Em tempos sem Copa, o YouTube é sempre um bom companheiro. Lá, é possível rever alguns momentos gloriosos do Mundial e, no meu caso, muitos que aconteceram antes de eu nascer. Mais do que jogos ou lances específicos, sempre tive imensa curiosidade de saber como eram as coberturas televisivas.

Não dá para chamar de nostalgia porque, como eu disse, foi antes de eu nascer, mas era bacana ver e rever algumas vezes o saudoso Bolão do Faustão, as vinhetas especiais, os bordões, a evolução das cabines, dos GCs, dos layouts, enfim, essas coisas que parecem sem qualquer importância, mas que ajudam a dar “cara” para uma Copa do Mundo.

Até por isso, guardava muita expectativa sobre a Copa de 2014 nesse sentido. Uma Copa do Mundo no Brasil é tudo que as emissoras daqui precisam para fazer uma boa cobertura: a logística é muito facilitada, o gasto é muito menor e é possível fazer estúdios dentro da própria emissora. Sendo assim, o número de profissionais cobrindo “in loco” também se torna muito maior e a cobertura fica muito mais completa.

Por outro lado, guardava certo receio. A imprensa esportiva brasileira não vive seus momentos mais gloriosos há algum tempo e, em Copas, isso fica ainda mais evidente. Sob a necessidade de aumentar a equipe de repórteres, narradores e comentaristas, a qualidade muitas vezes é comprometida e, no caso dos analistas, os canais costumam recorrer a ex-jogadores que, definitivamente, não se preparam minimamente para uma transmissão.

20140618_135426Entretanto, a dois jogos do fim da Copa do Mundo, posso dizer que fiquei positivamente surpreso. A cobertura de nossas emissoras, de uma maneira geral, não foi perfeita, longe disso, mas foi bastante superior ao que eu imaginava e o saldo acabou sendo positivo. Vamos por partes.

A TV aberta sempre é um caso mais complicado porque a cobertura não é feita para quem gosta de futebol. A TV aberta atinge do fanático que acompanha todos os jogos possíveis de qualquer campeonato ao cidadão que nem sabe a regra do impedimento, mas tem a curiosidade de ver os jogos do Mundial. Assim, é preciso relevar algumas coisas entendendo que o público-alvo é bem menos específico.

A Globo se saiu bem. Transmitiu os 56 jogos que fez ao vivo in loco – ou seja, com narrador e comentarista fazendo o jogo direto do estádio – e ainda mandou sua equipe para alguns jogos que transmitiu apenas em compacto pois ocorreram no mesmo horário de outras partidas. Se eu não estiver enganado, quatro ou cinco dos oito jogos não exibidos ao vivo tiveram a presença global in loco.

A qualidade das transmissões foi ligeiramente superior ao que a emissora costuma apresentar. Galvão Bueno, excelente locutor, continua não tendo na imparcialidade e no estudo dos adversários do Brasil seus pontos mais fortes. Ele narra como um torcedor comum, porém dotado de uma capacidade inigualável de passar emoção ao seu público. Estuda o que vai narrar, mas não se aprofunda, talvez porque não acompanhe. Fala poucas bobagens, mas fica atrás de alguns concorrentes nesse sentido. Ainda assim, é a voz do Brasil na Copa. Mesmo sua voz não sendo a mesma de outros tempos, ele ainda é insuperável em vibração. Assistir um jogo com Galvão Bueno ainda é e creio que sempre será, algo diferente. Há quem goste, há quem não goste, mas não dá para negar que é o principal locutor do país.

Galvão_Felipão_Patrícia_JN1Curioso que, nessa Copa, ele foi mais apresentador que narrador. Por ser apresentador do Jornal Nacional durante o torneio, ele narrou, além dos sete jogos do Brasil, já contando o último, apenas outras duas partidas: os jogos entre Inglaterra x Itália e Uruguai x Inglaterra, ainda na primeira fase. Bem menos do que ele costumava fazer. Seus principais companheiros, Casagrande e Arnaldo César Coelho, continuam, como sempre, errando e acertando. Não são os melhores, não são os piores. Ronaldo, fazendo papel de Pelé em 94, quase não fala e consegue ser menos carismático que o Rei.

