Fechando o ano, a coluna do advogado Walter Monteiro disserta sobre o recente aumento do IOF para os cartões de crédito pré pagos.

A Revolta dos Endinheirados

Até a Zero Hora, minha fonte primária de informação, por madrugar embaixo do meu tapete e se caracterizar por um tom menos panfletário do que o Globo ou os jornais paulistas, se rendeu ao pessimismo e estampou na capa: viagens ao exterior ficam mais caras!

Lendo a matéria, dava para descobrir que, na verdade, uma medida igualava a tributação do IOF para os cartões de débito pré-pagos ao que já era cobrado dos cartões de crédito, ou seja, 6,38% (até agora os pré-pagos cartões eram onerados em apenas 0,38%).

Nem dei muita bola, porque não tenho viagem marcada. E imaginei que o mancheteiro da Zero Hora escolheu esse tema apenas por absoluta falta de notícia nesse fim de ano, já que quase ninguém que conheço adota esses cartões pré-pagos como meio preferencial de pagamento – a turma gosta mesmo é de dinheiro vivo ou de cartão de crédito, principalmente este, que acumula milhas para trocar por passagens aéreas, facilitando as próximas férias.

Meu Deus, como eu estava errado. Abri o computador e encontrei uma legião de revoltados, praguejando contra essa sanha arrecadatória desse governo maldito, que suga nossos minguados centavos sem nunca nos dar nada em troca. Já não bastasse o IPTU, o IPVA e o IR, ainda mais essa agora, o IOF de um cartão que ninguém tem e nem pretendia ter, mas que vai de alguma forma encarecer as férias, nem que seja pressionando o câmbio turismo – como de fato aconteceu, elevando-o para R$ 2,57, número que servirá de referência para todas as contas que farei adiante.

O fascínio dos brasileiros pelas coisas do além-mar é de fato intrigante. Desde que Cabral pisou nessas terras, espelhinhos e apitos vindos da Europa deslumbram os nativos. E nos faz cegar sobre coisas tão óbvias, tão explicitamente exibidas bem na nossa frente, capazes de enganar até mesmo observadores mais astutos.

Já toquei nesse tema certa vez aqui mesmo no Ouro de Tolo, quando a VEJA exaltava as maravilhas das compras no exterior, mas a revolta dos endinheirados com essa filigrana do IOF renova a oportunidade. Entendam, por favor e de uma vez por todas: as coisas no Brasil NÃO SÃO MUITO MAIS CARAS DO QUE NO EXTERIOR. Assim mesmo, em caixa alta, que é para ver se todo mundo entende.

Os americanos, sabiamente, em seus relatórios de vendas, dividem o mundo em duas partes: US Market and Non US Market. Nada pode ser mais próximo da realidade quando se observa o comportamento dos preços. Itens de consumo mais corriqueiros nos EUA são muito mais baratos do que no resto do mundo. Não me perguntem a razão, não sou especialista, nem pretendo ser.

No auge dos muitos debates que travei, me dispus a comparar o preço de um item específico, um tênis de corrida, Asics Kayano 19, escolhido aleatoriamente. Ele custa R$ 310,00 nos EUA e R$ 600,00 no Brasil. Metade do preço. Ponto para os americanófilos.

Mas o preço brasileiro é o, digamos, nominal, porque para nós o tênis é vendido em 12 vezes “sem juros”. Como qualquer pessoa sabe, não existe nada que possa ser parcelado em 12 meses sem que os juros estejam embutidos. Se eles forem módicos 2% ao mês, o “valor presente” do tênis é de R$ 528,00. Muito alto ainda?

Não se a comparação for com a Inglaterra. Lá o tênis custa R$ 481,00. Para os ingleses – porque os brasileiros vão ter que adicionar o amaldiçoado IOF, elevando o preço final para R$ 512,00, praticamente igualando o valor de quem vai comprar o tênis (ideal para pisadas pronadas) em suaves prestações mensais.

Em produtos de ponta, a conta é mais ou menos essa, em quase todos os cenários: muito mais barato nos EUA, mais ou menos parecido nos outros países. Dá para concluir que o ponto fora da curva, nesse caso, são justamente os Estados Unidos, não nós.

E mesmo assim para quem quiser fazer a comparação exata de um produto específico. Porque nada pode ser mais falacioso do que a impressão de que “roupa” é muito mais barata nos EUA do que no Brasil.

