Depois de um breve hiato sem textos, devido a um compromisso acadêmico chamado TCC, volto a escrever neste espaço, sobre os recentes escândalos que acometeram a NFL. Quem bem acompanha o futebol americano sabe que uma parcela razoável dos jogadores não são flores que se cheirem. Apesar de a estrutura esportiva americana fazer com que os atletas se desenvolvam nas universidades, tendo que cumprir metas acadêmicas, muitos dos que se tornam jogadores de futebol americano cresceram em subúrbios das cidades americanas, envoltos pelo mundo do crime.

Sempre em intertemporadas são comuns prisões de alguns jogadores, a maioria por direção sob influência de álcool, é bem verdade. Alguns casos acabam sendo mais graves, como o de Aaron Hernandez, ex-tight end do New England Patriots, que foi dado como envolvido em vários assassinatos nos arredores de Boston. Entretanto, poucas vezes a NFL teve de lidar com a quantidade de encrencas mais sérias que seus jogadores aprontam, como nesses últimos meses. E a liga não conseguiu se sair muito bem nesta empreitada.

rayriceO episódio pivô de toda a crise acaba sendo o de Ray Rice, ex-running back do Baltimore Ravens que, em fevereiro, bateu na então noiva (esposa, atualmente) num hotel em Atlantic City – a Las Vegas da costa Leste. Não sou a favor que a liga imponha punições nesses casos extracampo, mas se ela se propõe, que faça direito. Pois bem, Rice foi suspenso por míseros dois jogos. Foi a senha para uma revolta geral da imprensa americana e de parte dos fãs.

A situação só piorou quando o TMZ, site de fofocas (não estou falando da ESPN, CBS, Sports Illustrated ou New York Times), teve acesso a um vídeo do hotel no qual Rice agrediu a noiva. O vídeo mostra o atleta literalmente nocauteando a moça num elevador. E assim que Rice desce, ele puxa a noiva, desmaiada pelos sopapos, para fora, como se fosse um saco de farinha.

Ora, se o TMZ conseguiu acesso ao vídeo, ficou claro que a NFL poderia ter feito o mesmo, com um pouco de esforço, ou a liga tinha visto o material e botou tudo a panos quentes. Com o passar das semanas, não só foi mostrado pela mídia que Roger Goodell, comissário da NFL, tinha visto as cenas em abril, como também surgiu a história de que a cúpula dos Ravens também tinha feito o mesmo (em fevereiro), sem tomar as providências, que só vieram a acontecer agora, com o circo pegando fogo. Na época, a franquia também tinha passado a imagem de não ter tido conhecimento prévio da magnitude das agressões de Ray Rice. Porém, Steve Bisciotti, dono do time, veio à imprensa acusar o jogador de inventar histórias.

Adrian PetersonNa mesma semana, Adrian Peterson foi envolvido numa acusação de ter espancado o próprio filho. O Minnesota Vikings, time em que Peterson é estrela, ficou numa posição de “não saber se vai ou se fica”. Apenas com o mundo caindo sobre a franquia, é que Peterson foi afastado. Assim, ficou nítida a preocupação com o âmbito esportivo acima do ético, visto que o running back é o pilar dos Vikings, e porque em outra ocasião de comportamentos inadequados, só que de um jogador menos vital, a franquia foi rápida na hora do corretivo. (Curiosamente, um outro filho de Peterson morreu, em 2013, por… agressões físicas do namorado da mãe com quem o atleta teve a criança).

Além de tudo, o Minnesota Vikings já entrou na linha de tiro do ex-punter Chris Kluwe que, mesmo heterossexual, se tornou um dos defensores contra a homofobia na NFL. De acordo com Kluwe, técnicos da equipe começaram a destrata-lo e ele foi dispensado sem motivo técnico aparente.

Como desgraça pouca é bobagem, Greg Hardy, então linebacker do Carolina Panthers, foi acusado de estupro. Mais uma vez, a hesitação da franquia. Hardy chegou a estar relacionado para o jogo subsequente à denúncia, na manhã do evento. Só a pressão geral conseguiu reverter a leniência.

jdawyerPara fechar, descobriu-se que Johnathan Dwyer, running back do Arizona Cardinals, bateu, humilhou e ameaçou a esposa. Aqui o desfecho foi diferente. Os Cards, na manhã seguinte do caso vir à tona, afastaram o jogador. Tudo bem que o frisson dos últimos casos deve ter levado o time a agir rápido, mas pelo menos, eles o fizeram.

Essas balbúrdias, combinadas com amenidades que controvertem o fã, podem sim abalar a popularidade da NFL, que cresceu nos últimos anos devido à imprevisibilidade do esporte.

Roger Goodell, em sua gestão como comissário (desde 2006), vem metendo os pés pelas mãos. Com a desculpa de proteger os jogadores, recomendações foram feitas aos árbitros para que eles fossem mais rígidos. Só que parte dessas marcações de faltas me parecem ter mais a ver com facilitar o jogo aéreo do que qualquer coisa.

Já dizia Vince Lombardi, lendário técnico que dá nome ao troféu do Super Bowl, que “quando você lança três coisas podem acontecer, só uma é boa, e duas são ruins”. Enfim, o passe dá mais imprevisibilidade ainda ao jogo. Parece bom, mas isso irrita os puristas que sabem que a graça do futebol americano sempre foi o equilíbrio, a riqueza na estratégia, o duelo de estilos, e defesas que desafiem os ataques a se superarem. Com as recomendações atuais, parece que tudo isso vai se perdendo e o jogo se torna unidimensional. Claro que com o jogo mais rápido, algumas medidas – acertadas – deviam ser tomadas.

Fora isso, as regras de conduta, impedindo comemorações mais criativas, parecem bobocas. Goodell ainda inventa ao criar uma série de jogos fora dos EUA, que viraram um monólogo em Londres, aparentando ser um ensaio para a consolidação da absurda ideia de uma franquia na capital britânica. Sem contar invencionices como a temporada de 18 jogos e a mudança na regra do ponto extra. E, para piorar, Goodell enfrentou problemas trabalhistas e batalhas salariais com jogadores e árbitros, algo que não ocorria desde os anos 1980.

Pensando a longo prazo, a NFL deve se preparar para outra tempestade, essa relacionada ao doping. Como o esporte é o único dos quatro principais dos EUA que não é/já foi olímpico, nunca houve uma preocupação decente com o tema, e o consumo de drogas que melhoram a performance é liberado veladamente, vamos concordar. Entretanto, com a ascensão do esporte, uma hora ou outra a exigência do combate antidopagem virá, e a chance de uma “caixa de pandora” ser aberta e abalar as estruturas da modalidade – assim como ocorreu com o beisebol, no início dos anos 2000, no escândalo do laboratório Balco – é imensa. Contudo, esse já é tema para uma outra coluna…

[N.do.E.: muita gente boa no meio suspeita que o segredo da linha defensiva praticamente intransponível do atual campeão Seattle Seahawks tenha a ver com doping. A conferir. PM]