Nesta terça-feira, excepcionalmente, a 12ª coluna Sambódromo em Trinta Atos, do jornalista esportivo Fred Sabino, revisita o polêmico desfile de 1995, no qual a Imperatriz Leopoldinense obteve um contestado bicampeonato e a Portela até hoje reclama da perda de uma vitória que parecia certa.

1995: A doída derrota portelense para a Imperatriz

Como não houve rebaixamento em 1994, pela segunda vez na história o desfile principal do Rio de Janeiro teria o mastodôntico número de 18 agremiações, graças à subida de São Clemente e Unidos de Villa Rica.

O regulamento sofreu sensíveis alterações no que diz respeito às notas. Em vez dos trinta julgadores e a validade de todas as notas, o júri passaria a ter cinquenta componentes e haveria descarte da maior e da pior nota em cada um dos dez quesitos.

Com o sucesso inicial do Plano Real, implantado em julho de 1994, havia expectativa de que as escolas conseguissem ter mais recursos na concepção dos enredos. Em parte isso acabou se confirmando e muitas agremiações conseguiram um conjunto visual mais luxuoso e trabalhado.

Antes dos desfiles, chamou a atenção o extenso título do enredo da campeã Imperatriz Leopoldinense: “Mais vale um jegue que me carregue que um camelo que me derrube lá no Ceará”. Na verdade, o tema nem era tão complexo, mas sim fruto de mais uma pesquisa brilhante da carnavalesca Rosa Magalhães – vamos relembrar depois no relato do desfile.

Com o intérprete Quinho de volta, o Salgueiro buscaria mais um campeonato com um enredo que questionava a versão oficial para o Descobrimento do Brasil. Terceira em 1994, a Viradouro de Joãozinho Trinta relembraria os três espantos de Debret com as belezas naturais do nosso país.

Já a União da Ilha defenderia os índios brasileiros ao relembrar Oswald de Andrade e seu manifesto antropofágico. A Beija-Flor faria uma nova homenagem, desta vez à intérprete lírica Bidu Sayão, enquanto a Tradição, depois do enredo sobre o sonho do homem em voar, desceria ao solo para falar das rodas.

Depois do oitavo lugar de 1994, a Mocidade Independente de Padre Miguel faria um passeio pelas religiões. Já a Vila Isabel contaria a história da moeda e a Estação Primeira de Mangueira viajaria para Fernando de Noronha.

Mas duas escolas despertavam as maiores expectativas do ano. Numa extensão da temática do desfile de 1994, a Portela revisitaria a história do Carnaval em continuação do enredo de 1994. Com nova diretoria após 23 anos, a contratação do cantor Rixxa, o Pavarotti do Samba, e o melhor samba da década, a Azul e Branco prometia chegar com força para buscar um título depois de 11 anos. Já o Estácio de Sá comemoraria o centenário do Flamengo, clube de maior torcida do Brasil.

Completavam o desfile de 1995 a Caprichosos de Pilares, com enredo sobre o petróleo, a Acadêmicos do Grande Rio, misturando contos infantis e a Amazônia (?!), o Império Serrano, com a batalha do homem contra o tempo, a Unidos da Tijuca, homenageando o compositor Carlos Gomes, e a Unidos da Ponte, exaltando o Paraná.

OS DESFILES

A São Clemente abriu os trabalhos com um enredo sobre o sonho de um Brasil melhor. O primeiro verso do samba dizia “Da crítica eu fiz o meu caminho”, mas, ao contrário de outros desfiles, a escola de Botafogo foi tímida, até porque ser a primeira a entrar na Sapucaí nunca é uma boa, e não havia grandes recursos para um conjunto estético tão elaborado.

Chamaram a atenção a comissão de frente, que simulou a conquista do tetracampeonato pela Seleção em 1994 com direito a Baggio perdendo o pênalti decisivo, e o uso das cores da bandeira nacional.

A Unidos da Tijuca, reforçada do cantor Paulinho Mocidade, entrou bem na avenida e parecia no caminho certo para atingir uma boa colocação com o enredo “Os nove bravos do Guarani”.

Mas o desfile sobre Carlos Gomes, apesar do bom samba acompanhado (vejam só) por violinos, foi comprometido pela quebra de uma alegoria, o que matou harmonia e evolução.