Aproveitando o recesso forense de fim de ano e a ilustre presença de minha filha adolescente, fui passear no shopping center aqui em Porto Alegre e conferir alguns preços.  Só procurei mercadoria “de qualidade” por um critério infalível: coisas que eu usaria com prazer e me sentiria bem vestido com elas. Segue a tabela, dolarizada e sem os centavos:

ITEM VALOR
Camiseta (“Tees”, como eles dizem) US$ 11.00
Jeans US$ 31.00
Camisa Social (100% algodão) US$ 42.00
Calça Social (“alfaitaria”) US$ 42.00
Camisa Polo US$ 16.00

Todos esses preços são absolutamente semelhantes aos praticados nos EUA, rigorosamente todos, convenhamos. A diferença é que estão ao alcance de qualquer um, do porteiro do seu prédio ao seu cunhado milionário. E talvez seja por isso que a gente não dá tanto valor a eles, porque, diferentemente dos EUA e da Europa, por aqui a turma que um dia foi da Casa Grande não gosta de se vestir igual a turma que antes estava na Senzala. Ainda quero entender a razão da relativa exclusividade de poder exibir uma camiseta que custa US$ 15,00, mas está escrito Aeropostale, ter um valor intangível para a brasileirada.

Lógico que existem coisas bem mais caras no Brasil. Mas vejam que também não estou falando de comércio popular. Estou falando de lojas de shopping center, lojas com algum estilo, lojas que vendem roupas para a nossa classe média. E que estão, na nossa escala de valores, no mesmo ponto que a Aeropostale, a Abercrombie, a JC Penney e a Calvin Klein estão na escala de valores dos americanos.  A quem interessar possa, a camiseta é da Hering, a polo é da TNG, a camisa e a calça social são da Luigi Bertolli e o jeans é da Renner (que durante anos foi controlada justamente pela JC Penney).

A sensação dos brasileiros viajantes em relação à “economia” que fazem em suas compras no exterior é muito parecida com a dos jogadores compulsivos: lembram-se apenas das pequenas vitórias contra a banca, esquecendo-se facilmente das derrotas – essas expressadas pelo alto preço das refeições e serviços em geral.

Exceto em condições muito específicas e planejadas, fazer compras no exterior não é econômico e nem saudável. Nada é mais vergonhoso do que embarcar com dezenas de malas, lotadas de coisas cujos similares brasileiros custam mais ou menos o mesmo.  Apesar disso, a febre de compras no exterior vem crescendo de forma assustadora.

Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, dificilmente o país rompia a barreira dos gastos anuais de US$ 5 bilhões. Até 2006 era assim. Pois bem, apenas no mês de outubro passado, mesmo com toda a alta do dólar, os brasileiros gastaram US$ 2,3 bilhões, queimando em 1 único mês aquilo que estávamos acostumados a gastar em 1 ano. Provavelmente fecharemos o ano gastando mais de US$ 25 bilhões.

25 bilhões de dólares é o PIB da Bolívia! O Brasil está gastando nas suas férias o equivalente de todo o valor que 10,5 milhões de bolivianos conseguem produzir em 1 ano inteiro, com gás natural e tudo. E o mais chocante é que em 2009, meros 5 anos atrás, esses gastos eram de US$ 10 bilhões. Mais do que dobramos essa farra em tão pouco tempo.

Aproveitando que a mudança de ano sempre nos convida a refletir e fazer promessas, que tal, coletivamente, a sociedade brasileira passar a entender que não existe uma diferença mensurável entre uma camisa feita no Brasil e outra em El Salvador (mas etiquetada em Miami) e reduzir o excesso de bagagem nas próximas férias?

Não é só por pela pieguice de dizer que a indústria e os trabalhadores , brasileiros agradecem – o que não deixa de ser verdade.

Mas é para deixarmos de ser motivo de chacota e espanto de outros povos, que não conseguem disfarçar o desconforto diante da fúria consumista dos brasileiros no exterior, que se comportam em frente às gôndolas como uma horda de famélicos diante de um banquete, dando a falsa impressão de que por aqui não se encontram à venda itens de necessidade básica.

Uma Bolívia inteira queimada nas férias….e ainda tem quem diga que o Brasil está em mini crise.

Feliz 2014, moçada. Com mais Hering e menos Aeropostale!