eles venham a se tornar grandes cantores no futuro, mas, a exceção de Cremilson, que cantou bem o samba, nenhum deles já tem condições de cantar um samba em uma escola como o Império Serrano. Dessa forma, a gravação do samba concorrente, na voz do Nêgo, ficou bem melhor.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 4,9. Nota: 9,9.

Paraíso do Tuiuti

Enredo: “Cunhatã chama Curumim que eu vou contar…”

Compositores: Anderson Benson, Leandro RC, Daniel Minuetto, Flazil Câmara e Flavinho Segal

Intérprete: Daniel Silva

Outra que vai sofrer no comparativo com seu último samba, já que reeditou “Kizomba, a festa da raça” no Carnaval de 2014, a Paraíso do Tuiuti traz para a Avenida outro dos bons sambas do Grupo para o enredo sobre a saga de Hans Staden no Brasil que, para mim, é o melhor da Série A.

Destaque para a letra, que narra a história contada pela sinopse de maneira fiel e criativa. Me incomoda apenas o verso “eu quero ser índio”, no refrão principal, que não faz o menor sentido dentro do enredo. Na primeira parte, me agradam muito dos versos “o vento soprou novos rumos no afã de encontrar / riquezas, um eldorado de rara beleza / reflete no olhar o esplendor da natureza”. A segunda parte também tem uma letra bem construída, mas me incomoda a repetição do trocadilho com a palavra “devorar”. Primeiro, “devorando sua cultura” e, depois, “é devorado pelo artista brasileiro”. É um dos pontos altos do samba que acaba virando uma falha.

A melodia também se destaca, com alterações bem resolvidas, mas o samba perde muito na segunda passada, com a entrada da bateria, que acelerou demais o andamento. Daniel Silva, um dos mais subestimados intérpretes do Rio, tem condução perfeita e acrescenta muito ao samba.

Letra do Samba: 4,8. Melodia: 4,9. Nota: 9,7.

União do Parque Curicica

Enredo: “Os 3 Tenores… Do samba”

Compositores: Arlindo Neto, Léo Guimarães, Ronaldo Nunes, Marcelinho Moreira e João Diniz

Intérprete: Ronaldo Yllê

E no quinto samba da primeira noite temos, enfim, a primeira obra de baixa qualidade do Carnaval 2015. O enredo sobre os sambistas Martinho da Vila, Monarco e Arlindo Cruz (que, confesso, ainda não entendi) rendeu à União do Parque Curicica mais um samba que será facilmente esquecido. A melodia, além de não apresentar nenhuma ousadia, é muito mal construída. O samba se arrasta, é difícil de cantar e cansa facilmente, além de alternar subidas abruptas de tom com reduções não menos abruptas.

A letra resume bem o enredo, é verdade, mas tem três falhas. Duas estão no refrão principal: uma no verso “e vem sambar de coração”, que é um clichê dos menos elogiáveis, e outra ao citar a música “Meu Lugar”, de Arlindo Cruz, e “Casa de Bamba”, de Martinho da Vila, esquecendo-se assim do “terceiro tenor”, Monarco. Também me incomoda o excesso de rimas terminadas em “ar” na primeira parte (são cinco) que contribui para o arrastamento do samba. Vale o destaque apenas para os versos finais, “fecham-se as cortinas / meu samba hoje vai vadiar / canta forte, canta alto / o show tem que continuar”. O intérprete Ronaldo Yllê também não teve grande desempenho.

Letra do Samba: 4,7. Melodia: 4,7. Nota: 9,4.

Unidos do Porto da Pedra

Enredo: “Há uma luz que nunca se apaga…”

Compositores: Dudu Nobre, Ricardo Neves, Lequinho, Evaldo, Floriano do Carangueijo, Jedir Brisa, Miltinho, Manolo e Diego Tavares

Intérprete: Anderson Paz

Talvez a única dentre as sete escolas da sexta-feira que possa de fato sonhar com o título, a Porto da Pedra tem um samba diferente para contar o enredo sobre uma luz que nunca se apaga. Digo diferente porque ainda não consegui descobrir se gosto dele ou não, mas, como eu disse lá no início, isso pouco importa. O que importa é que o samba é um retrato fiel da sinopse. E, se a sinopse é confusa, o samba também se torna confuso.

O grande problema do hino do Tigre de São Gonçalo é justamente esse: não conseguir explicar uma sinopse que não diz coisa com coisa. Erro dos compositores? Provavelmente não, mas é um erro do samba. Fica difícil entender o que cada passagem do samba significa em um conjunto e versos como “luminescente é a vida a brilhar” complicam ainda mais.

A melodia foi muito bem construída. É um desenho melódico diferente, ousado, com variações que valorizam a obra, com destaque para o entrosamento entre melodia e letra no início da segunda parte: “me diz… Se a luz da razão vai perder a essência / se der apagão na sua consciência / que exemplo iremos deixar?”. Acredito apenas que os compositores erraram a mão no refrão do meio que, além da melodia bastante irregular e que torna o samba difícil de cantar, ainda tem versos no mínimo esquisitos como “na transição a marcação / o repique modulando a conversão”. Anderson Paz voltou aos seus melhores dias e acrescentou muito ao samba.

Letra do Samba: 4,7. Melodia: 4,9. Nota: 9,6.

Caprichosos de Pilares

Enredo: “Na minha mão é + barato”

Compositores: Lee Santana, Geraldo Rodrigues, Marcelo Schmidt, Anderson Rodrigues e Fernando de Lima

Intérprete: Thiago Brito

Essa foi uma surpresa bastante negativa que tive nessa safra. O sensacional enredo que contará a história do comércio popular do Rio de Janeiro (para mim, inferior apenas ao do Paraíso do Tuiuti) não rendeu à Caprichosos um bom samba. Uma coisa há de se elogiar: é um samba que, de uma forma ou de outra, resgata a irreverência da Caprichosos e, dadas as últimas obras da escola, não deixa de ser surpreendente.

Mas, ainda assim, é um samba que tem falhas. A letra, por exemplo, peca pela falta de conexão em alguns momentos, como no refrão principal. O primeiro verso, “é artigo de primeira, peça rara, coisa fina” não dialoga com o segundo, “tem escritório de samba quebrando a firma”, o que prejudica o entendimento da letra. O verso final, “é mais barato aqui na minha mão” também passa a sensação de ter sido encaixado apenas para “fechar” a melodia. Nos primeiros versos da segunda parte, outro erro: “por vinte tostões se comprava / meu Rio antigo, saudades traz”. Se comprava o que?

Também me incomodam os versos “é sensacional, tem xepa no Brasil Colonial”, no refrão do meio, pela rima forçada, e “quem dorme sonha / quem trabalha conquista / diz o artista”, na segunda parte, este por não ter qualquer ligação com qualquer trecho do enredo. A letra na primeira parte é boa e o samba cresce muito nos versos finais: “depois que o dinheiro comprou / o sambista a bandeira rasgou / eu sou Caprichosos, tá dentro do peito / meu amor não tem preço / não tem jeito”. A melodia não me agrada muito porque exige ser cantada em um tom muito alto, o que prejudica o canto. Na segunda parte, os versos “na rua o imigrante chegou / o tempo foi quem transformou” são atropelados pelo andamento mais acelerado. Thiago Brito, que vinha se destacando como uma das revelações entre os intérpretes, não fez uma boa gravação neste ano.

Letra do Samba: 4,6. Melodia: 4,8. Nota: 9,4.

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