Uma vez por ano, eu compro Veja.

É quando sai, na Vejinha, o suplemento Comer & Beber. Eu sou do tipo que lê até bula de remédio, por curiosidade. Ainda assim, dificilmente eu consigo passar de cinco páginas de leitura de Veja, uma vez por ano. Além de constrangedora, é mal escrita. Antigamente, era apenas uma publicação conservadora. Virou um panfleto de extrema direita. Mesmo em matérias não políticas há um viés careta. Veja prega o obscurantismo.

Fui assinante de Veja no tempo de faculdade, lá se vão mais de 25 anos. Enjoei já naquela fase, imagina hoje. Durante os anos do final da adolescência ao início da fase adulta, eu reconhecia naquela publicação um bom resumo da semana, as entrevistas das páginas amarelas podiam ainda trazer novas visões do mundo, o texto tinha cuidado e estilo. Tudo isso foi se degradando. É como se, para escrever na Veja, seja mais importante pensar pequeno do que simplesmente dominar o idioma e ter algum talento para o jornalismo investigativo.

Estas qualidades foram se distanciando da redação, transformada em palanque reacionário.

Minha dentista assina Veja. Fiz um tratamento que me levou lá uma meia dúzia de vezes, e acabou semana passada. Aproveitei a sala de espera para dar uma olhada em como estava a revista ultimamente. Não passei da segunda semana e comecei a ler as revistas evangélicas que dividiam a mesinha. Por sorte, a espera lá não passa nunca de dez minutos.

capa380Claro que há espaço para uma publicação semanal conservadora no Brasil. Há público, há pertinência política, é democrático que as ideias mais reacionárias também se expressem. Mas há formas e formas de fazer isso, e a Editora Abril escolhe as piores para a revista que é seu carro-chefe.

A começar pelos métodos usados para manter artificialmente os números que dão importância e peso à revista: a circulação. Sem estes artifícios, a tiragem estaria em queda livre. Porque, mesmo para o leitor que pense da forma mais conservadora possível, há um limite para se deixar enganar. Mesmo este tipo de leitor percebe o quanto a revista está distante da verdade. E vai por água a credibilidade e o nome construídos por gerações de bons jornalistas que trabalharam lá em um passado a cada dia mais distante.

Por isso, milhares de assinantes tentam cancelar (ou não renovar) seu compromisso com Veja. Não adianta: a Abril continua a enviar a edição a cada semana. Caso o pobre assinante insista em não pagar o boleto, alegando que foi feita a rescisão, Veja é enviada mesmo assim, de forma gratuita (mais de 90% dos exemplares são entregues a assinantes). Junte-se a isso os milhares de exemplares comprados por governos de partidos beneficiários da linha editorial. Só em São Paulo, considerados os números oficiais apenas da Secretaria Estadual de Educação, são mais de 10.000 exemplares por semana, aproximadamente. Uma forma camarada de manter altos os números da revista e de injetar dinheiro nas combalidas contas da Abril.

Aliás, este é um detalhe interessante: a Editora Abril é subsidiada por dinheiro público para pregar o Estado mínimo e o liberalismo econômico. Não apenas conta com a venda de assinaturas de exemplares que, no máximo, são usados como matéria prima para aulas de “corte a figurinha” nas séries iniciais; como, por ordem, seus maiores anunciantes são o Governo Federal (e suas empresas) e o Governo Paulista. Veja é, portanto, uma farsa.

Como são farsescas suas matérias, principalmente seus grandes “furos” de reportagem. Ficou provado que a revista mantinha uma ligação estreita com o condenado Carlinhos Cachoeira e seu operador político, o senador cassado Demóstenes Torres, e sua fabriqueta de dossiês. É um modus operandi: Veja alega uma suposta “gravação”, ou qualquer outro material conseguido de forma ilegal. Edita obviedades de uma maneira capciosa e tem uma capa forte, invariavelmente anti-petista. Outras empresas jornalísticas conservadoras repercutem a capa. Veja diminui o encalhe em banca, um fato político é colocado no colo de uma oposição cada vez mais cambaleante e outros segmentos da chamada imprensa golpista dizem o que gostariam de dizer, mas que o pudor e os resquícios de jornalismo minimamente decente os impedem de dizer diretamente. Então, faz-se possível a manchete “segundo a revista Veja…”.

