2002, ano do pentacampeonato do Brasil, também marcou o lançamento de um belo filme, que já pode ser considerado clássico nas faculdades de Direito espalhadas pelo Brasil: “Minority Report – A Nova Lei”.

Para quem não sabe e nunca assistiu, o longa é do gênero ficção científica (estrelado por Tom Cruise) e nos apresenta um futuro relativamente distante onde a polícia tem como ferramenta de trabalho um programa que antevê crimes e, com isso, realiza prisões antes mesmo de eles acontecerem. Tudo parece perfeito, quando o programa detecta um crime sendo cometido pelo próprio investigador, papel de Tom Cruise, e eis que a trama tem seu conflito.

Tema bastante interessante, que já rendeu várias discussões e debates no universo jurídico, mas agora o assunto é real: foram imotivadas as prisões preventivas, antes da final da Copa, dos manifestantes Black blocs, capitaneados por Elisa Quadros (a Sininho)? Seus atos eram ante visíveis para justificar uma prisão?

Até a última segunda-feira, eu achava que sim. Mas algo me deixava inquieto. Era arbitrariedade demais, até para os padrões duvidosos do Rio de Janeiro, acontecer algo desse tipo. Remontava aos tempos de porões da Ditadura, e eu me recusava a crer que eles estavam voltando.

Pois bem, com um belíssimo furo de reportagem do Jornal Nacional (irrelevante discutir quem, como ou porquê foi a Globo que conseguiu ter acesso, papel do jornalista é fuçar mesmo), na noite de segunda-feira, 21, o Brasil inteiro teve acesso a trechos do inquérito e a gravações, autorizadas previamente pela Justiça, de ligações dos envolvidos.

black-bloc-brasilForam sete meses de investigações da polícia, com direito a onze testemunhas que eram do movimento (ou seja, os tradicionais delatores) e diversas conversas mencionando amenidades, como coquetéis molotov, bombas, gasolina, formação de quadrilha, dentre outros aspectos. Após tantas provas, não se pode dizer que foram imotivadas as prisões.

Legalmente falando, o artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva, sendo eles: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testumunhas ou destruindo provas); c) assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida). Nas gravações mostradas no Jornal Nacional, em menos de cinco minutos de reportagem, só pelas gravações, foi possível identificar pelo menos dois desses requisitos (quanto à ordem pública e a possibilidade de fuga).

Imaginem o que mais não tinha num inquérito tão volumoso e investigado por tanto tempo?

Importante dizer que não estou entrando no mérito das manifestações. Eu mesmo já fui a duas até hoje e, curiosamente, ninguém me prendeu. Porém, como tudo na vida, há que se ponderar de que maneira deve-se fazer ou falar suas ideias para não esbarrar no direito alheio. Ainda mais quando vimos acontecer a fatalidade com o cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade, morto por uma bomba de fabricação caseira enquanto cobria os protestos em fevereiro deste ano.

Há que se ter cautela, portanto, antes de bradar a plenos pulmões que agora o Estado pune antes de crimes acontecerem. De modo algum sou partidário do atual governo do estado do Rio de Janeiro, mas nem por isso posso deixar de ser razoável. Vamos pisar no freio da comoção, porque não é bem assim. A ditadura deixou traumas que perduram até hoje. A prisão preventiva após sete meses de investigações e grampos legais, felizmente, não é uma delas.

Por fim, apenas para registrar, a prisão de Sininho e companhia, a meu ver é apenas a ponta desse complexo iceberg. Os tubarões de verdade estão à solta. Aí é outra história. Que a polícia tenha o mesmo empenho que teve com os chamados Black blocs para ir atrás dessa galera. Mas acho que aí eu estou esperando muito. Só em filmes de ficção científica mesmo para isso acontecer.

http://www.youtube.com/watch?v=q2bmImPNKbM

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