Devido à ausência de Galvão, Cléber Machado, cada dia mais assegurado como o principal locutor da emissora atrás de Galvão, ficou sobrecarregado e se saiu, como sempre, muito bem. Tecnicamente é muito bom, sabe dosar a emoção de acordo com o que o jogo proporciona e ainda deixa a transmissão mais leve e divertida nos momentos certos. Erra sim, mas erra pouco. No conjunto da obra, talvez seja o melhor do país no futebol.

Luis Roberto tem as mesmas qualidades de Cléber, mas menos acentuadas, e muitas vezes passa ao telespectador uma emoção que não existe, embora também seja muito competente. Rogério Corrêa, Alex Escobar e Rembrandt Jr. completaram o time e, a meu ver, não comprometeram muito. Fizeram o básico, sem muito brilho, mas sem errar muito.

A equipe de comentaristas, inteiramente formada por ex-jogadores, vai do Céu ao Inferno, de Juninho Pernambucano a Roger. Juninho é a revelação da Copa no setor e tem tudo para seguir uma carreira promissora. Caio Ribeiro e Júnior tem suas qualidades e seus defeitos, ao passo que Roger Flores, definitivamente, ainda não é dos melhores no momento.

A emissora carioca deixou o torneio tomar conta de sua grade e fez uma extensa cobertura em seus telejornais. A torcida pelo Brasil não é camuflada, como não deveria ser, mas me pareceu que, dessa vez, a Globo soube separar o que é informação e o que é torcida, além de dosar bem o humor. O jornalismo prevaleceu e isso é sempre bom.

lucianoNão vi muito a Copa na Band, mas a cobertura parece ter sido no padrão que a emissora já vem adotando há algum tempo: mais intensidade que qualidade. A morte de Luciano do Valle a poucos meses do Mundial deixou a emissora perdida. Téo José, embora não tenha um estilo que me agrade, é bastante competente, assim como Nivaldo Prieto, mas a cobertura ficou um pouco estranha. José Luiz Datena foi chamado às pressas para narrar futebol e mostrou que pode ser muito mais que um apresentador folclórico e sensacionalista, enquanto Oliveira Andrade continua mantendo o mesmo bom nível há uns 20 anos.

Os comentaristas, Neto, Denilson e até Renata Fan, não são dos melhores. Não estudam, têm uma dificuldade imensa de reconhecer que existem jogadores tão bons quanto os de antigamente e se limitam a avaliar o que estão vendo ali baseados no conhecimento que adquiriram durante a carreira.

Na TV fechada, a coisa muda de figura, pois a cobertura é destinada a um público que gosta de esporte. A Espn fez mais uma cobertura brilhante, mas bastante inferior ao que a emissora costuma fazer. Para começar, é preciso dizer que o canal tem a melhor equipe de comentaristas do Brasil: Leonardo Bertozzi, Gustavo Hoffmann, Paulo Vinicius Coelho e Rafael Oliveira são, talvez, os quatro melhores do Brasil e por uma razão muito simples: estudam, acompanham, fazem o básico. Erram, é claro que erram, mas erram pouco.

Os narradores também são, de uma maneira geral, muito bons. Além do excelente Paulo Andrade, o quadro de profissionais da emissora tem o melhor narrador esportivo – não só de futebol – desse país e aí sem qualquer tipo de dúvida. Falo de Everaldo Marques (foto ao alto do post), que é absurdamente bom no que faz e que, com toda a justiça, ganhou o privilégio de narrar uma das semifinais do torneio.

A emissora, porém, se mostrou um pouco perdida ao tentar fugir de sua principal característica, que é a imparcialidade completa e absoluta. Tentando ganhar o público que não está nem aí para a informação, ela ficou perdida entre o oba-oba e o jornalismo competente que sempre soube fazer. Acho inadmissível, por exemplo, que convidados especiais como os ex-jogadores Loco Abreu e Fredy Rincón gritem gol junto com os narradores e, pior, falem palavrão abertamente, como fez o primeiro. Se o comentarista quer torcer durante a transmissão, que torça com o microfone fechado e abra quando for falar alguma coisa de útil. Torço para que o canal volte a ter como lema o tradicional “informação é o nosso esporte”. Nisso, eles são muito bons.

fox copaNo Fox Sports, também não acompanhei muita coisa, mas vejo uma cobertura boa para uma primeira Copa do Mundo. João Guilherme, Marco de Vargas e Gustavo Villani são narradores competentes. Aliás, é bom que narradores que não eram principais em outros canais o sejam em outro, pois o próprio João Guilherme, por exemplo, não era valorizado em um canal com tantos bons narradores quanto o Sportv.