O elemento ficou dez minutos parado, obrigando os componentes a passar ao seu redor e, com isso, o bom conjunto visual da Azul e Amarelo acabou sendo inútil.

beijaflor95Terceira a entrar na avenida, a Beija-Flor de Nilópolis pegou um público mais aquecido e ainda elevou a temperatura da Sapucaí com, indiscutivelmente, um dos melhores desfiles do ano, a meu ver, o melhor da própria agremiação desde a épica apresentação de 1989.

O samba que homenageava Bidu Sayão era vibrante e os componentes o cantaram com força, sempre liderados pelo grande Neguinho da Beija-Flor. A novidade era um grupo de sopranos (com a participação do cantor Edson Cordeiro) auxiliando o intérprete. A bateria esteve acelerada demais pro meu gosto, mas também muito firme, com ótimas convenções e paradinhas.

Toda a trajetória da intérprete lírica e os espetáculos nos quais a cantora brilhou foram contados com bastante correção em alas e alegorias multicoloridas. O carnavalesco Milton Cunha, que estava elétrico em cima de uma alegoria com uma enorme fantasia, optou por abrir cada setor dos desfile com cisnes em diversas cores.

Um dos pontos mais marcantes no desfile foi a exaltação ao Brasil, já que a cantora, a despeito de ter se consagrado no exterior, recusou o convite para se tornar cidadã americana por amar o nosso país.

Perto de completar 93 anos de idade, Bidu Sayão fez questão de vir dos Estados Unidos, onde morava, e desfilou no último carro, intitulado Cisne Negro. A cantora, que chegou ao sambódromo trazida por Milton Cunha em seu carro particular, esbanjou simpatia, arrancando aplausos do público.

Mas a diva foi esquecida pela diretoria na Apoteose e teve de esperar 1h30 com um segurança até que o presidente da Liesa, Paulo de Almeida, fosse acionado para providenciar um táxi. Lamentável.

Quarta a desfilar, a União da Ilha tinha o retorno do inesquecível cantor Aroldo Melodia e o samba de Franco e Almir da Ilha tinha a cara da escola, ou seja, era animado. A bateria de Mestre Paulão esteve cadenciada e brilhou nas paradinhas, com os componentes tendo boa harmonia.

O enredo que resgatava a visão do Modernismo sobre a cultura brasileira tinha como personagem principal Macunaíma, o fio condutor do desfile. O carnavalesco Chico Spinoza manteve sua característica de elaborar alegorias com materiais alternativos e conseguiu bom resultado.

Mas o desfile insulano, embora simpático, acabou sendo inferior ao de 1994, tanto que o público não esteve tão empolgado como na apresentação da Beija-Flor. Quem chamou a atenção foi Monique Evans, que desfilou como porta-estandarte da escola com os seios nus e uma saia vazada.

Já a Acadêmicos do Grande Rio apresentou um dos mais confusos enredos já vistos. Vamos ver se alguém entende. Segundo a sinopse, o desfile transformaria “o ciclo da borracha na Amazônia em conto de fadas, no qual o rei Amazonas, responsável pelo ecossistema mundial de responsabilidade do Imperador Brasil, vivia tranquilamente com sua filha Manaus, numa terra rica em borracha, até a vinda da Rainha Inglaterra, que levou, sem que ninguém soubesse, 70 mil espécies da planta que brotava o líquido que valia tanto ou mais que ouro, para serem plantadas em seus terrenos na Malásia. Tal atitude caiu como veneno para a Princesa Manaus, fazendo-a adormecer num sono profundo durante quase dois séculos, quando o Príncipe da Tecnologia a beijou, acordando-a para seu futuro.” Também não entendi…

O samba, claro, era arrastadíssimo. Nem a boa bateria e o grande intérprete Nêgo conseguiram salvar a escola, que fez seu pior desfile desde a volta à elite. Sem mais.

Sem quadra na preparação, o Salgueiro entrou na avenida com muita pegada e o samba puxado por Quinho funcionou, tanto que o público recebeu bem a escola e os componentes cantaram com garra. Mas o conjunto da Vermelho e Branco acabou comprometido por diversos problemas.

Para começar, a comissão de frente demorou a entrar na pista porque as botas dos componentes não chegavam. Mas havia limite para a espera, e os componentes desfilaram, de fato, sem a composição completa de suas fantasias, o que sem dúvida resultaria na perda de pontos.

