Nesta sexta, a coluna “Sabinadas”, do jornalista Fred Sabino, relembra os 20 anos daquela que muitos especialistas consideram a maior corrida da carreira de Ayrton Senna: Donington Park, 1993.

O maior momento de Senna

Ontem completou-se o vigésimo aniversário de uma das maiores atuações de um piloto na história do automobilismo. Naquele 11 de abril de 1993, Ayrton Senna vencia o Grande Prêmio da Europa, no circuito inglês de Donington Park, com ingredientes que pouquíssimas vezes vimos no esporte a motor.

Para relembrar esse dia histórico, vale voltar ainda mais no tempo. Foi justamente em Donington, em 19 de julho de 1983, que Senna testou pela primeira vez um carro de Fórmula 1 (abaixo). Foi Frank Williams quem o convidou. E Senna já barbarizou.

Em uma época em que não limitavam os carros nos testes, Ayrton quebrou o recorde da pista para carros com motores aspirados – foi mais veloz do que os pilotos titulares da Williams na época, o então campeão mundial Keke Rosberg e Jacques Laffite, dono de sete vitórias na carreira.

 Ayrton Senna em Donington, 1983

Antes disso ainda, entre as temporadas de 1981 e 1983, Senna venceu dezenas de corridas em Donington pelos campeonatos da Fórmula Ford 1600, Fórmula Ford 2000 e Fórmula 3 Inglesa, todos conquistados por ele com até então uma inédita supremacia sobre os demais pilotos.

Com Senna já consagrado e tricampeão do mundo, a Federação Internacional de Automobilismo tapou o buraco deixado pelo GP do México com a recriação do GP da Europa. Surpreendeu, no entanto, a escolha de Donington, um circuito até acanhado e sem pontos claros de ultrapassagem, usado apenas pelas categorias de base britânicas – no tempo em que Ayrton corria lá, o traçado era ainda mais curto e foi necessária uma reforma para deixá-lo com quatro quilômetros.

De qualquer forma, Donington seria palco da terceira prova daquele Mundial de 1993, no qual Alain Prost e seu Williams com suspensão ativa, freio ABS, controle de tração e motor Renault de dez cilindros era favoritíssimo ante Ayrton Senna e seu McLaren com eletrônica atrasada e propulsor Ford de oito cilindros.

Na primeira, na África do Sul, Senna liderou no começo, tentou segurar o ataque de Prost o quanto pôde e terminou em segundo. Em Interlagos, Prost se atrapalhou na chuva e Senna venceu brilhantemente, com direito a drible em Damon Hill na disputa pela liderança. Ou seja, mesmo com o favoritismo de Prost, Senna vivia momento excepcional.

A aposta de Ayrton para derrotar Prost era a chuva. Primeiro porque a vantagem técnica do conjunto Williams-Renault seria reduzida. E segundo porque Senna historicamente guiava muito mais do que Prost em condições adversas. Na sexta-feira choveu e Senna se deu bem, mas no segundo treino de classificação fez sol e Prost fez a pole com facilidade, com Senna só em quarto.

Mas aí choveu no domingo. Choveram, melhor dizendo. Choveram coragem, habilidade, inteligência…

Senna não pulou bem e caiu para quinto, ultrapassado pelo então promissor Karl Wendlinger, que no ano seguinte sobreviveria a um gravíssimo acidente em Mônaco – mas nunca mais seria o mesmo. No ganho de velocidade, tentou passar Michael Schumacher, mas levou uma fechada com o ‘selo Schumi de qualidade’. Ayrton chegou a colocar as rodas esquerdas na (extremamente escorregadia) faixa demarcatória da saída dos boxes, mas não só evitou a rodada, como deu uma guinada na direção e passou Schumacher por dentro.

A vítima seguinte seria Wendlinger. Senna fez a longa curva à esquerda por fora numa velocidade muito acima dos demais e despachou o austríaco na curva seguinte, por dentro. Logo na saída desta curva de noventa graus à direita, Ayrton já começou a encostar em Damon Hill. A segunda posição veio pouco depois, com Senna mais uma vez retardando a freada.

Faltava Alain Prost, que por incrível que pareça havia largado bem e tinha boa vantagem. Mas nem mesmo o francês, que tanto conhecia as habilidades de Ayrton, esperava ser alcançado com tanta facilidade. Ultrapassagem clássica, por dentro, sem que Prost pudesse evitar.

Senna havia conseguido, portanto, pular de quinto para primeiro em menos de uma volta, quando todos os pilotos tinham carros com pneus frios, freios gelados e tanque de gasolina cheios. E na pista molhada. O circuito apertado e teoricamente sem pontos de ultrapassagem se transformara no palco do maior momento de Ayrton.

Se bem que na verdade o show continuaria, em uma pista que molhava e secava várias vezes na corrida. Mesmo com uma falha num dos quatro pit stops da McLaren, Senna abriu uma volta sobre todos os adversários – um deles, aliás, era Rubens Barrichello, que na sua terceira corrida na F-1, pulara de 12º para quarto na primeira volta e andara em segundo por algumas voltas até abandonar em terceiro com falha na bomba de gasolina de seu Jordan. E isso, guiando em alguns momentos da prova com pneus slicks na pista úmida, para evitar a perda de tempo de um pit stop, que na época era mais demorado.

No fim, Senna se deu ao luxo até de permitir ao segundo colocado Damon Hill que tirasse a volta. Mas isso era o de menos. Senna encantou o mundo como já tinha feito em outras corridas, ma nunca de uma forma tão eloquente.

– A primeira volta foi um tiro psicológico na concorrência. Todos sabem: os Williams são muito melhores do que os outros carros, que se nivelam um pouco debaixo de chuva. Quando saí dos boxes com slick resolvi puxar o máximo pra garantir uma vitória. Mas eu estava entre a cruz e a espada, porque é preciso tomar cuidado ao dirigir com pneus de pista seca em um asfalto úmido. Por outro lado, se eu diminuísse o ritmo, os pneus perderiam pressão e temperatura. Quanto mais frio, menor a aderência e o carro fica sem estabilidade – explicou Senna.

Pois é isso, Ayrton.

E isso já faz 20 anos… 

One Reply to “Sabinadas – “O maior momento de Senna””

  1. eu acho a atuação do Senna no Japão 88 bem melhor que essa daí … o carro era pior que a Willians e mesmo assim ganhou 5 vezes no ano…
    A eletronica estava atrasada em relação a Willians mas era muito mais carro que 80% do grid.

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