Há um público ávido por notícias e opiniões anti-governistas. Isso já seria natural em quaisquer circunstâncias, porque governar é um ato desgastante de manter-se sob vigilância e críticas. Quanto mais estando o Brasil sob um governo que contraria uma ordem social vigente há cinco séculos e promovendo ascensão social de populações antes esquecidas. Milhões de brasileiros de classe média e da elite rentista mostram-se bastante incomodados por isso, e esperam que Veja faça seu trabalho de vanguarda do atraso.

capaMas até mesmo o atraso se cansa dos refrões repetidos, notadamente quando eles são falsos como notas de três dólares. Quando, por exemplo, a imprensa oligárquica resolveu fazer a campanha anti-Copa, muitos interesses estavam em jogo além de atacar o governo. Por isso, a Globo, detentora dos direitos de transmissão do evento, reverberou pouco as diatribes de Veja. Em vez de recuar, a revista investiu ainda mais fundo em sua campanha, perdendo o senso mínimo do ridículo. Este movimento desastrado culminou na capa de Veja que anunciava que os estádios (e demais obras) não ficariam prontos antes de 2038. Assim, de chute, Veja dava por encerrada a questão: não haveria Copa.

São bobagens desta natureza que desacreditam uma publicação. Ora, se tivessem um pouquinho só de vergonha na cara, os Civita exigiriam dos seus editores uma retratação pública. Mas Veja, assumidamente, já não faz jornalismo; faz ficção. Mesmo quando lhes repercute as tolices, os outros órgãos de imprensa (a Globo é quem mais faz isso, no JN) fazem questão de destacar que o fato foi gerado na redação da revista. É curioso notar que a Globo repercute mais a Veja que a Época, revista do grupo.

Caso você seja um leitor conservador, é razoável que queira ver uma cobertura combativa em relação ao governo. Minha sugestão é que passe a ler Época. Porque mesmo você merece a verdade, pelo menos alguma verdade.

Veja é capaz de condenar Putin sem julgamento, sem ao menos investigar, ou fazer referência a algum dado novo de investigação de outrem. Veja é capaz de se posicionar mais à direita de Israel na questão palestina, de ignorar completamente a barbárie. Pode-se fazer um enfoque pró-Israel da questão, evidentemente. Mas a cobertura de Veja é surreal. Veja cria uma série de “escândalos” que se desfazem no ar. Veja mantém, em suas páginas, blogs e site o elenco mais radicalmente patético de articulistas. Veja é um pasquim sem compromisso com a inteligência do leitor.

O fato de um órgão de imprensa ser governista ou oposicionista não o desqualifica. Eu mesmo uso muito a Folha, o G1 e o Estadão como referências. Há muitos aspectos na cobertura jornalística além de falar a mentira ou a verdade.

Há o critério de escolha editorial. O “manchetômetro” (um parâmetro de medida de tendência jornalística lançado dia desses) mostra que os principais órgãos de imprensa batem no governo e na oposição. Elogiam governo e oposição. A diferença se dá em quanto cada um deles faz isso. Bate-se, preferencialmente, no governo. Elogia-se, preferencialmente, a oposição. É escolha editorial viciada, mas não é mentira. Os blogs governistas e a Carta Capital fazem o inverso. Como não têm poder econômico, fica desequilibrado. Mas é do jogo. Só a tevê que não deveria poder fazer isso, porque é concessão pública. Mídia impressa e internet têm o direito de noticiar o que quiserem.

Mas não têm o direito de mentir. Veja vive de mentiras.

Capa-vejaOutro direito inalienável é à opinião. Diz o manual de bom jornalismo que ela deve estar separada da notícia, deve ficar claro o que é o fato, o que é a leitura que se faz dele. Nem sempre esta regra é seguida na imprensa brasileira. Não é obrigatório manter articulistas com visões plurais, mas é recomendável.

A Folha de São Paulo, por exemplo, vende muito bem a ideia de que seja democrática e múltipla, ao convidar colunistas das mais diversas matizes ideológicas. Enquanto isso, a escolha editorial é de matar. Não é muito ético, mas é inteligente fazer isso. O colunista Gustavo Cardoso, mais paciente e aplicado que eu, fez um levantamento na Folha e chegou à conclusão que há mais gente conservadora que progressista por lá, mas que efetivamente há diversidade.

A Veja não demonstra apreço por diversidade, nem mesmo se importa em fazer um simulacro dela. A Veja não tem colunistas. A Veja tem cães de guarda prontos para atacar, com agressões, malcriações, ofensas e calúnias. A Veja é um ponto fora da curva até mesmo dentre as publicações da Abril, todas conservadoras, a maioria com algum compromisso com a verdade.

Veja, não. O único compromisso de Veja é com o mau jornalismo e o golpismo mais vil.

3 Replies to “Motivos para não ler a Veja”

  1. Eu tenho vergonha por eles, mentem descaradamente por interesses proprios e esquecem do bem do pais, so querem espalhar a discordia e esquecem que uma nação que quer um futuro precisa de dialogo e nao de mentiras .

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