Nesta terça-feira, a coluna do advogado Rodrigo Salomão nos passa informações sobre uma questão bastante corriqueira na nossa sociedade: mas e se perdermos a chamada comanda num bar ou restaurante?

Comanda Perdida

Quem é que nunca comeu na rua, naqueles restaurantes self-service? E a uma boate, quem nunca foi? Um barzinho com música? Difícil conhecer alguém que jamais tenha frequentado algum desses lugares. E, mais difícil ainda, é engolir o que quase a totalidade dos estabelecimentos diz sobre aquele papelzinho que vai gerar a sua conta: a comanda.

Não raramente, nos deparamos com dizeres do tipo: “caso esta comanda seja perdida, você terá que pagar R$ 1 milhão em barras de ouro”. Exageros à parte, a bem da verdade, seja R$ 1 milhão ou o valor correspondente a 10 kg, esta situação é flagrantemente abusiva, pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso porque, não há qualquer lei brasileira que obrigue quem perdeu a comanda a pagar uma quantia a título de multa ou taxa. Beira ao que chamamos de extorsão.

Poucas pessoas no Brasil sabem disso, mesmo porque quase não há muita divulgação sobre o assunto na mídia, o que é muito equivocado. Afinal, como já dito lá em cima, trata-se de uma situação extremamente corriqueira, não apenas correr o risco de perder a comanda, como também se deparar com essa “multa” que os bares e restaurantes tentam te impor.

Esse tipo de conduta dos estabelecimentos consiste em grave violação aos direitos básicos do consumidor, numa tentativa de coagi-lo, muitas vezes com força (tanto no sentido figurado como literal) desproporcional, cobrando de maneira indevida valores que o indivíduo não consumiu. Há relatos, inclusive, de que alguns lugares incorrem na prática de crimes como constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal) e cárcere privado (art. 148 do Código Penal).

Os fundamentos para considerar ilegal são vários. Podem ser encontrados tanto no CDC como na própria Constituição Federal, a Lei Maior do nosso país. A título de exemplo, podemos citar o inciso LIV (se lê “54”, em algarismos romanos) do artigo 5º, que diz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Eis uma frase para início de conversa. Há outras previsões legais ainda mais concretas e específicas ao caso, o que veremos adiante, analisando o Código de Defesa do Consumidor. O mais importante, de início, é compreender que a relação existente entre o consumidor e esses estabelecimentos é a de um contrato.

A ideia básica, sobre a perda das comandas ou algo similar, é pautada no fato de que a legislação consumerista é expressa no sentido de atribuir a responsabilidade pelo controle do que foi consumido no estabelecimento ao próprio estabelecimento. Cabe a ele e somente ele controlar todos os itens consumidos pelos seus fregueses. Desta maneira, se o cliente extraviar a comanda, não deve ser punido com o pagamento da multa. A lógica é simples e absolutamente coerente.

Mesmo porque, conforme dissemos anteriormente, o CDC prevê, com exatidão, a impossibilidade de condutas deste tipo. Afirma o artigo 39, desta lei: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”. Ainda no próprio Código, no artigo 51, temos um trecho que prevê que são nulas cláusulas (ou seja: situações contratuais de consumo) que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Imaginando que já tenham entendido todos os fundamentos nos quais nós, consumidores, podemos nos pautar em casos desse tipo, você deve estar se perguntando: “Ok, Rodrigo, mas e aí? O que fazer quando isso ocorrer?”. Muito simples. O primeiro passo é recusar-se a pagar tal multa pela perda da sua comanda e só pagar o que efetivamente consumiu.

Vale lembrar: a sua palavra vale mais do que a do gerente do estabelecimento, que tem a obrigação funcional de ter um sistema de controle de consumo mais eficiente. Portanto, é importante destacar que esse tipo de situação não é para que você burle o sistema e perca a comanda de propósito. O princípio básico aqui é ter a verdade e a razão do seu lado, para poder se pautar.

Em casos mais graves, como quando ocorrem crimes contra a liberdade individual, o consumidor tem que ser inflexível: discar 190, chamar a polícia no ato e registrar queixa contra seus ofensores.

Se cada um de nós começar a proceder dessa forma, pode ser que um dia os bares e restaurantes compreendam que perder um cliente fiel é muito mais prejudicial a ele do que uma simples comanda.