Já abordei este assunto pelo menos em três ocasiões neste blog, mas matéria ontem publicada no site iG nos ajuda a entender o porquê da oposição ferrenha e cerrada de setores mais abastados não somente ao ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva como ao projeto de poder atualmente instalado em Brasília.

Resumidamente a matéria dizia que setores das Classes A e B, em pesquisa realizada recentemente, reclamavam da perda da exclusividade de que desfrutavam. Dois bons exemplos são o recente “iPhone para pobres” – que, pelo preço, não tem nada de pobre, mas esta é outra história – e o fato da Classe C estar tendo acesso a viagens de avião. Nas palavras de um entrevistado da pesquisa:

– “Empresas como a CVC acabaram com a nossa boa vida. Viajar de avião não é mais classe A”.

Este exemplo não é muito diferente do que ouço em conversas durante eventos no colégio das minhas filhas, que não é Classe A mas que é de classe média alta. Ou do que apareceu aqui mesmo neste blog em posts do ano passado, antes da proibição de comentários anônimos.

A matéria também traz um dado interessante e que explica muito deste comportamento: nos últimos dez anos a renda média das classes C, D e E cresceu três vezes mais que a renda das classes A e B nos últimos dez anos – ou seja, no governo do PT.

De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), nos últimos dez anos os salários dos 20% mais pobres no Brasil cresceram 6,3% ao ano, ao contrario que a renda dos 10% mais ricos subiu apenas 1,7%. Como resultado, o Coeficiente de Gini (índice que mede a concentração de renda e a desigualdade de uma sociedade) caiu de 0,58 em 2002 para 0,52 em 2011 – quanto menor o número, menos desigual é uma sociedade. Ainda é um número alto, mas o avanço é visível.

Ou seja, não é mais “exclusividade” pertencer a esta classe A ou B e, além disso, aqueles que ascendem socialmente não tomam este modelo excludente como seu. A lógica dos “ex-Classe C” que passam a fazer parte dos extratos A e B é incluir, não excluir. A lógica é diferente.

Outro fator que explica a raiva desta “velha elite” com esta situação é que serviços como o de empregadas domésticas e cabeleireiros, entre outros, ficaram mais caros a estas classes. Ainda mais depois da lei que regulamentou o trabalho doméstico, este tipo de profissional deixou de ser uma mucama (semi-escrava) para ter os mesmos direitos e deveres dos profissionais regidos pela CLT.

É um movimento duplo: o ganho de renda das “velhas” classes A e B foi menor que o das classes mais pobres e o custo de vida destas mesmas aumentos por causa do custo dos serviços. Obviamente, culpa do Lula e “destes mensaleiros do PT”.

Na visão destas classes Lula é o grande culpado por este sentimento de perda de exclusividade, por ter dividido, ainda que pouco, com os mais pobres a riqueza nacional. Além disso o fato do ex-Presidente ter uma origem humilde é considerada uma afronta por esta elite, na linha “quem ele pensa que é”.

Penso que vem muito deste sentimento a campanha ferrenha e irracional que estes setores – e a grande imprensa, representante destes – fazem contra o governo. Obviamente há aí também um componente ideológico, mas o que move estes setores a exigirem que se deponha o governo “no voto ou na marra” é este sentimento de classe e de perda da exclusividade.

Para esta elite, não está certo todos ganharem: o correto é voltar à “velha ordem” onde somente eles ganham e o resto que viva de migalhas – na miséria mesmo. O sonho é derrubar todas as conquistas alcançadas na última década, acabar com todos os programas sociais, limitar o acesso a universidades e, se possível, congelar os salários indefinidamente – isso se não puder reduzi-los.

Não surpreende, ora, as declarações de economistas ligados à oposição nos últimos tempos dando como receita ideal para a economia brasileira a redução de salários e demissões em massa. Grosso modo, foi o que se fez na Europa – e a crise econômica vivida atualmente mostra como esta política econômica se mostrou equivocada.

Por outro lado, o Governo precisa entender que não adianta manter esta estratégia de contemporização com esta elite, bem como a imprensa. Para estes setores não há acordo que não seja a remoção do projeto político e a volta aos gloriosos tempos de 2002, com 17% de desemprego e 12% de inflação.

Concentrar verbas publicitárias nestes veículos de imprensa só aumenta o calibre da campanha “no voto ou na marra” empreendida por estes setores. Voltarei ao tema em outro artigo, mas além de ser ruim a comunicação do Governo federal precisa ser repensada.

No fundo o que prega esta elite é que os pobres “sejam colocados em seus lugares”. Por mais cruel que isso possa parecer, a lógica é esta, calcada em um profundo e arraigado egoísmo. Lula, sua origem operária e o governo do PT são vistos como o obstáculo a isso.

Que fique claro que não estou endeusando o governo, que possui diversos problemas – alguns sérios. Mas a campanha contra o governo e o clamor pela volta da oposição ao poder tem como mote principal este sentimento de classe e de exclusividade – além de fatores ideológicos.

É a raiva do Presidente operário que não passa…

P.S. – Voltarei ao tema, mas fico espantado quando vejo setores de elite e incautos bem intencionados defendendo a viabilidade da candidatura de Marina Silva. Ela mistura um liberalismo radical na economia com um conservadorismo pentecostal na sociedade – ou seja, o pior dos mundos.