O estudante Leonardo Dahi comenta os resultados de São Paulo.

São Paulo: Um Carnaval que não se respeita

Nesse ano, tal como em todos os outros anteriores, não pisei em nenhuma quadra de escola de samba de São Paulo. Fui a apenas um ensaio técnico, já nas suas duas últimas escolas, e fui ao Anhembi apenas no sábado de Carnaval. Sexta assisti pela TV e ainda estou botando em dia os desfiles do Acesso no domingo.

Por outro lado, li todas as sinopses divulgadas nos Grupo Especiais e de Acesso. Ouvi mais de 90% desses sambas concorrentes. Tinha todos os 22 hinos dos dois primeiros grupos decorados já em outubro. Fiz tudo isso porque gosto. Gosto de Carnaval, gosto de samba e gosto do Carnaval paulistano. Toda a informação consumida sobre a folia paulistana foi consumida por prazer, ainda que “off-tube”.

Paralelamente, e isso já vem de muito tempo, argumentei, conversei, às vezes me exaltei, briguei, xinguei e discuti com várias pessoas pela internet sobre o que nós temos para mostrar aqui na Terra da Garoa. Foram debates árduos com quem não conhece a qualidade dos nossos sambistas e que, tolos, pensam que Carnaval só existe no Rio de Janeiro. Mais uma vez por prazer, divulguei um pouco o trabalho que se faz aqui para quem não conhecia. Certamente não foi o único, muitos outros o fazem, ainda bem.

É por tudo isso que me sinto ofendido, desrespeitado e feito de palhaço pelo que ocorreu no Sambódromo do Anhembi na tarde desta terça-feira. Mais uma vez, a Liga/SP, voluntariamente ou não, usou da “tática” quase circense de fazer justiça na primeira colocação para maquiar um dos maiores absurdos de que eu já tive notícia na história do Carnaval – e aí incluo os anos de palhaçadas no Grupo de Acesso carioca.

Eu ainda não consegui descobrir se o corpo de julgadores da Liga é incompetente ou desonesto, já que tenho provas contundentes das duas hipóteses a cada nota lida na Terça-Feira Gorda. E, de verdade, pouco me importa. Eticamente, faz diferença. No sentimento de vergonha, nenhuma.

Sim, eu estou envergonhado de ter feito tudo isso que descrevi nos primeiros parágrafos. Envergonhado de fazer, como tantos outros, papel de palhaço. É verdade que no Carnaval o resultado nem sempre importa, mas eu não consigo me ver de outra forma quando lembro do que pensava quando ouvia o samba da Pérola Negra, ou da emoção que senti quando vi a escola pisando no Anhembi.

A bem da verdade, a Liga já estraga o meu Carnaval na apuração há muito tempo, seja nas notas ou nas medidas ineficientes para combater a bagunça no Sambódromo no dia da leitura das notas. Mas esse ano, confesso, fui pego de surpresa. E vou dizer porque.

Quando você pensa no Carnaval, pensa em primeiro lugar nos desfiles. Você espera aquelas quatro noites de folia e não a tarde da apuração. É óbvio, porém, que você quer ver aquilo que passou pela Avenida refletido em nota. Claro que nunca o júri vai pensar do mesmo jeito que você, mas é preciso que haja uma coerência.

Coerência essa que não passou perto de existir no julgamento da Pérola Negra, que, voltando ao Grupo Especial (já foi absurdamente rebaixada em 2012), fez um desfile espetacular. Não vi, na internet, nenhum comentário que não colocasse a escola entre as cinco melhores. Até minha mãe, que costuma se pegar mais nos quesitos visuais para avaliar as escolas, disse ser “impossível” um rebaixamento que eu já temia há algum tempo no jogo de cartas marcadas que virou o Carnaval daqui.

