Não sei por qual motivo, mas a esquerda nunca foi unida em nenhum momento da sua história. Nem na primeira revolução da esquerda ela foi unida. Na Rússia, Lenin comandava, mas Trotsky e Stalin brigavam nos bastidores. No fim das contas, Stalin levou a melhor e seu rival foi expulso da Rússia e morto no México.

De lá pra cá, a esquerda nunca foi unida. Unem-se em momentos pontuais. No Brasil, a esquerda teve participação na Intentona Comunista do Brasil de 1935 liderada por Luís Carlos Prestes e Olga Benário, mas que não deu certo. Na clandestinidade por anos, alguns esquerdistas usavam do PTB para se candidatarem, outros, não se aliavam com burgueses e preferiam ser perseguidos. Na eleição de Vargas, em 1951, Prestes declarou apoio para o ex-ditador que caçou comunistas no primeiro governo. Lógico, o Cavaleiro da Esperança foi criticado por tomar tal postura.

Em terras tupiniquins, a esquerda é tão desunida que o partido comunista é dividido. O Partido Comunista Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil. Apesar de termos dois comunistas, o único partido brasileiro filiado à Internacional Socialista é o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, de Leonel Brizola.

Foi assim também na primeira eleição direta após a ditadura militar no país. A esquerda tradicional se uniu com Leonel Brizola. Porém, foi Lula que se destacou e levou a marca de ‘comunista’ e levou a disputa para o segundo turno, perdendo para Collor. Além de Brizola e do ‘sapo barbudo’, Roberto Freire era o candidato do partidão.

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E assim foi em todas as eleições desde então. Um ensaio de alianças em 1998 com uma chapa formada por Lula e Brizola, apoiada pelo PSB de Miguel Arraes. 2002 com Lula apoiado pelos dois partidos comunistas, mas com Brizola apoiando Ciro Gomes no PPS, de Roberto Freire, e o PSB com Garotinho. Com a eleição de Lula, o PT se divide e o PSOL surge como uma alternativa a um PT que se rendia ao capital. Voltar ao PT da década de 80 ou então se tornar a “esquerda que a direita gosta”, como dizem alguns petistas. Heloísa Helena, Chico Alencar, Babá, Luciana Genro e Ivan Valente eram os líderes. As urnas e a história levaram Heloísa e Babá para o ostracismo. Plínio de Arruda Sampaio, fundador do PT, foi o concorrente de Dilma na eleição de 2010 e morreu este ano.

Apesar de fragmentado e desunido, o segundo mandato de Dilma Rousseff terá de buscar unir a esquerda brasileira. Lógico que não toda ela. O primeiro governo Dilma foi um desastre para a esquerda. Dilma deixou a conversa com movimentos sociais de lado. Se o presidente Lula era famoso pelo diálogo e vestir os bonés dos movimentos sociais, Dilma mudou esse panorama. Em busca de apoio no Congresso, Dilma recuou na questão do kit anti-homofobia nas escolas. Preferiu Ana de Holanda a Juca Ferreira na Cultura. Kátia Abreu, ruralista, ganhou status de senadora oficial da presidente. A presidente colocava em xeque três apoios que o PT sempre contou: movimento LGBT, Cultura e MST. A fatura veio na eleição. A união de toda esquerda é impossível, já que a presidente tem em seu arco de alianças alguns partidos conversadores e de direita como o PP de Paulo Maluf e o PSD de Gilberto Kassab, mas o segundo turno das eleições presidenciais deste ano foi um dos momentos pontuais em que a esquerda se uniu neste país.

O apoio dos líderes do PSOL foi essencial para a vitória de Dilma Rousseff nas urnas no último dia 26. Luciana Genro que teve mais de um milhão e meio de votos no primeiro turno preferiu não dizer se votaria em Dilma ou não, mas a deliberação do partido foi que nenhum voto a Aécio fosse dado.

Particularmente, eu não gosto de uma tomada de decisão dessas. Havia dois projetos de país em discussão e isso era claro. Sou contrário aos votos nulos e brancos e por isso sempre escolho um lado para ficar. Como esquerdista que sou, ou eu votaria em um projeto que tirou o país do mapa da fome ou em um projeto que pretendia reduzir a maioridade penal.

Se Luciana preferiu se calar, as outras lideranças do PSOL falaram e apoiaram Dilma. Os cariocas Jean Wyllys e Marcelo Freixo apoiaram, até demais, a reeleição da petista e foram até criticados por eleitores seus, mas Jean e Freixo sabiam o que estava em jogo. O deputado estadual mais votado pelo Rio de Janeiro participou dos programas petistas e o deputado federal liderava comícios e reuniões em São Paulo e no Rio de Janeiro. No encontro de Dilma na periferia paulista, Jean era o escolhido de Lula para o discurso. Foi também o ex-candidato ao governo de São Paulo, Gilberto Maringoni, que disse uma das frases que marcou a campanha: ‘Somos a favor da alternância de poder. Eles governaram o país por 500 anos. Nós temos crédito de 488 ainda’.

Durante a campanha, Dilma preferiu usar um tom mais à esquerda. A foto dela detida durante a ditadura foi a foto oficial da campanha e seu ‘coração valente’ foi cantado, pintado e escrito por todo canto. Pela primeira vez num horário político, Dilma falou no sonho da revolução socialista que ela tinha quando adolescente.

Dilma não terá uma vida fácil nesses quatro anos de mandato. Terá de negociar com PMDB, PSD, PP e direita, sim, mas também deve olhar para a esquerda. No congresso mais conservador desde 1964, as propostas de mudança devem vir do executivo. Regulamentação da mídia, demarcação de terras indígenas, casamento entre pessoas do mesmo sexo e tantas outras questões terão que ser debatidas no governo que fica até o final da segunda década do século XXI.

Será com militares, religiosos e ruralistas que essas questões serão debatidas, mas também será com o PSOL que aumentou sua bancada de três para cinco. Durante o governo esse número pode ser pouco, mas na campanha esse cinco vira milhões e define uma eleição.

É naquela Dilma Coração Valente que muita gente ainda votou. Na esperança que ela ressurja. Dilma parece ter escutado a ‘voz rouca das ruas’ e já começou a falar, no seu discurso de posse, em diálogo e reforma política.

Quanto ao PT, é obrigação moral e ética pelo menos chamar o PSOL para uma conversa de olho nas eleições de 2016 no Rio de Janeiro. O apoio a Marcelo Freixo deve ser discutido sim pela direção do partido.

Cabe a Dilma tomar uma decisão neste segundo momento: em 2018 vão querer pedir voto para quem? Se quiserem pedir voto para a esquerda tem que dialogar. Tem que fazer. O discurso do ‘eles são piores’ não vai pegar daqui quatro anos para esses que esperam uma resposta da garota que lutou contra a ditadura, não escondeu seu rosto para os militares, se diz Coração Valente e um dia foi chamada de Estella.