A modelo Marinara Costa, considerada uma das musas da época, também teve problemas na chegada à Sapucaí: “Sumiram com a minha fantasia, pode? Gosto muito do Salgueiro, mas assim não dá.”

Como em 1994, a escola voltou a falhar no acabamento das alegorias, principalmente no abre-alas, que tinha panos rasgados e falhas claras de acabamento nas esculturas. Uma pena, porque o enredo foi bem dividido e a mensagem foi passada com correção.

Houve ainda problemas na dispersão, já que o carro “Comércio Italiano” ficou preso no portão de saída e as alas não conseguiam deixar a Apoteose. Em resumo, a briga pelo campeonato era impossível.

A Tradição entrou na Sapucaí disposta a repetir o excelente desfile de 1994, no qual ficou em sexto lugar. Não conseguiu. Embora o enredo sobre a roda tenha sido bem transmitido, o conjunto alegórico ficou devendo e o samba não era dos melhores. Ficou um gosto de quero mais.

A escola homenageou o tricampeão Ayrton Senna, morto em 1994, e Fernando Vannucci leu um discurso na concentração ao som do Tema da Vitória. Na avenida, uma alegoria tinha um carro da McLaren e a piloto Suzane Carvalho representava Ayrton.

Quem atraiu olhares foi Adriane Galisteu, que namorava o piloto na época da tragédia. Sem muitos sorrisos, Adriane assistiu atentamente à passagem da escola e depois desceu para a pista com o então namorado Julio Lopes, que desfilaria pela Portela.

portela1995cFalando em Portela, esta realizou uma épica apresentação, no mágico horário do alvorecer, sempre um bom presságio para a Azul e Branco de Madureira, que muitas vezes em sua história desfilou quando o sol surgia.

Estava tudo conspirando para uma exibição inesquecível. Para começar, grandes portelenses como Paulinho da Viola e João Nogueira fizeram as pazes com a escola e participaram do desfile depois de muito tempo.

Além disso, o samba de Noca da Portela, Colombo e Gelson era espetacular, com uma melodia valente e ao mesmo tempo muito bem trabalhada. O carro de som tinha, além de Rixxa, o apoio de Carlinhos de Pilares, Rogerinho e Celino Dias.

E as expectativas foram confirmadas na prática, com o enredo “Gosto que me enrosco” contando com brilhantismo a história do Carnaval, desde os tempos das grandes sociedades, passando pelos ranchos e cordões.

portela 1995

A águia elaborada pelo carnavalesco José Félix (foto) foi a mais bonita que eu vi desde que acompanho os desfiles. Não só estava bem acabada, como muito bonita esteticamente, com uma máscara nos olhos. Como costumo dizer, escola de samba bonita é que nem carro bonito e mulher bonita: brilha, não é fosca. E a Portela estava brilhando.

portela1995bTodo o conjunto alegórico estava de muito bom gosto, bem como as fantasias. E, se predominaram o azul e branco da escola, a prata e o dourado permeavam tudo de forma precisa, abrilhantando o visual da escola.

A Tabajara do Samba manteve uma excelente cadência do começo ao fim do desfile e a Portela chegou à Praça da Apoteose sob os gritos de “é campeã”. Uma aula de desfile, uma aula de samba no pé, enfim, um desfile marcante.

A nona e última escola a desfilar foi o Império Serrano, que, lamentavelmente, não chegou aos pés do que a vizinha portelense realizou. A falta de recursos para desenvolver o enredo sobre o tempo ficou evidente e a escola da Serrinha se arrastou em todo o desfile.

O samba-enredo, que era bem cotado na fase pré-carnavalesca, foi cantado num tom bem abaixo em relação ao do CD, e isso piorou ainda mais as coisas, apesar da sempre competente bateria. Como curiosidade, o Império foi a primeira escola a desfilar com o dia totalmente claro desde a União da Ilha em 1990. Reflexo, claro, do aumento no número de agremiações no Grupo Especial.

Mesmo abrindo as apresentações de segunda-feira, a Unidos da Ponte conseguiu agradar ao público no desfile sobre o estado do Paraná. Não havia tanto requinte em alegorias e fantasias, que, no entanto, contavam bem o enredo.