Todo mundo já imaginava que pudesse acontecer, mas é chocante ver a escola em 13º e penúltimo lugar, sendo rebaixada de novo para o Grupo de Acesso. Qualquer um sabe, mesmo sem viver o dia a dia da escola, como foi difícil para uma agremiação que bem pouco tempo atrás ensaiava sob um viaduto, chegar nesse estágio.

fmleandro-8300Sabemos bem do talento que tem esse rapaz chamado André Machado, que é um dos melhores Carnavalescos do Brasil na atualidade e não abandonou a sua escola mesmo sendo prejudicado por estar em uma agremiação que, inexplicavelmente, nunca conquista os jurados. Sabemos como ele, Celsinho Mody, Mydras, Edilson Carlos Casal, Douglinhas Aguiar, além de tantos outros anônimos, mereciam uma posição melhor. Nós, enquanto consumidores da festa – inclusive em termos financeiros -, merecíamos um pouco mais de respeito e lisura.

Seria bobagem, minha, porém, me ater apenas à Pérola Negra para criticar o julgamento, que foi repleto de absurdos desde o primeiro quesito, fantasia. Nele, a Nenê de Vila Matilde, visivelmente uma das melhores nesse ponto, recebeu as piores notas, simplesmente 1,3 pontos atrás da penúltima, Leandro de Itaquera.

No segundo quesito, enredo, foram dadas 56 notas (quatro para cada uma das 14 escolas). Simplesmente 42 delas, foram 10. A mais baixa, um 9,8. A safra de enredos não foi ruim, mas teve coisas bem estranhas como uma homenagem à Paulínia e outra à Foz do Iguaçu que, bons ou ruins, não mereciam nota 30. Situação parecida com a de mestre-sala e porta-bandeira, que teve 44 notas máximas.

Em comissão de frente, teve jurado dando 10 para a X-9, cuja roupa não acendeu como previsto devido à chuva. Aí veio evolução com suas notas estranhas. A Mocidade, ainda mais pelo assalto à uma de suas principais concorrentes, foi campeã com justiça. Porém, é inaceitável, repito, inaceitável, que tenha tirado nota 30 em evolução sendo que abriu dois buracos bem em frente de onde eu estava e ainda por cima correu no fim para não estourar o tempo.

Essa benevolência não foi vista, por exemplo, com a Gaviões, que perdeu quase três pontos no quesito. A Tatuapé, se foi julgada com pouquíssimo rigor em alegoria e fantasia, perdeu sete décimos inacreditáveis no quesito, enquanto a Tom Maior tirou 10 no primeiro módulo. Detalhe: o abre-alas da escola só entrou na Avenida quando o relógio marcava 13 minutos de desfile.

E o que dizer de samba-enredo? Em uma safra complicadíssima, 46 das 56 notas foram 10 (as outras 10 foram 9,9). Gaviões da Fiel e Nenê de Vila Matilde tiraram nota 40, enquanto a Tatuapé, que tinha um dos melhores sambas do ano, perdeu um décimo mesmo com os descartes. Uma piada de mau gosto. Pelo segundo ano seguido, o quesito não representa nada e não dá nem pra falar que seria ali que as escolas menos fortes no visual tirariam a diferença porque elas são as únicas penalizadas em geral. [1]

Leandro de Itaquera e Tatuapé, que levaram alegorias de gosto bastante duvidoso para a Avenida, foram nota 30 no quesito, enquanto a Pérola perdeu dois décimos com um dos melhores conjuntos alegóricos do ano. Aliás, com exceção da escola da Vila Madalena para o mal e da Mocidade para o bem, todas foram beneficiadas e prejudicadas, o que me faz pensar que o júri é só muito incompetente. A Tucuruvi, por exemplo, é assaltada todo ano, mas em 2014 conseguiu quatro notas 10 em harmonia, que é a pior do Grupo Especial.

O resultado final nos traz um absurdo décimo segundo lugar para a Nenê, o rebaixamento já descrito da Pérola e o sétimo posto da muito rebaixável Tom Maior, além de um contestável vice-campeonato para a Rosas de Ouro, mas acabou, nessa salada de erros, sendo coerente – como é larga a Liga, meu Deus – o que faz com que muita gente deixe pra lá. Afinal, que importância tem a Pérola Negra? Fez-se justiça no campeonato.

É por isso que continuamos tendo uma Liga que divulga seu regulamento dois dias antes do desfile, que diz no dito cujo que até duas escolas podem subir e até duas podem cair”. Que proíbe o merchandising, mas deixa de punir a Tom Maior em dois pontos por causa do trator que entrou acoplado ao carro abre-alas porque foi “motivo de força maior”.

