Em edição extraordinária a coluna do advogado Rodrigo Salomão trata da recente polêmica envolvendo o preço dos ingressos para a final da Copa do Brasil.

Se tiver tempo irei escrever algumas linhas sobre o assunto posteriormente, mas embora seja crítico feroz da política de preços de ingressos da diretoria rubro negra penso que neste caso o valor reflete a intensa demanda pelos bilhetes.

Flamengo vs Procon

Diante de tanto burburinho e tanta falação em torno do tema, o editor do Ouro de Tolo, Pedro Migão, veio me sugerir que escrevesse em relação ao assunto que tomou conta dos noticiários e redes sociais na última semana: a questão dos ingressos da final da Copa do Brasil envolvendo Flamengo e Atlético-PR.

O pedido em especial se deu principalmente após o PROCON entrar requerendo a tutela antecipatória (a famosa “liminar”) para tentar, junto ao Poder Judiciário, reduzir o valor mínimo de R$ 250,00 que a diretoria flamenguista estipulou.

É importante estabelecer algumas diferenças conceituais que, acho, ajudarão a compreender melhor os argumentos e exatamente o que é que está em jogo. Fundamental compreender, portanto, que o mérito do valor do ingresso não é o foco da minha abordagem aqui.

Primeiro de tudo, o que é o PROCON?

Basicamente, trata-se de uma fundação, que existe em muitos estados e municípios do Brasil, que detém personalidade jurídica de direito público. Segundo suas diretrizes, o objetivo de sua existência é elaborar e executar a política estadual de proteção e defesa do consumidor.

Particularmente, considero o valor excessivo, mas a ideia do artigo extra é outra. É entender se o PROCON tem ou não tem legitimidade para fazer o que fez.

Se cobrar esse preço valoriza a marca, se vai manter esse ou aquele jogador, se vai servir de “empréstimo compulsório” para pagar dívidas de gestões anteriores ou se vai levantar algum programa de sócio-torcedor, isso tudo não interessa aqui. O ponto é: houve indício de cobrança abusiva para esse rebuliço?

Em minha opinião, sim. Há o indício de reajuste excessivo. Portanto, para mim, o PROCON possui legitimidade para pleitear. Muito se falou em querer aparecer à custa do Flamengo, muito se disse também sobre a não regulação de valores de outras áreas e assim por diante.

Se alguém do PROCON tentou aparecer ou fez isso só pelos holofotes, eu não posso afirmar. Não sei, de fato. Porém, o que sei é que a sua atuação (já prevista em 1990, pelo Código de Defesa do Consumidor) foi devidamente regulamentada aqui no estado do Rio de Janeiro através da Lei nº 5.738/2010, o que já traz maior clareza nas atribuições do órgão.

A lei em questão, em linhas gerais, diz que o PROCON tem como uma das suas atribuições “receber, analisar, avaliar e apurar consultas e denúncias apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado ou por consumidores individuais”. Isto é, já de cara (o que eu trouxe aqui foi um dos incisos do art. 4º da tal lei), fica claro que, no mínimo, o órgão possui o respaldo legal para agir quando julgar necessário.

Muito se falou que o PROCON não teve essa ânsia toda para correr atrás de preços de passagens aéreas, de telefonia e planos de saúde, dentre outros aspectos. Com todo respeito a quem alega isso, não se trata de argumentos, mas sim daquilo que chamamos de “cortina de fumaça”. Apontar o dedo para o lado e falar “professora, o Joãozinho também está fazendo bagunça, dá zero pra ele também!” não apaga o que você fez. Só desvia o foco. Além do mais, a ANAC existe para isso. A ANS também, assim como a ANATEL. Existem atribuições especiais desses ramos: o PROCON seria a última tentativa de mudar algo.

Em especial, posso falar dessas atuações de órgãos públicos em situações envolvendo companhias privadas. Certa vez, ainda na faculdade de Direito na Unirio, tive a oportunidade de participar de um grupo de alunos que, liderado por um professor da instituição, iria demandar em juízo contra a Opportrans e a AGETRANSP. Isso ocorreria em virtude de uma série de medidas que o Metrô Rio tomou à época quanto à cobrança de preços pré-pagos. Por se tratar de uma universidade federal, havia previsão similar ao que o PROCON possui, no que diz respeito à atuação que vise o interesse público.

Foi feita uma extensa pesquisa e a petição inicial ficou primorosamente completa. Foram utilizados métodos de comparação com outros valores, em outros estados e até outros países, um gráfico com reajustes anuais e toda a argumentação para que nós, na Unirio, tivéssemos a legitimidade para entrar em juízo. Naquela ocasião, muito prontamente, aliás, a Promotoria que defende os direitos do consumidor nos enviou fartas informações a respeito de um processo deles equivalente, porém contra as Barcas S/A.

Resultado da nossa ação: nenhum. Por uma decisão política interna da universidade, não pudemos ir à frente. Mas fico me perguntando se fizéssemos aquilo na época. Será que considerariam que nossa intenção era a de aparecer à custa de um grande ente privado quando na verdade só estávamos dispostos a acabar com algumas aberrações?

O ponto a que quero chegar, por fim, é que se o PROCON não se manifestasse, muita gente (eu, inclusive) acharia que ele foi inerte, omisso. Afinal, para que serve a sua existência se não para levantar-se contra possíveis injustiças consumeristas? O consumidor, via de regra, é o lado fraco da relação. Não é ele quem estabelece preços, é apenas o que fica sujeito à questionável lei “da oferta e da procura”.

Uma decisão envolvendo o clube mais popular do Brasil não é suficiente para justificar a sua atuação com “interesse público”? E o aumento de 150% do ingresso mínimo em relação à fase anterior? A meu ver, são ótimos motivos para, no mínimo, o PROCON se mexer.

Foi o que ele fez. Ao que parece, o Poder Judiciário não vai acatar os seus argumentos (como falei, não entrarei no mérito do aumento), mas não o fez porque acredita que não houve conduta abusiva por parte do Flamengo, não porque não há legitimidade do órgão em si. São motivos diferentes, é bom pontuar.

Portanto, com teorias e doutrinas para todos os lados, o fato é que, para mim, existe previsão legal para a atuação do PROCON em casos como esse que acabamos de falar. Mas é aquilo: no direito, não tem certo ou errado. Só tem o depende. Depende de quem lê a lei, de quem a aplica e de quem a cumpre (ou descumpre). O CDC fala que é prática abusiva elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. A causa do aumento do Flamengo é justa? Tem amparo em situações semelhantes? Depende.

O PROCON achou que não. Faz parte do jogo. É o preço que se paga por termos órgãos com esse propósito e leis que protegem consumidores. Aí sim: um bom preço.

(Imagem: Lancenet)

One Reply to “O Povo no Blog: “Flamengo vs Procon””

  1. O ingresso do futebol está caro? Não pague. É tão difícil assim?

    Precisa do Procon-babá, do Estado-babá, do MP-babaca intervir nos preços?

    Neste caso o consumidor não é a parte fraca: se ele se recusar a consumir, o preço vai cair.

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