A viagem da Ponte ia de Curitiba às Cataratas do Iguaçu e exaltava aspectos típicos paranaenses como o pinhão e a gralha azul. O samba era valente e a bateria manteve uma cadência excepcional a ponto de ganhar o Estandarte de Ouro.

Zico e Junior no desfile do Estácio de 1995Aguardada com ansiedade pelo enredo popular sobre o Flamengo, a Estácio de Sá passou bem pela avenida apesar de alguns senões. O primeiro foi a velocidade com a qual a escola evoluiu para dar vazão aos estimados 5 mil componentes – a bateria estava bastante acelerada. O segundo foi a irregularidade de alegorias e alas, umas excepcionais, outras sem brilho algum.

A comissão de frente formada por jogadores de futebol uniformizados agradou bastante e carregava uma grande bandeira rubro-negra, numa coreografia com ótimo efeito.  O abre-alas, em dourado, vermelho e preto, estava bem resolvido, assim como o segundo carro, que contava a origem do clube de regatas, em 1895.

Um erro conceitual grave a meu ver ocorreu no carro do Japão, que simbolizava o título mundial de 1981. Apesar de a alegoria ser muito bonita e bem acabada, craques como Zico e Júnior acabaram não tendo o destaque que deveriam. Cá entre nós, eu como torcedor preferia vê-los aparecendo bem mais.

Melhor jogador do mundo na época e recém-contratado pelo Rubro-Negro, Romário foi convidado para desfilar no último carro, o do bolo de aniversário do centenário, mas preferiu ficar nos camarotes. No entanto, o Baixinho cantou e sambou do início ao fim e foi bastante aplaudido mesmo fora da pista.

A Estácio encerrou o desfile sob aplausos e, de fato, foi uma apresentação vibrante e simpática. Mas ficou a sensação de que a escola poderia ter ido melhor.

A Unidos de Vila Isabel veio a seguir com uma correta apresentação de seu enredo sobre a moeda. Como de costume, o carnavalesco Max Lopes foi feliz na concepção do tema, lembrando que a palavra salário vinha do sal e que isso servia como pagamento.

O samba-enredo foi cantado, além de Gera e Jorge Tropical, pelo conjunto As Gatas. No fim havia uma mensagem de otimismo em relação ao Plano Real, com direito a um componente caracterizado como o presidente Fernando Henrique Cardoso, artífice da nova moeda.

Só não foi um desfile ainda melhor porque houve claros descompassos na evolução da escola no fim. Como a passagem foi um tanto lenta no começo, a direção de harmonia teve de apertar o passo dos componentes, o que nunca é bom.

mocidade1995Um dos melhores desfiles do ano viria em seguida, com a Mocidade Independente de Padre Miguel abordando as crenças brasileiras em “Padre Miguel, olhai por nós”, que venceria com justiça o prêmio de Estandarte de Ouro de melhor enredo.

O desfile começava com a primeira missa rezada no Brasil, por intermédio dos colonizadores portugueses logo depois do descobrimento, e passou ainda pelas crenças africanas que foram trazidas para cá, além das lembranças pertinentes da Festa do Divino, Padre Cícero e a religiosidade baiana.

Renato Lage mais uma vez brilhou na concepção e acabamento de alegorias e fantasias, sempre permitindo ao público e jurados um perfeito entendimento do enredo.

O samba também era um dos melhores do ano e foi muito bem cantado por Wander Pires, que se consolidava como um dos melhores intérpretes da nova geração do Carnaval carioca. A bateria de Mestre Coé esteve impecável, cadenciando o samba como ele exigia.

Só não foi um desfile perfeito porque, depois da entrada da bateria no box, a evolução da Mocidade apresentou falhas que persistiram até o fim da apresentação. Uma pena, porque era um desfile digno de ameaçar a Portela, que, até então, estava com o favoritismo intacto.

A Caprichosos de Pilares foi a quinta a desfilar e teve uma apresentação, embora correta, sem muito brilho. O enredo sobre petróleo, convenhamos, não tinha nada a ver com a característica de leveza e irreverência da escola.

De qualquer forma, não foi um desfile desastroso e, aparentemente, não havia risco de rebaixamento.

imperatriz95dA campeã Imperatriz Leopoldinense, embalada por um grande samba e uma bateria bastante segura, entrou com tudo na avenida em busca do bicampeonato. E fez um desfile digno de brigar pelas primeiras posições, de fato.