A equipe de comentarista alterna bons e maus profissionais, mas conta com dois dos melhores do país: Rodrigo Bueno, ex-Espn, e Mauro Beting, que há muito tempo é dos melhores profissionais da imprensa esportiva do Brasil. E, já que toquei no assunto, consegue ser ainda melhor escrevendo que comentando. Outros já não são tão bons, o que acaba se refletindo na qualidade dos bons programas produzidos pelo canal.

Já o Sportv foi a surpresa positiva da Copa. Os comentaristas podem não ser tão bons quanto os das concorrentes de modo geral, mas nem todos são ruins. Raphael Rezende, por exemplo, é muito bom e merece ser melhor aproveitado pelo canal. Lédio Carmona e Maurício Noriega também merecem elogios. O trio principal de narradores é formado pelo excelente Milton Leite, pelo competente Luiz Carlos Jr. e por Jota Júnior, que nem sempre é visto com a merecida atenção, já que também é dos melhores e há muito tempo.

O Sportv se destacou, todavia, fora dos jogos. Os programas que o canal apresentou nessa Copa fizeram da cobertura a melhor da Copa. 24h ao vivo, o Sportv só não cumpriu o prometido no dia entre o fim da primeira fase e o início das oitavas de final, quando foram exibidos alguns VTs. Dia desses também vi um jogo da Liga Mundial no canal principal. Ao vivo, mas fica o registro.

Quanto aos programas, os estúdios montados na Ilha Fiscal ganharam visitantes muito competentes. Antero Neto esteve muito bem conduzindo os programas da tarde, enquanto Marcelo Barreto provou que é o melhor âncora do Brasil na condução do Seleção Sportv.

O telespectador ainda foi brindado com o “É campeão”, um programa que reuniu Carlos Alberto Torres, Lotthar Matthaus, Daniel Passarella e Fábio Cannavaro sob a batuta de um André Rizek que pareceu nervoso nos primeiros dias, mas depois se mostrou bastante seguro e foi muito bem. O ponto fraco foi o “Extraordinários”, que reuniu um time sem qualquer ligação para falar da Copa. Até aí, nenhum problema. O problema é que Maitê Proença, Xico Sá, Paulo Miklos e Eduardo Bueno não pareciam lá com muita vontade de fazer um grande trabalho.

cantoA grande surpresa dessa Copa, no entanto, foi o Madruga Sportv. Lucas Gutierrez apresentou uma evolução assustadora desde que começou a apresentar o Tá na Área, lá em 2011, e foi brilhante na difícil tarefa de apresentar um programa de seis horas de duração de madrugada por 30 dias seguidos. Aurora Bello foi ainda melhor e auxiliou Lucas com brilhantismo, bem como Flávio Canto, que cresce a cada dia no jornalismo esportivo.

O programa é leve, divertido, não tem a pretensão de ser formado por especialistas. É um papo de fã de futebol para fã de futebol. Parceiro dos insones, faz o tempo passar. Tempo para debate, evidentemente, não falta. Os correspondentes internacionais estão toda hora no ar e, com tempo livre, ao contrário do que acontece durante o dia, podem passar melhor as experiências que vivem nos países onde estão acompanhando o torneio.

De modo geral, insisto, o saldo é positivo. Nas últimas Copas, as emissoras pareciam muito mais preocupadas com a tecnologia, o show de imagens, as câmeras, os replays e se esqueceram do básico que é o jornalismo. Em uma Copa tão especial, o erro parece ter sido corrigido. Uma cobertura que olhou para o futuro, para a tecnologia, mas saíram do comodismo e foram além. Ainda bem.

Imagens: Uol, Fox Sports, SporTv, reprodução de internet e Arquivo Pessoal do Editor

[N.do.E. – destacaria também o ótimo programa de debates apresentado pelo ex-jogador e ex-técnico Falcão no Fox Sports, com excelentes debates. PM]