Domingo é dia de acordar mais tarde, de prolongar a preguiça na cama, afinal, já nos chegam os outros dias da semana e sua rotina chata, certo? Errado. Ou pelo menos, assim pensávamos quando Senna ainda estava em cena.

Se o “almoço de domingo” era – e ainda é – tradicional, uma nova tradição que se perdeu com sua partida, se inaugurou no Brasil daquela época: O Café da Manhã da família brasileira reunida em volta da TV. Era dia de Senna.

senna1993cCom ou sem ressaca do sábado anterior, a maioria dos brasileiros daquele período em que acabávamos de sair dos anos cinzentos da ditadura militar – até mesmo aqueles que pouco entendiam de automobilismo – esperava ansiosamente o momento em que o símbolo de anos mais coloridos para o Brasil iria mostrar ao mundo o quanto somos bons, o quanto somos capazes de surpreender.

Era uma liturgia inconsciente, tão inconsciente e tão prazerosa que, pasmem os mais novos, nem reparávamos o quanto o Galvão era chato.

Uma pole position no sábado era obrigação e, se não fosse conquistada, também não nos aborrecia. Imaginávamos, apenas, em que momento, na corrida do dia seguinte, nosso heroi ultrapassaria seus adversários: Na primeira volta? Na primeira curva? Ou estaria ele reservando uma surpresa para o momento crucial da corrida? A única certeza é que a vitória viria. E se não viesse, certamente sairíamos da sala com a sensação de que foi mais uma corrida inesquecível do nosso inesquecível campeão.

O Brasil dos canhões era, naquele momento, o Brasil dos motores, do talento, da audácia, dos recordes, do gênio. Não éramos mais, apenas, o país da bola. Os botequins, antes seara exclusiva das discussões de futebol, passaram também a ser espaço destinado a comentar estratégias de pit stop, tempo de troca de pneus e de demonizar figuras como o rival Alain Prost e suas “desonestidades”, como se aquele também excelente piloto fosse um anticristo. Tudo em nome da brasilidade que recrudescia verde-amarela-reluzente, novamente, em nossos corações.

Acreditem, leitores mais jovens: Até os cariocas que viveram aqueles momentos torciam pra chover pelo simples prazer de assistir a uma aula de direção na chuva que o piloto paulista era capaz de ministrar aos seus atônitos adversários.

O “ACELERA, AYRTON!” virou uma espécie de mantra. A imagem do vencedor desfilando com a bandeira do Brasil após cada vitória retumbava em nosso peito de tal forma que mais parecia um energético para a semana que começava.

Devorávamos jornais com os eloquentes elogios dos estrangeiros e da nossa própria imprensa.

E o Brasil não saia de Senna.

Como adolescentes, nutríamos um incrível sentimento de imortalidade, de sucesso e de vida eterna. Éramos todos os Highlanders dos circuitos.

senna1988Quando menos esperávamos, quando, finalmente estávamos – sim, todos nós pilotávamos juntos com ele – na melhor equipe e com o melhor motor, a barra da direção trava, a curva não se completa, alguma peça desencaixa e a vida dos brasileiros e de seus domingos, de repente, também se desencaixa e prega uma peça na gente.

As câmeras ainda nos mostram um balançar de cabeça que, naquele dia,  parecia nos alentar. Ainda estaríamos vivos? Pra onde nos levaria aquele helicóptero?  Teria sido tudo um sonho?

Dessa vez, não queríamos mais dormir naquele domingo, mas por outra razão. Parecia que algo nos impulsionava para fora da cama como se quiséssemos fugir de um pesadelo inacreditável.

Desaprendemos a ficar na cama aos domingos, mas aquele domingo cruel nos empurrou pra fora, não mais de nossas camas, mas dos nossos sonhos.

Aos poucos, não acordávamos mais tão cedo aos domingos e o Hino da Vitória deixou de ser a trilha sonora daquelas manhãs.

Ayrton não estava mais entre nós. Foi em busca de outros caminhos mais iluminados, de novos desafios que não cabem mais nesse mundo, mas, não sem antes, nos deixar sua mensagem:  “Sim, nós podemos!”

Como ele, somos capazes de ultrapassar qualquer tentativa de golpe, de ultrapassagem desonesta daqueles que querem nos “tirar da parte mais limpa do circuito”, com o olhar fixo no pódio, com a sede dos campeões, olhando sempre à frente, mas sem perder de vista o que nos mostra o nosso retrovisor da história.

Que o País aprenda com o ídolo e não se deixe ultrapassar pelos retardatários do atraso. É hora da relargada! Obrigado, Ayrton! Acelera, Brasil! Acorda, Gigante!

3 Replies to “Impressões Digitais: “Semana Senna – Um Gigante em Senna””

  1. Alexandre, gostei do texto, ainda que eu não goste de automobilismo. Lembro bem dos domingos com o Ayrton, realmente, um craque, um exemplo original. Foi um exemplo como desportista e como cidadão e, por isso, como eu via a empolgação dos meus irmãos e amigos, por causa da minha curiosidade, não pude deixar de conhecer a história dele, ainda que não assistisse as corridas, lia as manchetes e algumas reportagens. Realmente, os domingos eram diferentes. Inclusive, se eu não me engano, nas corridas do Japão, um fanático irmão, punha o despertador para tocar, acordava,punha a tv sem som, para não acordar a mulher dele, e torcia muito. Tamburello, o marco final do talento, sim, também foi o marco final para muitos fãs do Ayrton. Muitos nem querem saber mais de automobilismo. Foram influenciados por algum outro piloto e tinham nele a referência do grande campeão, aquele que pôs o nome do Brasil no lugar mais alto dos pódios, sempre com brilhantes e inquestionáveis vitórias, com muita reverência dos demais pilotos
    e dos aficcionados pelo esporte de todo o mundo. Hoje, diante da comoção pela passagem do vigésimo ano da sua morte, ainda se ouve que a Fórmula 1 nunca mais foi a mesma, especialmente pela habilidade, destreza, arrojo e carisma dele, mesmo que tenham aparecido outros campeões. Sem dúvida, como seres sociais, diante do que vemos hà anos, usando o automobilismo e a carreira do grande camoeão “não devemos nos deixar ser ultrapassados pelos retardatários do atraso”. Abraço.

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