Há dez anos, o genial escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez finalizava sua última novela, chamada “Memórias de Mis Putas Tristes”, que foi lançada no Brasil em 2005. Nela, um ancião de 90 anos dá a si mesmo de presente uma noite de paixão com uma jovem de 14 anos que vende sua virgindade para ajudar a família. Mas o velho, ao observar a jovem dormindo, percebe seu desejo se transformar em amor.

O conservadorismo brasileiro, em sua expressão político-partidária, é um ancião decrépito que definha. Não consegue mais expressar-se e precisa de alguém que o defenda. Precisa urgentemente de uma virgem que lhe venda a alma (neste caso, mais útil que o corpo). Mas é preciso que seja virgem, que tenha o signo da pureza. Porque ninguém mais acredita nas ”putas” de sempre, para nos mantermos na alegoria do Garcia Márquez.

Como o ancião do livro, o conservadorismo precisa voltar a acreditar no amor. Precisa voltar a pensar que alguém que tenha lhe vendido o corpo e a alma realmente acredite nele, realmente o defenda de coração. Mas talvez esteja um pouco tarde para isso. O ancião tem dinheiro, mas não tem os atrativos de sua juventude.

E o paralelo acaba bem por aqui, porque não há mais virgens disponíveis. No máximo, o ancião olha para os lados e vê repetirem os velhos e conhecidos truques de suas “putas tristes”, desiludidas, e que definham junto ao velho conservadorismo.

sardenbergPor exemplo, percebam que patética é a tentativa de simulacro de escândalo empreendida pelos “jornalistas” Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg ao associarem o governo federal a uma alteração maledicente de seus perfis na Wikipedia. Segundo eles, o conteúdo da enciclopédia on-line foi alterado em maio de 2013, portanto HÁ MAIS DE UM ANO, a partir de um IP do Palácio do Planalto. Eles, por algum motivo ainda não esclarecido (e, pior, ainda não perguntado) só decidiram denunciar agora, em meio à campanha política. E querem nos fazer crer que a tentativa de manipulação dos fatos não saiu deles. Para acreditar, só sendo partidário de ideias preconcebidas. Ou totalmente idiotizado pela mídia corporativa.

Para começar, é preciso saber que a Wikipedia é uma plataforma colaborativa e que qualquer um pode fazer alterações nos verbetes, a partir de qualquer lugar, a qualquer momento. O conceito é de que uma alteração indevida seria corrigida pelos demais usuários, talvez em questão de poucos minutos.

Quando é feita uma alteração em um verbete, é impossível haver “fraude” (conforme alegado) já que a escrita colaborativa pressupõe o direito à inserção livre de informações. Se tanto, poderia ter havido crime de difamação. Será?

Por exemplo, no perfil de Leitão foi incluída a informação de que ela é especialista em fazer previsões econômicas furadas. Se isso é crime, então me processe, Miriam. Eu – e dezenas de blogueiros – vivo repetindo isso, simplesmente porque é uma verdade comprovada pelos fatos: Miriam Leitão é campeã em fazer previsões catastrofistas que se mostram furadas com o passar do tempo. Tem o conhecidíssimo apelido de “Urubóloga”. Há dez anos ela anuncia um apagão elétrico, para ficar no caso mais insistente. Dizer isso sobre ela equivale a lembrar que ela é uma senhora de meia idade: pode ser indelicado, dependendo da perspectiva, mas é verdade.

Os jornalistas afetados pela alteração na Wikipedia alegam que o governo tem dificuldades em lidar com as críticas, mas evidentemente são eles próprios que acusam o golpe de maneira mais evidente quando sofrem críticas. E, por favor, de uma vez por todas: qualquer um pode sofrer críticas, inclusive jornalistas, empresas jornalísticas e o jornalismo. Não há nada de antidemocrático nisso. Antidemocrático é supor que alguma categoria profissional está acima de crítica.

Não houve crime de opinião. Se tanto, houve indelicadeza ou excesso de sinceridade por parte de alguém que não quis se identificar. Há também o fato nada desprezível de que a alteração foi feita a partir de um IP registrado no Palácio do Planalto. Algum significado pode haver neste dado. Saber qual é, é uma missão mais relacionada às hipóteses do que à realidade objetiva.

