Todo mundo sabe que, segundo Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda de Hitler, “uma mentira repetida mil vezes se transforma em verdade”. Só que não. A mentira que tem sido repetida milhões de vezes – pelo menos mil só na nossa última campanha eleitoral – é que Goebbels tenha algum dia pronunciado essa frase.

Claro, este é o tipo de máxima que cai bem num ministro da propaganda nazista. Em tempos de Godwin, serve como uma luva em campanhas políticas: diante de qualquer crítica ou acusação, respondo que meu adversário é um mentiroso, discípulo de Goebbels, e saio como herói! Mas a falsa atribuição parece ser de origem norte-americana, e data pelo menos de 1946.

Outra que voltou à moda nestes tempos polarizados é atribuída a Dante: “O lugar mais quente do inferno é reservado para as pessoas que permaneceram neutras em época de crise moral”. Quem a popularizou foi John F. Kennedy, e não passa de uma interpretação errada da Divina Comédia. Ora, se todos os que citam Dante o houvessem lido, não veríamos tanta estupidez por aí.

Em verdade, as almas que “transitaram pelo mundo sem merecer louvor ou execração”, bem como “os anjos que não foram rebelados nem fiéis a Deus”, são encontrados no vestíbulo do inferno – não podiam entrar nos domínios de Satã nem nos de Deus: “Do céu eliminados, nem o inferno recôndito os acolhe, para que os réus não se julguem elevados” (cf. Inf., III, 31/69).

Há muitas frases apócrifas como essas saltando de boca em boca. Winston Churchill cumpriu seu destino de grande frasista, tendo várias que ele nunca disse creditadas em seu nome. Talvez a mais famosa seja: “Quem não foi socialista aos vinte anos não tem coração; quem continua sendo aos quarenta não tem cérebro”.

Pode-se substituir “socialista” por “esquerdista”, “pacifista” ou o que o valha, assim como as idades podem sofrer flutuações. Na versão que circula no mundo anglófono, atribui-se a falta de coração a quem não foi “liberal” aos 25 anos, e a falta de cérebro, a quem não é “conservador” aos 35.

churchillA ironia é que Churchill foi um conservador até os 30 anos de idade, e um liberal dos 30 aos 50 (voltou ao Partido Conservador quando já era cinquentão). A mesma sentença também já foi creditada a outro frasista notável, George Bernard Shaw, que por mais uma estranha ironia foi um socialista fabiano até morrer, aos 94.

O autor da frase original parece ter sido o realista francês François Guizot (1787-1874), condescendente com os que eram “republicanos” aos 20, mas não aos 30. De todo modo, é virtude de uma boa máxima ser adaptável e aplicável através dos tempos. O adágio “mais vale um exército de ovelhas liderado por um leão que um exército de leões liderado por uma ovelha” foi falsamente atribuído a muitos generais, de Alexandre a Napoleão, ao longo de dois mil anos.

Citações apócrifas eram comuns na Idade Antiga, quando os copistas desfrutavam de tentadora liberdade, e muitas daqueles tempos chegaram à Era Moderna com tal autoridade que foram capazes de enganar pessoas cultas.

Simone de Beauvoir, por exemplo, começa seu livro O Segundo Sexo citando frases misóginas atribuídas a Platão e Pitágoras sem colocar a autoria em dúvida. Seria de se esperar que uma filósofa tivesse lido a obra de Platão, mais ainda que soubesse que não nos chegou nenhum fragmento de Pitágoras que não seja seriamente disputado.

Igualmente, os estudiosos de teologia sabem muito bem que quase nada do que se atribui a Jesus nos Evangelhos pode ter sido dito pelo Nazareno. Mas aí já entramos em terreno minado; voltemos para o campo secular…

Josef Stalin nunca falou que “a morte de um homem é uma tragédia, a morte de um milhão é uma estatística”. Trata-se de uma anedota antiga que já usou muitos políticos como personagem.

Tampouco Maria Antonieta, coitada, mandou o povo faminto comer brioches. A quantidade de mentiras inventadas sobre ela em seu julgamento tornou-se proverbial, mas esta frase já vinha sendo imputada a madames insensíveis pelo menos desde o tempo de Luís XIV.

O Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr. podem ter dito que “a velha lei do olho por olho termina deixando todos cegos”, mas com certeza nenhum dos dois foi o autor do epigrama, nem mesmo dos primeiros a citá-lo.

O célebre aforismo de Deng Xiaoping – “Enriquecer é glorioso!” – é falso, embora haja um provérbio chinês (muito mais antigo que Xiaoping) segundo o qual “a riqueza é gloriosa”. Só que no tal provérbio a “riqueza” deve ser interpretada como qualquer coisa valiosa (como a saúde e o saber), não se limitando a bens materiais.

Voltaire nunca disse “discordo do que você diz, mas defenderei até o fim seu direito de dizê-lo”. Não há registro desta frase antes ao século XX, e deve ter sido atribuída ao francês por sua identificação com a causa da liberdade de expressão.

Abraham-LincolnAbraham Lincoln decepcionaria muitos de seus fãs. Ele não enunciou aquela que é a frase favorita de muita gente: “Você pode enganar todas as pessoas por algum tempo, ou algumas pessoas por todo o tempo, mas não pode enganar todas as pessoas por todo o tempo”.

Também não pertence a ele, mas ao Reverendo William Boetcker, o célebre “The 10 Cannots” – os dez mandamentos negativos que tanta gente emoldura e pendura na parede com uma foto do presidente americano, e que começa com “Não criarás prosperidade se desestimulares a poupança” etc.

Alguns pensam que o conselho “mantenha seus amigos por perto, e seus inimigos ainda mais perto” tem origem ilustre: já foi atribuído a Maquiavel e Sun Tzu. O mais provável, no entanto, é que tenha sido escrito mesmo para uma fala de Michael Corleone.

E já que passamos aos personagens de ficção, é incrível que uma lenda como essas tenha surgido de um filme, mas nem a personagem de Ingrid Bergman nem qualquer outra de Casablanca pediu: “Toque de novo, Sam”. Ainda mais surpreendente, Sherlock Holmes nunca, nunca disse: “Elementar, meu caro Watson!”

Para resumir: –Não acredite em metade do que ouve… (Este ditado não é meu, e também não é de nenhuma personalidade famosa). Se quiser citar uma frase de efeito que ouviu em algum lugar, é mais seguro NÃO creditar a algum personagem histórico, dando a entender que as obras completas dele estão na sua cabeceira. Já que é para trapacear, roube logo a frase para você: com alguma sorte, pode acabar reconhecido no mundo inteiro como o autor!

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