Na última semana o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi protagonista de uma declaração na Câmara dos Deputados onde disse que não estupraria a também deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merecia ser estuprada.

Um dia após, a Comissão Nacional da Verdade entrega o seu relatório final para os três poderes. A CNV foi criada em maio de 2012 e foi instaurada para que os crimes de violação dos direitos humanos entre 1946 e 1988, portanto, após a ditadura de Vargas e até o a Constituição Cidadã, fossem apurados.

Por uma coincidência de datas, os dois fatos tiveram repercussão ao mesmo tempo, mas os dois estão juntos há muito tempo. Bolsonaro é declaradamente contra os direitos humanos, a favor da ditadura militar e sempre apronta das suas seja nos programas televisivos ou no plenário da Câmara.

Bolsonaro foi o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro nas eleições de 2014. A expressiva votação do deputado pode ser por dois fatores: a guinada à direita das eleições e a questão de segurança no estado do Rio de Janeiro. Bolsonaro é militar e tem na segurança o seu pilar eleitoral. Essa questão da segurança também pode explicar porque eleitores votaram em Bolsonaro e Marcelo Freixo – deputado estadual do PSOL – ao mesmo tempo (mas isso é assunto para um outro texto).

hqdefaultJair Bolsonaro e Maria do Rosário se estranham não é de hoje, como mostra a imagem ao lado de uma discussão dos dois flagrada pela Rede TV! Nunca defenderam as mesmas coisas e sempre discutiram ali mesmo nos saguões do Congresso Nacional, mas agora a situação é bem pior. Em uma mesma frase, Bolsonaro disse que uma mulher pode merecer o estupro, que esse crime pode ser algo bom e que ele mesmo possa cometer esse crime caso queira.

Os defensores do deputado dizem que ele foi instigado a isso pela própria deputada que o chamou de estuprador e que a declaração foi apenas uma resposta para a Maria do Rosário; porém, não existe defesa para o deputado carioca. Ele cometeu um crime de decoro parlamentar. PT, PSB, PCdoB e PSOL já entraram com representação no Conselho de Ética contra ele. Os outros preferem se calar e usar a desculpa do “mas ele foi provocado”. Não existe ‘mas’ essa é a verdade. Já não é a primeira vez que ele comete um caso desses contra uma autoridade (isso sem falar nos casos onde ‘bandido bom é bandido morto’). Bolsonaro já propôs a morte de Fernando Henrique Cardoso quando o tucano era presidente da República.

Defender Bolsonaro é defender os crimes que ele tanto faz apologia. Não existe justificativa. Não existe meio apoio. Não existe meio voto. Jair Bolsonaro já disse que “quem defende a privatização da Petrobrás deve ser fuzilado”. Esse autor é contra a privatização e nem por isso coloca um ‘mas’ nessa absurda declaração. Não há defesa. Não há ‘mas’. Não é da democracia. Está na hora de parar de justificar as atitudes dele como sendo democráticas e com representantes.

Do mesmo caso, não há ‘mas’ no relatório da Comissão Nacional da Verdade divulgado também na última semana e que Bolsonaro e seus colegas, viúvas da ditadura, contestam o resultado.

entrega-do-Relatorio-Final-da-Comissao-Nacional-da-VerdadeO relatório histórico dá nomes a mortos e desaparecidos políticos além de identificar os culpados por essas mortes e desaparecimentos. Corajoso, o relatório começa colocando os ditadores – Humberto Castello Branco, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo – como primeiros responsáveis pelas mortes. Pede a revogação parcial da Lei de Anistia (1979) e punição aos torturadores. A presidente Dilma Rousseff (PT), presa e torturada durante da ditadura militar, já se disse contra a revisão da Lei.

A ditadura militar era algo do Estado. Os crimes contra os direitos humanos eram autorizados por leis e pagos com os impostos, por isso, não existe o ‘mas’ para o relatório da CNV. Militares hoje reclamam e prometem acionar a justiça contra a CNV. Afinal de contas, a ‘terrorista’ que hoje ocupa a presidência da República e outros terroristas não foram colocados no relatório.

Vale ressaltar que esses eram chamados de terroristas justamente por esse sistema que os militares usaram a seu favor. O Estado hoje tem que pedir desculpas, buscar reconhecer os erros, buscar a verdade porque foi ele, Estado, nas mãos de militares que foi usado para cometer esses crimes.

Não houve luta armada durante a democracia brasileira. Os atos de seqüestros, roubos e guerrilha, como a do Araguaia, só aconteceram quando a ditadura estava instaurada no país. Se não houvesse o golpe de 64, esses atos de ‘terrorismo’ poderiam não ter acontecido. Independente do governo que fosse.

Hoje, o Estado não tem que punir os terroristas da época porque, sem os militares usurpando do Estado, Dilma Rousseff e José Serra seriam dois estudantes universitários, Carlos Lamarca um militar de esquerda, e tantos outros líderes e mortos políticos não teriam a luta contra a ditadura.

O relatório especifica quais as violações dos direitos humanos aconteceram neste período. É obrigação ler, pelo menos, algumas partes deste relatório entregue na última semana e que deveria ser lido em sala da aula nas disciplinas de história. Aulas essas que são acusadas pelos líderes da atual direita brasileira de serem alienadoras em uma suposta ditadura de esquerda que vivemos hoje sob o comando do Partido dos Trabalhadores e de Dilma Rousseff, a búlgara terrorista.

A ditadura usou do Estado para roubar – sim, existia corrupção naquela época, é só olhar a Transamazônica, por exemplo – caçar, matar, sequestrar, torturar, estuprar, desaparecer com corpos, acabar com famílias.

Jair Bolsonaro usa de um poder do Estado para fazer apologia a crimes, desrespeitar o Congresso Nacional e ameaçar, não só Maria do Rosário, mas todas as mulheres.

Não há defesa para tal. Não existe ‘mas a Maria do Rosário’. Não existe ‘mas e os terroristas?’ ‘Não existe ‘mas’.