Acredite que para eu dizer isso é porque a injustiça foi muito grande: se a Pérola Negra entrasse na justiça virando a mesa, eu apoiaria. Porque se é para ser uma bagunça, que seus causadores sofram as consequências. Ainda existem outras polêmicas como a do “enxerto” (quando uma escola usa alegoria de outra em outro ano) da Terceiro Milênio. Não vi a tal alegoria, não vou opinar nem insinuar nada.

Queria muito que as escolas de samba forçassem a Liga a fazer uma reflexão. A Liga/SP de Serginho Ferreira tem feito boas coisas pelo Carnaval aqui. O CD melhorou, o Grupo de Acesso está aí no Viva, o sistema de venda ingressos informatizado é bom, mas não dá para jogar tudo fora na terça.

Enfim… Esse texto é, antes de tudo, um desabafo. Porque nesta terça-feira, porém, o Carnaval de São Paulo me desrespeitou. Desrespeitou a todos os foliões paulistanos. Pérola Negra, então, nem se fala. Porém, o maior desrespeitado pelo Carnaval de São Paulo, ironicamente, foi ele mesmo.

Eu e todo mundo deveríamos larga-lo. Principalmente quem de fato faz ele acontecer em barracões, quadras e ateliês, já que investem grande parte de seu tempo nisso. Não o faremos. Dizem que samba é resistência e eles, acredito, continuarão resistindo. Eu fico aqui, aplaudindo. Porque, afinal de contas, antes da decepção da terça-feira, vem a emoção e a reverência da sexta, do sábado e do domingo. Quero continuar acreditando que, no fim da história, tudo ainda vale a pena.

[N.do.E.: as notas de samba enredo foram inacreditáveis, em uma safra fraquíssima. A Gaviões da Fiel ter gabaritado o quesito foi uma esculhambação]

8 Replies to “Filho Pródigo – “São Paulo: Um Carnaval que não se respeita””

  1. Nada me tira da cabeça que a Liga quer limar do Especial todas as escolas da Superliga. É um tiro no pé. O Carnaval paulistano não sobrevive sem Vai-Vai, Nenê e Gaviões!!

  2. Prezado amigo,
    Acompanho carnaval ao vivo no anhembi desde 1994. Nunca perdi qualquer desfile. Concordo quando você diz que as notas de samba enredo foram absurdas. Das 14 escolas, 11 obtiveram nota máxima. concordo plenamente. Discordo, porém em relação à Pérola Negra. A escola, infelizmente, não fez um bom desfile. Na minha visão mereceu cair sim. Pecou em vários quesitos e num carnaval competitivo como é o de hoje, não tem como permancer no especial. Discordo mais ainda quando você disse da Nenê de Vila Matilde. A Nenê veio com 3 alas sem chapéu e costeiros. Apenas com a camisa por baixo! Isso foi comentário geral. Quem viu os desfiles com certeza percebeu isso e você verá nas justificativas do jurado. Entendo que você, mesmo por um descuido, não tenha visto isso. De mais a mais, todos os julgamentos serão constestados por todas as escolas, exceto a campeã! Todo ano é assim! Precisamos melhor o nível dos jurados, mas sempre haverá notas nas quais não concordamos. Abração e Viva o carnaval!

  3. AS ESCOLAS SEM TRADIÇÃO E DE TORCIDAS QUEREM ACABAR COM O SAMBA NO PÉ DA NENÊ, POIS OLHA ONDE ANDA O CAMISA E O PERUCHE

  4. tenho dó de vc por fazer colocações tão infelizes como essas para vc só a Perola foi prejudicada apesar de gostar muito da Pérola a minha Leandro desfilou embaixo de chuva forte com pedras de gelo perdendo assim evolução e
    quebrando minha Harmonia isso vc não fala,foi uma falta de respeito dos jurados
    com a minha Leandro dar as notas que deu sem nenhum respeito,mais tudo bem o Leão guerreiro da zona leste voltara pode esperar.esse seu comentário infeliz.

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