Para entender o enredo de Rosa Magalhães, voltemos à sinopse. Dizia o texto que o imperador D.Pedro II teve a ideia de fazer uma expedição científica ao Ceará, pois havia a suspeita de que lá havia inúmeras riquezas. Seria a primeira expedição formada unicamente por brasileiros, já que nas anteriores havia diversos estrangeiros.

Foi decidido que para a expedição seriam importados camelos da Argélia, já que o clima do Sertão seria semelhante ao do deserto. Mas aí o poeta Gonçalves Dias, que fazia parte da expedição, percebeu que o camelo não era o melhor animal para transportá-lo e, depois que um deles pereceu, completou a viagem de jegue.

imperatriz95bEncerrava a sinopse uma frase que resumia bem o enredo: “Abaixo o camelo, Viva o Jegue!” E, desta forma, a Imperatriz fez sua belíssima viagem pelo sertão, com fantasias e alegorias de grande requinte, como era costume nos trabalhos de Rosa Magalhães. A comissão de frente de 1995 fazia uma evolução com sombrinhas, o que deu belo efeito.

A Imperatriz rivalizou com Portela, Mocidade e Beija-Flor entre as melhores escolas do ano, mas a quebra de uma alegoria (que acabou não entrando na pista) colocou em dúvida a possibilidade do bicampeonato, apesar de a escola ter saído da passarela aclamada pela crítica.

A Estação Primeira de Mangueira foi a antepenúltima escola a desfilar e o enredo do carnavalesco Ilvamar Magalhães tinha como base as lendas da rainha Alamoa para levar o público à paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. A Mangueira se apresentou melhor do que em 1994 em todos os quesitos, sobretudo os plásticos, nos quais as alegorias estavam bem superiores às do ano anterior – Fernando Pamplona disse na transmissão da TV Manchete que “a Manga veio bonita como há muito não se via”.

O abre alas era interessante, com o enorme surdo um em prata ladeado por golfinhos típicos daquela região. O carro de Netuno, a meu ver, foi o destaque do desfile da Verde e Rosa. A bateria esteve mais uma vez perfeita, desta vez bastante cadenciada, e Jamelão deu outra qualidade ao samba, que não era considerado dos melhores da equilibrada safra de 1995 apesar de não ser um desastre.

Mas um problema fez o carro “O Homem veio do mar” ficar parado (havia uma engrenagem que baixava o ponto mais alto do carro para que este passasse pela torre de TV), e a escola ficou estática por alguns minutos. Como a evolução já era lenta até aquele momento, as alas apertaram o passo e a bateria sequer entrou no box. A Mangueira não estourou a cronometragem, mas o fim do desfile foi prejudicado. Pena.

A Unidos do Viradouro de Joãozinho Trinta também fez uma apresentação correta sobre os espantos de Debret com as belezas do Brasil, mas, talvez pelo longo desfile, o público começou a se retirar do sambódromo.

O samba era fruto de uma junção mas descrevia bem o enredo, só que o público que ficou não se empolgou. Como sempre, João 30 caprichou no conjunto estético da escola, que, no entanto, passou fria e com problemas de evolução.

Já com dia claro, a Unidos de Villa Rica teve uma exibição que em nada lembrava uma escola de Grupo Especial. O enredo sobre os tecidos teve alegorias simplórias, quadradas e mal acabadas, talvez pela falta de recursos da escola.

Nem mesmo o chão salvou, pois o samba era fraco e os componentes não estavam empolgados. Com o sambódromo às moscas, a Azul e Amarelo teve graves problemas com harmonia e evolução, e ainda houve quebras de carros alegóricos.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

Com o fim dos desfiles, a Portela era considerada a favorita ao título, tanto que ganhou três Estandartes de Ouro: melhor escola, samba-enredo e puxador. Como Imperatriz e Mocidade tiveram problemas nos seus desfiles, a vitória portelense era tida como muito provável.

Na apuração, causou muita surpresa o fato de a Imperatriz não ter sido despontuada em pelo menos três quesitos: Alegorias e Adereços, Conjunto e Enredo, já que a escola desfilou com uma alegoria a menos do que o previsto.

Com isso, a disputa entre Portela e Imperatriz foi ferrenha, mas um quesito acabou sendo fatal para a escola de Madureira: Evolução. O regulamento previa o descarte da maior e menor nota de cada quesito e a Portela teve dois 9,5 neste quesito.

