No último sábado completaram-se cinco anos do dia em que a Fórmula 1 foi abalada por um escândalo: durante o Grande Prêmio da Bélgica, em 30 de agosto de 2009, Reginaldo Leme informou em primeira mão na transmissão da TV Globo que Nelsinho Piquet fora coagido pela equipe Renault, por intermédio dos diretores Flavio Briatore e Pat Symonds, a bater de propósito no GP de Cingapura de 2008. O objetivo? Beneficiar a estratégia de Fernando Alonso, então companheiro de equipe do brasileiro.

De que forma Nelsinho foi “convencido”? Com a promessa de que teria seu contrato renovado.

cingapura2008bComo a Renault planejou, Alonso fez um pit stop para troca de pneus e reabastecimento na volta 12 e Nelsinho bateu propositalmente na volta 14, em uma curva em que não havia possibilidade de o carro ser retirado sem a entrada do safety car. Tal cenário fez todos os demais pilotos pararem nos boxes sob bandeira amarela. Felipe Massa, que liderava, perdeu pontos preciosos porque a mangueira de abastecimento ficou presa. E Alonso, como previsto pela equipe, emergiu na liderança, de onde não sairia mais.

Pois bem, Nelsinho realmente teve seu contrato renovado mas a mudança radical de regulamento fez com que a ordem das forças entre as equipes fosse sacudida no ano seguinte. E a Renault, quarta colocada entre as escuderias em 2008, foi uma das mais afetadas. Com isso, o time teve de se esforçar muito para melhorar o carro e as novidades eram levadas primeiramente para o carro de Alonso, o que sempre deixou Nelsinho em condição inferior. Mas a Renault não levou isso em consideração e demitiu Nelsinho depois do GP da Hungria.  Nesse contexto, a bomba começou a ser armada.

Ainda no paddock de Budapeste, um taciturno Nelson Piquet conversava com jornalistas e deu sinais de que algo acontecia. O faro de Reginaldo Leme pescou isso e logo depois ele conversou à parte com o tricampeão, que admitiu a existência de uma bomba a ser detonada contra Briatore. Ainda não era o momento de ninguém saber, mas havia a promessa ao velho amigo de que, na hora certa, ele saberia.

nelsinhonelsaoPois em 29 de agosto, dia do treino classificatório para o GP da Bélgica, Piquet ligou para Reginaldo e deu em detalhes a história. Mas como levá-la ao conhecimento do mundo? Dizendo ao vivo na transmissão da Globo que estava em curso uma investigação de uma empresa particular contratada pela FIA contra a Renault pelo episódio de Cingapura. Nada mais.

Até então, Regi se comportara como de costume em Spa-Francorchamps. Conversava normalmente (e alegremente) conosco, colegas de longa ou curta data, como era meu caso. Só que no sábado ele não jantou conosco, o que lamentamos, já que não iríamos saborear as suas histórias à mesa. Mas é evidente que nem passava pela nossa cabeça que, na verdade, uma bomba de tamanha magnitude estava em vias de detonação.

Abre parêntese: nesse dia Flamengo e Santo André jogavam no Maracanã pelo Brasileirão e o time da Gávea venceu por 3 a 0. Eu e um companheiro de cobertura rubro-negro procurávamos desesperadamente informações sobre o jogo em um lugar em que não havia internet e ligamos algumas vezes para outro jornalista aqui no Brasil para saber do resultado. Consumada a vitória, com o Flamengo se afastando do Z4, concluímos: O.K., mais umas quatro vitórias e nos livramos do fantasma do rebaixamento. Só que no fim do ano o Flamengo foi campeão brasileiro. Fecha parêntese.

O domingo já não parecia ser um dia qualquer. Afinal, Giancarlo Fisichella deu à Force India uma pole position inacreditável. Rubens Barrichello, que brigava pelo título mundial com Jenson Button e vinha de uma grande vitória em Valência, sairia numa boa quarta posição. Mas a pista de Spa favorecia outros carros e a vitória não parecia ao alcance da Brawn. Pior ainda foi Barrichello ter caído muitas posições na largada e Button abandonar após colisão que também envolveu Lewis Hamilton e levou o safety car à pista. Na relargada, Kimi Raikkonen aproveitou o Kers para superar Fisichella e assumir a ponta. Tudo muito bom, tudo muito bem, e a corrida continuou até que…

Reginaldo Leme começou a ler as informações anotadas num papel grudado no vidro da cabine da Globo. Galvão Bueno ficou assustado. Luciano Burti ficou perplexo.

