Nesta quinta feira, a coluna “Kritizismus”, do administrador Jorge Farah, dá a sua visão sobre as recentes manifestações de rua ocorridas no Brasil.

O Gigante Acordou. E Agora?

#oGIGANTEacordou

O povo foi às ruas. Aquele sentimento reprimido, a raiva com a situação do dia-a-dia do país, o descontentamento com a classe política, a repulsa pelo superfaturamento das obras e pelo descaso com a população e tantas outras coisas vieram à tona. A panela de pressão explodiu!

“Chega!” “Basta!” “Cansei!”

Gritos de protesto feitos de forma coletiva! As reclamações virtuais se transformaram em enormes passeatas reais. Multidões ocuparam espaços públicos. Cenas emocionantes! Imagens lindas de grandes avenidas e do Congresso Nacional ocupadas pelo povo. Tudo que sempre sonhamos estava finalmente acontecendo. A população estava exigindo ser bem tratada, respeitada, clamando por um país mais digno, feito para todos! Com o movimento, a esperança de que ele represente o fim da nossa letargia. Que todos compreendam que não adianta delegar representação e depois não cobrar. O Gigante saiu de sua hibernação. A inércia chegou ao fim!

Pois esse Gigante acordado surpreendeu o mundo e deixou perplexa nossa mal acostumada classe política. Todos sabem, agora, que não é por vinte centavos. Mesmo assim, a redução no preço das passagens possui importante efeito simbólico e pedagógico. Governar é estabelecer prioridades, cuja definição pertence ao povo. O cliente, aquele que paga as contas, tem sempre a razão. Os atos nas ruas também obrigaram a Presidente da República a mostrar sua cara, se pronunciar e convocar reuniões com assessores, governadores e prefeitos. Não é pouca coisa. São grandes conquistas iniciais para uma população sem costume de usar o poder que dela é emanado.

 protestos

No entanto, o povo como um movimento de massa é bastante suscetível aos apelos emocionais. Ainda mais em estado de revolta. Por isto, alguns fatores ganham uma amplitude que jamais teriam e distorcem o debate. Causas corporativas acabam adquirindo inesperado destaque e atrapalham mais do que ajudam. Falsas dicotomias são criadas sem necessidade.  Como já escrevi aqui, eventos esportivos e gastos sociais não são necessariamente antagônicos, podendo se tornar, por meio de uma gestão eficaz, complementares.

Além disto, no meio das manifestações, onde a imensa maioria dos presentes é pacífica, têm ocorrido atos de violência, que são amplificados por determinados órgãos de imprensa, que concentram neles os seus noticiários. Isso acarreta uma sensação de insegurança e traz prejuízos. Funcionários são liberados mais cedo. Reuniões de negócios são adiadas. Recursos são despendidos em grades e tapumes.

O custo fatalmente acabará sendo pago pelos consumidores, uma vez que grandes empresas irão repassá-los. A sociedade também arcará com a reforma do patrimônio público depredado. Já os pequenos comerciantes talvez não suportem os roubos. A centralização de policiais nos locais das manifestações deixa outras áreas vulneráveis à ação de bandidos. Pais poderão ficar preocupados com seus filhos. Além disso, estamos vivenciando uma crise econômica onde um dos causadores é a falta de confiança, que inibe investimentos, afugenta o capital e traz inflação. A instabilidade política deve acentuá-la, pressionando ainda mais os preços.

Aí começariam os clamores por ordem, que são perigosos porque costumam serem respondidos por meio do uso da força e da repressão, gerando mais violência e aumentando o pânico em um preocupante ciclo vicioso. A história é repleta de exemplos de que o fim costuma ser o endurecimento do governo ou a sua ruptura. O fantasma do golpe voltaria a assustar.

Não se pode afirmar que a violência é um efeito colateral inevitável de grandes manifestações. Não me recordo de ter acontecido o mesmo nas últimas grandes manifestações populares que presenciei: “Diretas Já!” e “Fora Collor!”. No entanto, ocorreram em outras épocas de triste lembrança. Tudo isso me leva a acreditar que o vandalismo possa ser fruto de ações premeditadas – o que agrava o perigo.

Portanto, continuar nas ruas traz mais riscos do que possibilidade de retorno, uma vez que o recado já foi dado. Não há motivos para prolongar os indesejáveis efeitos colaterais das passeatas. A continuidade também pode banalizar o movimento. Cabe aos políticos compreender não a literalidade dos pedidos, mas as suas motivações.  Na realidade, estamos reclamando da precariedade e da ineficiência dos serviços públicos e privados e do tratamento indigno ofertado à população.

Assim, entendo ser o momento de canalizar a energia positiva dos protestos para ações concretas que efetivamente nos possibilitem caminhar em busca de soluções adequadas. Manifestações populares são sempre benquistas.  No entanto, devem ser exceção e não a regra. O conhecimento é fruto do interesse. Podemos conseguir um país melhor. A semente foi lançada. A terra, adubada. Porém, há um limite. Adubo em demasia sufoca a planta e ela não floresce. É preciso regar e cuidar.

Sugiro agendamento dos eventos em espaços públicos para ocasionais dias de domingo, a fim de manter a mobilização, sem causar maiores transtornos e prejuízos.  Também é necessário escolher representantes de diversos grupos, cada um de acordo com sua especialidade, para participação em audiências públicas no Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores.

#oGIGANTEacordou! Agora é preciso que pare de rugir, colocando seus representantes para trabalhar, definindo as diretrizes, fiscalizando e controlando, a fim de construir um país mais justo. Por fim, sonho que o povo passe a usar a favor da integridade, da educação e da saúde a sua principal arma: o voto.

“É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade.”

(Immanuel Kant, o pai da filosofia crítica, o Kritizismus)

Educação é via de mão dupla. Vamos ao debate! Exerça o direito ao contraditório nos comentários.

Até a próxima,

Jorge E F Farah (JEFF)

4 Replies to “Kritizismus – “O Gigante Acordou. E Agora?””

  1. Concordo integralmente. Há um risco grande de banalizar caso continue. ALém disso o caos em Brasilia, Vitória e BH, ocorridos no dia do jogo Brasil X uruguai, mostram claramente que está na hora de um freio.

  2. Jorge, você disse o que penso, em suas palavras a lucidez impera. Sou seu leitor assíduo. Parabens.

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