A Imperatriz teve apenas três notas diferentes de dez em toda a apuração, mas todas foram eliminadas. Diante disso, os portelenses até hoje não se conformam com a derrota naquele Carnaval.

No resultado final, a Imperatriz obteve os 300 pontos máximos, contra 299,5 da Portela, enquanto Beija-Flor, Mocidade e Salgueiro somaram 299 pontos (o desempate foi em Harmonia), a Mangueira teve 297 e a Estácio de Sá completou as sete primeiras posições com 296,5 pontos.

Foram rebaixadas a São Clemente e a Unidos de Villa Rica, enquanto subiram o Império da Tijuca, que voltaria à elite depois de nove anos, e a Unidos do Porto da Pedra, que brilhou e conquistou o título do Acesso. Esperava-se que a Liesa tentasse reduzir o número de escolas para 16, mas o desfile com 18 agremiações seria mantido para 1996.

No Desfile das Campeãs, os portelenses não esconderam a indignação com o resultado. Indignação que ecoa por mais de duas décadas…

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Imperatriz Leopoldinense 300
Portela 299,5
Beija-Flor de Nilópolis 299
Mocidade Independente de Padre Miguel 299
Acadêmicos do Salgueiro 298,5
Estação Primeira de Mangueira 297
Estácio de Sá 296,5
Unidos do Viradouro 294,5
Unidos de Vila Isabel 294
10º Caprichosos de Pilares 289,5
11º União da Ilha do Governador 288,5
12º Unidos da Tijuca 286
13º Tradição 284
14º Unidos da Ponte 284
15º Império Serrano 275
16º Acadêmicos do Grande Rio 268
17º São Clemente 261 (rebaixada)
18º Unidos de Villa Rica 255 (rebaixada)

CURIOSIDADES

– O carnaval de 1995 foi o último de Aroldo Melodia, um dos melhores cantores de samba de todos os tempos. Ele ainda gravou participação no CD de 1996 ao lado do filho Ito, mas logo depois sofreu uma isquemia que o deixou numa cadeira de rodas. Aroldo morreu em 2008, duas semanas depois do falecimento de Jamelão.

– O intérprete Rico Medeiros também teve pela Unidos do Viradouro sua última participação como cantor principal de uma escola de samba.

– A divertida novela “Quatro por Quatro”, da TV Globo, ajudou a popularizar o samba da União da Ilha de 1995, já que o casal formado por Raí (Marcello Novaes) e Babalu (Letícia Spiller) morava no bairro da Ilha do Governador e os dois desfilaram pela simpática agremiação. O ator inclusive tocou tamborim na bateria de Mestre Paulão. Já Letícia, assustada, teve de se esconder na dispersão tamanho era o assédio do público.

– Uma das atrações do Carnaval-95 foi Carlinhos da Cuíca, que desfilou em nada mais nada menos do que 25 agremiações, sendo dez do Grupo Especial. As televisões acompanharam a jornada de Carlinhos, que, apesar de cansado, chegou animadíssimo ao fim dos desfiles.

– Em São Paulo, a Gaviões da Fiel conquistou seu primeiro título, o que motivou outras facções organizadas de torcidas de futebol a tentarem a sorte no Carnaval. Pelo menos no Rio, a ideia não vingou.

– A Unidos da Ponte conquistou seus únicos dois prêmios do Estandarte de Ouro pelo Grupo Especial em 1995, em bateria e passista feminino (Carmem Lúcia). Em 1998 e 2002, a escola de São Mateus levaria mais dois estandartes, como melhor samba-enredo do Acesso.

– A Unidos de Villa Rica realmente não teve como brigar para permanecer na elite e as notas traduziram isso: dos 50 jurados, apenas quatro deram nota dez à escola, dois em bateria e dois em Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Como o regulamento previa a eliminação da maior nota em cada quesito, a escola teve apenas dois dez válidos e ficou incríveis 45 pontos atrás da campeã Imperatriz.

CANTINHO DO EDITOR – por Pedro Migão

Aquela Quarta-Feira de Cinzas de 1995 foi trágica para mim. A Portela perdeu o campeonato por meio ponto, o Arrastão de Cascadura, escola de onde eu morava e fui criado, também perdeu o acesso ao Grupo Especial pela mesma diferença e minha então namorada terminou o relacionamento alegando que “você chora pela Portela e não chora por mim…” Explico: caí em prantos com Paulinho da Viola entoando “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” no esquenta da Portela.

