Com a temática da seca e um estilo sintético porque também seco, o romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, demonstra isomorfia entre forma (estilo) e conteúdo (temática). Nessa perspectiva, a exploração de uma escrita “a palo seco”, como se vê na poesia de João Cabral, constitui a completa estrutura do livro.

Cada parte da narrativa é uma representação do seu todo, havendo uma articulação entre a linguagem, os personagens, o espaço, a ação e o tema abordado. Sendo assim, esses elementos apropriam-se da seca e fazem com que ela seja a responsável pela composição da obra, de modo que tudo esteja representando o mesmo: a vida seca do sertanejo.

retirantes-vidas-secasNo entanto, o propósito de recorrência da ideia do seco não reduz ou empobrece a narrativa, pois, ao contrário disso, é o que possibilita seu estado de elevação e iluminação: trabalhar em torno do mesmo elemento, nesse caso, é uma maneira de indicar a unidade da obra e ratificar sua organicidade.

É a partir dessa unidade e dessa estrutura arquitetônica que podemos interpretar cada bloco narrativo como partes não tão autônomas, porque, mesmo possuindo um sentido completo, cada uma dessas partes constitui apenas uma irradiação do todo, que diz respeito, por sua vez, ao sentido pleno do livro.
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Desse modo, a justaposição de capítulos – que se refletem porque representam o mesmo, embora de forma diferente – distancia rigorosamente a narrativa de seu modelo tradicional. Rompe-se a lógica de uma história composta por encadeamento de fatos, em que um acontecimento necessariamente leva a outro, e o que se tem, na verdade, é a impressão dos personagens, em cada bloco narrativo, acerca dos eventos.

Em Vidas secas importa, sobretudo, a reação mental do personagem e sua experiência emocional. Assim, o leitor habituado ao romance de costumes, que lê as páginas para saber somente o que acontecerá depois de algo já ocorrido, pode estranhar a estrutura do livro.

Em vez de uma única perspectiva do narrador doutrinário, portanto, o narrador de Vidas secas é multiperspectivado porque reflete, no ato de narrar, a perspectiva de um e de outro personagem, adotando, para isso, múltiplos pontos de vista.