Depois de longo interregno, nossa seção dedicada às resenhas de livros está de volta. Não tenho conseguido resenhar tudo que leio, mas este “Porta-Bandeiras”, do jornalista especializado Aydano André Motta – de quem tenho a honra de privar da amizade – não pode faltar aqui.

Dentro da série “Cadernos de Samba”, que neste 2013 ganhou a sua segunda série – englobando também livros sobre o Salgueiro e a Mocidade Independente de Padre Miguel, Aydano conta as histórias de 11 porta bandeiras consideradas das melhores do carnaval, além de um prólogo contando as origens da função.

Conta Aydano, jornalista especializado em carnaval, que a primeira origem estava no minueto dançado pelos escravos a fim de mimetizar as danças de seus senhores. Os pares evoluíram até se tornarem o baliza e a porta estandarte dos ranchos carnavalescos, que possuíam função muito importante: um dos objetivos era roubar bandeiras alheias e cabia a eles proteger o sagrado símbolo.

Além disso, os então estandartes, depois bandeiras eram levadas aos poderosos da época para serem “beijadas”, o que em minha leitura deu origem ao ritual existente até hoje de se “beijar” a bandeira em eventos. Nas escolas de samba, originalmente o julgamento era à confecção da bandeira e não à dança do casal, que se tornaria quesito apenas em 1958. Em 1980 e 81 não houve julgamento, e em 1990 o quesito, junto com Comissão de Frente, teve peso menor no julgamento.

O autor conta as histórias e as estórias de um time de respeito: Dodô, Mocinha, Neide, Vilma, Maria Helena, Rita, Dóris, Selminha Sorriso, Lucinha Nobre, Giovanna e Marcella. Faço aqui uma lembrança a uma porta bandeira que não faz parte do livro, mas que me deu a honra de, pela primeira vez, beijar a bandeira da minha Portela: Ana Paula.

Em poucas palavras, resumo uma a uma as porta bandeiras enfocadas:

probe1 – Dodô: considerada como a pioneira, ligada sempre à Portela, mostra os tempos históricos da função. Foi porta bandeira da Águia de 1935 a 1966, até 1957 como primeira na função – sendo substituída por ninguém menos que Vilma Nascimento. Depois ocuparia outras funções na escola e em 2004 seria madrinha da bateria portelense – curiosamente, no ano em que desfilei como ritmista (foto ao lado).

2 – Mocinha: lenda da Mangueira, desfilou de 1939 até 1988, com um interregno na década de 50 devido ao ciúme do marido. Mas, tendo a grande Neide na mesma escola, foi primeira porta bandeira apenas em 1966 e de 1981 a 1988 – com uma passagem em 1982 pela Caprichosos de Pilares, então no segundo grupo. Ainda assim, foi Estandarte de Ouro como segunda – algo que apenas Lucinha Nobre repetiria.

3 – Neide: outra lenda da Mangueira, literalmente morreu pela escola, com apenas 40 anos. Tinha um câncer no útero e não quis se tratar, escondendo a doença, para não perder o lugar. Pentacampeã consecutiva do Estandarte de Ouro, foi porta bandeira da Mangueira de 1954 a 1980, à exceção de 1966 quando não desfilou por divergências com a diretoria. Ao lado de Vilma divide as preferências sobre quem seria a maior porta bandeira da história.

4 – Vilma: a maior porta bandeira da Portela e, a meu juízo, a maior de todas. Foi descoberta por Natal dançando com uma bandeira da Portela em 1952, em uma das casas de show de Carlos Machado. Foi convidada por Natal, mas resistiu até 1957, quando finalmente assumiu o pavilhão azul e branco e se tornaria “o Cisne da passarela”. Não desfilou em 1969 por divergências com a diretoria – Natal estava preso e o então vice presidente Nilo Figueiredo (esse mesmo, leitor, acredite) não pagara a roupa do ano anterior nas casas de tecidos. Retornou em 1977 e se despediria definitivamente em 1979, defendendo depois o pavilhão da União da Ilha em 1982 e posteriormente a Tradição. Danielle, sua filha caçula, é atual porta bandeira da Águia e legítima sucessora da maior de todas.

20130519_092739Costumo dizer que só dois portelenses me fizeram chorar: um foi Paulinho da Viola (em 95) e a outra Vilma, em 2009.

5 – Maria Helena: porta bandeira sinônima de Imperatriz, tem uma história de vida que é uma lição. Morou muito tempo na rua, trabalhou como doméstica até se aposentar em 2008. Passou pela Unidos da Ponte e pela União da Ilha até estrear pela Imperatriz, em 1982. Uma curiosidade é que seu filho Chiquinho, seu mestre sala por muitos anos, simplesmente detesta samba e carnaval!

6 – Rita: a porta bandeira branca em um meio negro, a pioneira porta bandeira de classe média em um meio pobre. Era professora de educação física até vencer o concurso para ser porta bandeira do Salgueiro em 1983. Além do Salgueiro passou por escolas como a Grande Rio e o Império Serrano, onde mais tarde seria diretora.

Rita também seria uma precursora da profissionalização das porta bandeiras, ao pedir US$10 mil à Grande Rio em 1993 e depois R$50 mil ao Salgueiro em 2006. Guardadas as devidas proporções, a trajetória de Rita no mundo do carnaval lembra a minha própria no meio do samba – e o curioso é que eu, criança e pré adolescente, admirava a beleza dela.

7 – Dóris: esposa de Élcio PV, lendário mestre sala, fez história na Beija Flor de Nilópolis. Cinco carnavais na escola, dois no Salgueiro, um na Grande Rio na estreia da escola no Especial em 1991 – como veem, desde o início a escola de Caxias tem o hábito de comprar e não formar seus segmentos…

8 – Selminha Sorriso: ex-passista, surgiu como porta bandeira no Império Serrano, foi campeã na Estácio, mas se consagrou mesmo na Beija Flor de Nilópolis, onde até hoje é a primeira porta bandeira. Uma curiosidade: ela é esposa do vice presidente da Portela, Marcos Falcon.

BAb5XMhCMAEwo6V9 – Lucinha Nobre: a estrela, o pavão e a águia. Mocidade, Unidos da Tijuca e Portela. Três marcas indeléveis em sua alma, três marcas do carnaval carioca. Também de uma família de classe média, enfrentou altos e baixos, mas é a outra porta bandeira a ganhar o Estandarte de Ouro na função de segunda, pela Mocidade em 1993.

Lucinha é outra vítima da eterna dificuldade de Nilo Figueiredo em efetuar pagamentos…

10 – Giovanna: legítima sucessora de Mocinha e Neide, saiu da Mangueira movida pelo profissionalismo. Foi campeã na Unidos da Tijuca e agora irá estrear na Vila Isabel para 2014.

11 – Marcella Alves: de volta ao Salgueiro para 2014, enfrentou o desafio de ter sido a  primeira porta bandeira da Mangueira criada fora da escola. Mas para quem aos 9 anos já exercia o ofício como uma adulta e aos 17 conversava de igual para igual com o lendário Maninho, patrono do Salgueiro, ela tirou de letra.

Na Livraria da Travessa, custa R$33. Bom texto, leitura rápida e que recomendo fortemente. Como pai de duas meninas espero que uma delas siga a tradição de Dodô, Vilma e Lucinha…

2 Replies to “Resenha Literária: “Porta-Bandeiras””

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