O IP denunciado não é associado à Presidência, ou ao gabinete, ou a uma máquina específica, mas à rede de computadores compartilhados por funcionários comissionados, empregados de carreira, jornalistas, visitantes e até turistas. Especificamente, uma rede de wi-fi que poderia ter sido acessada até da rua em frente. Se o caso tivesse sido denunciado até seis meses depois de ocorrido, poder-se-ia apurar qual a senha de acesso, e qual seu proprietário. Mas a denúncia foi feita mais de um ano depois. Qual o objetivo desta falta de pressa? Colaborar com a investigação, certamente, não foi.

images_cms-image-000387177Como fato jornalístico, o caso é absolutamente frágil. Os próprios jornalistas envolvidos são fontes, repórteres, personagens, notícia e redatores. Este método tautista pode ser tudo, menos jornalismo. O que se tenta criar, portanto, não é notícia, mas fato político. E se o único desdobramento possível é político, também merecem ser políticas as hipóteses.

A versão de Leitão e Sardenberg dá conta de que teriam sofrido um ato de “bullying” institucional perpetrado pelo “governo do PT”. Ou seja, para eles, não basta a hipótese de que seja uma ação tresloucada de um funcionário isolado, seria uma ação de governo. Esta alegação sobre o uso de uma rede pública com acessos múltiplos, cuja dificuldade de identificação do usuário foi aumentada pela morosidade dos denunciantes, é no mínimo irresponsável, senão criminosa. Com que provas podem fazer tal inferência?

Por óbvio, seria absolutamente temerário para um governo amplamente favorito à reeleição usar a rede de computadores do próprio Palácio para atacar jornalistas de oposição. Seria mais fácil e seguro atravessar a rua e caminhar até uma lan house e, de lá, fartar-se do anonimato. Apostar nesta hipótese é apostar que o governo age contra si mesmo. Logo, a hipótese dos jornalistas, além de irresponsável, é burra. Definitivamente, comprova que eles são fracos em formalizar hipóteses.

Caso tivesse sido obra de um desavisado funcionário petista isolado, o caso perderia toda a graça, não é mesmo? Mas não é hipótese descartável. Gente burra não falta por aí.

Mas se não falta gente burra, sobra gente metida a esperta. Do jeito que foi apresentado, o caso é mais ofensivo ao governo que aos jornalistas. Portanto, é mais provável que tenha sido executado sob medida para prejudicar não aos jornalistas, mas ao governo. Nesta caso, quais os suspeitos?

Ora, é ingênuo pensar que não exista entre funcionários comissionados em cargos “de confiança” gente intimamente de oposição. Eu conheço um bom número de casos assim. Bem menos rara é a existência de oposicionistas dentre os funcionários de carreira, em qualquer repartição pública, em qualquer nível de governo. Afinal, sob a ótica pessoal do funcionário, o governo confunde-se com o desconfortável papel de patrão.

Miriam-LeitãoE entre os visitantes do Palácio e jornalistas? Pode-se perguntar aos próprios denunciantes se eles já estiveram profissionalmente no Palácio do Planalto e se, lá estando, utilizaram a mesma rede agora sob suspeita. Tecnicamente, não se pode descartar que os jornalistas tivessem, eles mesmos, alterado seus perfis para gerar matéria sobre si, atingindo os objetivos políticos de seus patrões. É improvável, mas é mais razoável acreditar nisso do que num governo que faça esforços para prejudicar suas chances eleitorais.

Em casos em que as possibilidades de desdobramento são diversas, eu costumo consultar o blog O Cafezinho, do premiado jornalista Miguel do Rosário. Por um motivo até simplório: Miguel tem o costume de investigar, coisa que rareia na imprensa brasileira. E foi nO cafezinho que eu descobri que os ataques contra Miriam e Sardenberg se deram “coincidentemente” poucos dias depois da instalação da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, que tem status de Ministério, mas fica localizada no Palácio do Planalto. O titular da pasta é, inacreditavelmente, o vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, que passou a acumular os dois postos.

Afif levou consigo para o Planalto alguns assessores próximos, inclusive um ex-filiado do PSDB que havia ocupado importantes cargos de alta confiança no governo paulista. Dias depois, foram registrados os “ataques” na Wikipedia. Nas mesmas datas, do mesmo IP, foram feitas alterações no verbete referente ao Município paulista de Ourinhos, com críticas ao governo local. Cujo atual prefeito havia acabado de ganhar uma eleição contra o… PSDB!!!

Sim, críticas a um adversário do PSDB no interior de São Paulo saíram de uma máquina registrada no Palácio do Planalto dias depois da chegada lá de um ex-colaborador do PSDB paulista. Da mesma máquina, saíram os ataques aos jornalistas que, mais de um ano depois, querem comprometer o governo numa teoria conspiratória. Mas isso não parece merecer uma investigação por parte da imprensa corporativa, porque não serve ao propósito de fazer um “escândalo” contra o governo.

E, no entanto, a opinião pública ignora o simulacro armado pela imprensa e baseado apenas na opinião de dois jornalistas sobre os “ataques” que receberam.

Parece que o mundo não acredita mais nas “memórias de las putas tristes”.