E eu na sala de imprensa de Spa comecei a ver no computador várias mensagens pipocando. De início não dei atenção, até porque não gosto de ser incomodado durante uma corrida. Mas quando a minha mãe também mandou mensagem fui olhar. E soube por ela a bomba detonada pelo Regi. Imediatamente levei um susto. E todas as demais mensagens de amigos – e colegas de trabalho – também perguntavam que história era aquela…cingapura2008

Curiosamente, ao meu lado estava sentado o amigo Luis Fernando Ramos, correspondente de Fórmula 1 e com quem viria a trabalhar no próprio LANCE! O mesmo Luis Fernando Ramos que no ano anterior, no fim de semana da épica decisão entre Felipe Massa e Lewis Hamilton em Interlagos, me dizia ter certeza de que o acidente de Cingapura havia sido proposital. Já naqueles dias, o “Ico” tinha os pontos juntados e me explicava o raciocínio da Renault. E eu, por mais que acreditasse que o plano fazia sentido, achava impossível que isso fosse provado…

De imediato, ainda com a corrida em andamento, alertei a chefia do Diário LANCE!, local em que trabalhava à época, e a orientação foi “apurar a história melhor” e conversar com o Regi. O espaço, que seria de três páginas, subiu para cinco. E lá fui eu conversar com o Regi. Quando o avistei ele estava pálido e suando, mesmo com uma temperatura amena. E um Regi ainda andando de um lado para o outro me contou melhor. O justificado nervosismo se explicava: era preciso uma confirmação por parte da FIA de que a investigação estava em curso como Reginaldo revelara. E, no fim do dia, a assessora da entidade confirmou.

briatoreO semblante relaxou na hora. Não que ele duvidasse do que havia revelado. Afinal, a fonte era a mais quente possível e a credibilidade da informação nunca esteve em questão. Mas quando uma bomba dessas estoura, até quem a solta sente o estrondo. Mas os que acabaram atingidos pela bomba foram mesmo Briatore, banido da Fórmula 1, e Symonds, que ficou um bom tempo fora da categoria.

Só que, na carona das revelações, quem sofreu foi o próprio Nelsinho. Ele chegou a receber propostas da Marussia para voltar à Fórmula 1, mas das equipes chamadas médias e grandes, nada mais surgiu após o episódio. E ele acabou nunca mais correndo na Fórmula 1, mesmo tendo potencial para brigar por grandes resultados. Recomeçou sua carreira na Nascar e hoje disputa corridas do GT Sprint Series e de Rally Cross. Está se divertindo, fora do ambiente sujo da Fórmula 1.

Curiosamente um dos que mais acreditavam no potencial de Nelsinho era o próprio Reginaldo Leme. Perdi a conta das vezes em que o Regi me disse pessoalmente que Nelsinho foi um talento desperdiçado na Fórmula 1. Encontrei e conversei diversas vezes com Nelsinho nesse período. E ele, mais do que ninguém, sabe que errou naquele episódio. Por imaturidade, falta de discernimento e experiência para lidar com tamanha pressão. Mas continuou com vontade de acelerar, e isso ele continua fazendo com dignidade.

Mas o que tirei de todo esse episódio é que Reginaldo Leme mostrou a todos o que a busca constante pela informação pode proporcionar. Eu não esqueci essa lição. Ninguém esqueceu.

A história está lá escrita para sempre.

One Reply to “Como senti o estrondo da bomba que abalou a F-1”

  1. História cabeludíssima. É por essa e por algumas outras que eu parei de assistir à Formula 1. Também pelas inúmeras corridas ganhas pelo Shumacher nos boxes, sem a emoção da ultrapassagem. Não é só um talento desperdiçado na verdade foi todo um esporte desperdiçado pela ambição.

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