O Mestre em História Fabrício Gomes coloca suas impressões sobre o desfile do Grupo Especial deste ano. Lembro aos leitores que o texto foi escrito antes da apuração dos resultados.

Um desfile equilibrado, com algumas decepções e certezas

Este carnaval 2014 com certeza entrará para a história. Um carnaval que se mostrou equilibrado, bem antes das escolas pisarem na Avenida, com a escolha de enredos bem interessantes – Mocidade, Portela e Unidos da Tijuca, por exemplo -, outros que de início não pareciam tão legais assim, mas que na hora H se mostraram bem resolvidos e desenvolvidos – Grande Rio e União da Ilha figuram nesse panteão. E finalmente temas que criaram boas expectativas e se mostraram decepcionantes – nesse caso falo da São Clemente e da Vila Isabel, as duas escolas que mais decepcionaram no desenvolvimento de seus enredos.

imageSão Clemente e Vila Isabel fizeram os piores desfiles, lentos, arrastados e enfadonhos. O interessante enredo sobre a Favela, da São Clemente, foi repleto de clichês e previsível ao extremo. Eu destacaria somente o abre-alas, que mostrava Antonio Conselheiro e seus combatentes no sertão de Canudos, na Bahia. O nome Favela era de um arbusto existente em Belo Monte e foi encontrado por soldados que lá estiveram no morro da Providência, aqui no Rio. Por isso que “favela” batizou o nome dos morros cariocas. A escola ficou devendo.

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Já a Vila Isabel mostrou seus retratos. Não de um Brasil Plural, como diz seu enredo, mas de uma escola fragmentada, repleta de problemas políticos e, principalmente, sem dinheiro. Fui a um ensaio da Vila no início de janeiro e fiquei espantado com a quadra vazia – atenção, estamos aqui falando de uma campeã do ano anterior, que lutava pelo bicampeonato. Geralmente quando uma escola vence, seus ensaios são disputados, já que teoricamente a escola está na mídia. A comissão de frente não apresentou nada de interessante, alegorias mal acabadas e principalmente o grande problema das fantasias – onze alas deixaram de desfilar, outras tantas desfilaram sem metade da fantasia, e a roupa de sua rainha de bateria chegou dez minutos antes, de motoboy, da escola entrar na Avenida. Muitos integrantes se recusaram a desfilar, sabendo que as fantasias não foram entregues, e a diretoria teve que buscar “novos componentes” nas barracas próximas da Sapucaí. Pobre Vila, o desfile foi o retrato de sua fase atual.

imagePela lógica, por apresentarem tantos erros, São Clemente e Vila Isabel deveriam disputar para ver quem cai. Mas se persistir a lógica da Liesa, cairá o Império da Tijuca – que se não fez a Avenida “tremer”, ao menos não comprometeu sua apresentação e fez um bom desfile.

imageComo pontos fortes da festa cito o resgate de auto-estima da Portela, que desfilou como nunca. Além de um ótimo samba, o trabalho desenvolvido pelo Alexandre Louzada se sobressaiu. Muito luxo e garra traduziram a passagem da águia de Madureira pela Passarela do Samba, o que certamente credenciará a Portela a almejar voos mais altos na apuração deste ano. Mas o desfile da azul e branca não foi só de coisas boas: a comissão de frente não aconteceu na Avenida e o casal de mestre-sala e porta-bandeira ficou devendo uma boa apresentação.

imageAuto-estima também apresentado pela Mocidade, que dá ao seu torcedor a esperança de promissores carnavais para o próximo ano. O pessoal da harmonia da escola estava vestido com uma camisa do Sport Recife – time do coração do Fernando Pinto, um dos homenageados – e campeão biônico – aquele que foi, sem nunca ter sido – do Campeonato Brasileiro de 1987.

imageOutro ponto que gostaria de ressaltar é o amadurecimento de algumas escolas no tratamento de enredos biográficos. Era muito comum assistirmos desfiles chatíssimos, previsíveis e cronológicos, com início, meio e fim, e que no fim das contas acabavam por “resgatar” a figura do homenageado, alçando este a um patamar de “mito” e lenda. Imperatriz, Unidos da Tijuca e Grande Rio (que homenageou os 200 anos da cidade de Maricá, mas de uma forma bastante diferente dos enredos patrocinados que até então foram levados para a Sapucaí) mudaram essa forma.

imageDecerto que a Unidos da Tijuca já fizera isso no enredo sobre Luiz Gonzaga, em 2012, e agora, utilizou o tema da velocidade para levar Ayrton Senna para a pista de desfiles. Já a Imperatriz criou um paralelo entre Arthur Antunes Coimbra – o Zico – e o Rei Arthur, que também “lutava” contra cavaleiros. Foram, sem dúvidas, desfiles inteligentes e que renderam bastante.

imageA Mangueira decepcionou com um samba que era excelente no CD, mas que morreu na Avenida. Desfilou com cores muito bonitas, mas alguma coisa estava fora de sintonia. Algumas idéias forçadas e alegorias fora de propósito. Ficou devendo.

imageUm dos belos e criativos desfiles que assisti foi o da União da Ilha. Para o bem do carnaval eu gostaria que a Ilha retornasse no sábado das campeãs. Seria um prêmio para a escola, que vem trabalhando duro nos últimos anos, e principalmente ao seu carnavalesco. Um desfile colorido, leve, divertido e com a cara da União da Ilha.

imageJustamente do lado oposto da União da Ilha está a Beija-Flor, que apresentou um festival de equívocos em seu desfile, a começar por uma comissão de frente confusa. Uma crise de identidade: era comissão de frente ou era casal de mestre-sala e porta-bandeira?

imageO que era aquela parafernália? Um tabuleiro de xadrez? Um palco de shows igual aquele que os artistas vão se exibir no Big Brother? Toda aquela estrutura faz a gente pensar sobre o papel da comissão de frente nas escolas de samba – a Grande Rio também sofreu esse problema, com seu “homem-bala”. As comissões de frente vêm se transformando negativamente e, sem querer ser tradicionalista (não é meu perfil ser), já percebo que alegorias (não falo de tripés) compõem o quesito.

imageA Beija-Flor apresentou um samba fraco e um desenvolvimento de enredo bastante confuso. Ora mostrou as civilizações antigas e o surgimento da comunicação (a escrita, a prensa de Gutemberg, os papiros etc), ora apresentou Faustão, Toni “É Friboi?” Ramos e Pedro Bial… O antigo Boni, que dava broncas homéricas em seu gabinete na Rede Globo dos anos 1970/80, não aprovaria o desfile da Beija-Flor e mandaria Laíla e sua turma fazerem de novo.

imageE por fim, o Salgueiro, que eu particularmente esperava mais, talvez pelo grande clima de expectativa criado em cima do desfile. O primeiro setor salgueirense foi um primor de beleza. Mas o excelente samba-enredo e a bateria Furiosa foram prejudicados pelo sistema de som da Avenida. Mesmo assim, não descarto sua vitória. Mas eu esperava mais, talvez uma catarse ao final do desfile – que não aconteceu.