A apuração teve uma estranha anulação de uma nota no quesito Harmonia, quando estava na mão do locutor para ser anunciada. A alegação foi de que o jurado era conhecido do compositor Noca da Portela. Reza a lenda que o envelope trazia 10 à Portela e 9,5 à Imperatriz, o que daria o título à Águia no desempate. Enfim, jamais saberemos se a nota em questão faria justiça àquele carnaval.

Mais uma vez o Salgueiro sofreu com um carnaval inacabado do carnavalesco Roberto Szaniecki.

Como escrito na coluna passada, foi criada uma nova entidade para administrar os desfiles do Acesso, a Liesga. A Unidos do Porto da Pedra foi convidada a integrar o grupo embora estivesse duas divisões abaixo, e acabou vencendo o desfile mesmo sendo a primeira a desfilar no sábado – em uma autêntica “entrada pela janela”. O grupo desfilou mais uma vez em dois dias, sexta e sábado.

No mesmo grupo, a Canários das Laranjeiras desfilou sem a bateria, que não chegou à Sapucaí.

Na Vizinha Faladeira começava a aparecer o talento do hoje consagrado Paulo Barros.

São Clemente e Villa Rica conviveram boa parte do pré-Carnaval com a incerteza sobre em que grupo iriam desfilar. Acabou ficando acertado que uma abriria domingo e a outra fecharia segunda, com as escolas não rebaixadas ano anterior fechando domingo e abrindo segunda feira. As duas escolas não tiveram seus sambas no LP/CD oficial do Grupo Especial.

O samba e o desfile da Villa Rica hoje são considerados “cult” pelos admiradores do carnaval…

Mesmo com o sétimo lugar, este pode ser considerado o último bom momento da Estácio de Sá entre as principais escolas de samba cariocas. Originalmente a ideia era que a Mangueira homenageasse o centenário do clube, mas a então direção da agremiação não quis.

O Acesso B, que desfilou na terça feira de Carnaval, teve a Acadêmicos do Dendê como campeã. Também subiram a Acadêmicos de Vigário Geral e a Acadêmicos da Abolição.

Links

O desfile que deu o bicampeonato à Imperatriz em 1995

A inesquecível apresentação da Portela

A bela exibição da Mocidade Independente de Padre Miguel

A homenagem do Estácio de Sá ao Flamengo

 

Fotos: O Globo, Extra e reprodução de Internet

18 Replies to “Sambódromo em 30 Atos – “1995: A doída derrota portelense para a Imperatriz””

  1. O desfile da Villa Rica realmente é cult. Ficou marcado depois desses anos todos!

    E apesar da polêmica, a Porto venceu o acesso de forma muito justa. O samba é espetacular e grudou na minha cabeça de criança (eu tinha 11 anos na época) e até hoje (estou com 29) nunca mais esqueci.

    1. Sobre a justiça da vitória, ninguém contesta. Mas tinha de registrar a “subida pela janela” da escola. Abraços

  2. Esse Carnaval foi muito bom, ganhei no Jogo de Bicho 3.000 reais e me pagaram no Sábado de carnaval pela manhã…
    Na Quarta de cinzas fui acompanhar a apuração na Quadra da Portela, mesmo não sendo campeã houve distribuição de cerveja…
    Havia muito orgulho dos Portelenses pelo Vice-campeonato e pelo bom desfile apresentado.
    Todos diziam que aquele desfile representava a virada da Portela…

  3. Esse desfile da Portela é um dos últimos gritos do verdadeiro Carnaval.
    Que legal o vídeo é do meu canal, fico feliz pois adoro sua coluna e de certo modo acabei participando dela =D.

  4. Não vou entrar na discussão do título.

    Mas o samba da Villa Rica era bacana! Simples, como deveriam ser todos os sambas-enredo. Mas, francamente, tinha integrante das alas “trêbado” de tanta cerveja que estavam tomando – na avenida, inclusive -, passistas de tênis, enfim, uma zona!

  5. Orgulho de ter assistido ao vivo esse desfile na Sapucaí. O samba era belíssimo, realmente levantou a arquibancada. Saudade dos antigos carnavais.

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