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Na coluna “Orun Ayé” de hoje, o colunista Aloisio Villar faz uma reflexão a partir do gravíssimo acidente ocorrido na última quarta feira. Aliás, eu estava dentro de um dos coletivos da empresa citada no mesmo dia e posso atestar a opinião do colunista sobre os veículos da empresa: são sucatas ambulantes.

Quando os outros somos nós

Na última quarta feira estava assistindo Barcelona x PSG na Globo quando começou a rolar a notícia de que um ônibus caíra de um viaduto no Rio de Janeiro. Claro que imediatamente rolou um espanto e escrevi no twitter “Xi, parece que um ônibus caiu de viaduto”. Mas o maior espanto estava ainda por vir. Quando eu vi aonde foi e com qual ônibus.

O 328, Bananal x Castelo, na saída da Ilha.

É simplesmente o ônibus que mais peguei na vida desde criança caindo de um viaduto onde passei milhares de vezes na vida nesses trinta e seis anos – e quando falo milhares não é exagero.

A primeira preocupação que veio a mente foi se tinha conhecidos. O nervosismo aumentou quando surgiram as notícias de vítimas fatais. Entrei em contato com pessoas que poderiam estar no ônibus e todos estavam bem. Algumas pessoas me procuraram também para ver como eu estava.

Depois de descobrir que aparentemente todas as pessoas mais chegadas estavam bem, vários sentimentos vieram. A revolta por saber que a “Viação Paranapuã” responsável pelo 328 nunca teve os passageiros como prioridade. Se hoje temos essas pragas de vans e kombis espalhadas pela Ilha muito se deve à ineficiência desta companhia, que deixa ônibus caindo aos pedaços, com multas, vistorias vencidas, funcionários mal preparados e falta de segurança circulando pelo bairro.

Empresa que não respeita horários, que some depois de certa hora das ruas deixando a população a mercê da sorte e que agora inventou que o motorista também tem que ser o cobrador, aumentando o nível de stress em cada corrida. E corrida é a palavra certa porque as empresas estipulam horários que fazem motoristas virarem pilotos e isso junto com o mau preparo dos mesmos e o inferno que é nosso trânsito são ingredientes de uma bomba sempre prestes a explodir ou a voar – como ocorreu com o 328.

Vai acontecer algo com a empresa? Acho muito difícil.

Nossos governantes são sócios desse cartel que é formado pelos empresários de ônibus. Essas pessoas mandam e desmandam em nossa cidade e estado. A viação Paranapuã merece faz muito tempo perder a concessão, mas isso nunca foi nem cogitado e nem ocorrerá. Essa tragédia era anunciada infelizmente e na verdade o que causa espanto é a demora para ocorrer.

Provavelmente tudo vai cair nas costas do motorista que será responsabilizado pela velocidade que estava e pela discussão com o passageiro que ainda não sabemos o motivo. Não sei se o passageiro também será responsabilizado ou mesmo identificado. Comprovar sua culpa será mais difícil que a do motorista.

A empresa vai alegar que não tem culpa. Provavelmente terá que pagar uma indenização às famílias das vítimas e pode ocorrer, não acredito, de acabar com a dupla função e recolocar cobradores nos ônibus. Mas acho que a medida mais provável que tomarão será acabar com o número 328 e alterar para outro para assim ninguém embarcar nele e lembrar do ocorrido. Mais ou menos como a viação Tijuquinha fez quando um de seus ônibus pegou fogo e sete pessoas morreram nos anos 90 ou o seqüestro do ônibus 174.

Além dessa revolta vem o sentimento de vulnerabilidade. Vemos tragédias todos os dias ocorrer. Com algumas nos abalamos um pouco, mas depois nossas vidas continuam por termos aquele sentimento que tragédias só ocorrem com os outros, esquecendo que os outros um dia podemos ser nós.

Sensação que aumentou mais ainda quando assistindo o Jornal Nacional vi ser entrevistado um conhecido meu, cavaquinista da União da Ilha que desceu um ponto antes do ônibus cair. Ele podia estar lá. Podia estar morto.

Podia ser ele, podia ser alguém que amo, podia ser o editor que também é insulano, podia ser eu. Como eu já disse cansei de pegar esse ônibus, passar por aquele viaduto. Por quê não podia ser eu? Aí lembro que alguns dias antes um casal de turistas foi seqüestrado em uma van. O homem espancado, a mulher estuprada, outras vítimas desses caras da van apareceram e vejo que nós não temos segurança nenhuma.

Sair de casa hoje é perigoso porque você pode pegar uma van e ser surrado, pegar um ônibus e cair do viaduto. O mundo moderno é louco e legitima cada vez mais as pessoas que adquirem síndrome do pânico e não querem mais sair de casa. O perigo está na esquina, em casa, em todos os lugares.

Resguardando as devidas proporções a Ilha do Governador teve seu dia de Santa Maria. Não foi uma boate Kiss com 241 mortos, mas em cada um desses sete mortos do ônibus morre um pouco de nós, de nossa segurança e principalmente de nossa paz. Paz que por muito tempo não teremos ao sair de nosso bairro e passar por esse viaduto.

E como insulano tenho uma ligação com o 328. Desde meus 9 anos pego ônibus sozinho e sempre com ele. Com esse ônibus fui pra escola e depois faculdade, fui trabalhar, me divertir, resolver assuntos sérios, fui para a Sapucaí ou alguma escola de samba, fui até a rodoviária viajar para encontrar algum amor. Esse ônibus não é um simples ônibus para nós, mesmo com toda a raiva que a população da Ilha tem da viação Paranapuã o 328 é um símbolo pra quem vive ou já viveu aqui. Vi muitos de fora ontem lembrando do tempo que lhe pegavam.

E vê-lo como vi ontem. Com as rodas pro alto, arrebentado, destruído, manchado de sangue e com plásticos pretos ao lado cobrindo corpos. Dói.

É uma pena que a Ilha do Governador só seja lembrada em momentos como um seqüestro nos anos 80 que mobilizou a imprensa e até a ponte do Galeão foi fechada, o estouro do Boqueirão nos anos 90, as ações criminosas ou da polícia (as vezes dá no mesmo) no Dendê ou desfiles da União da Ilha, a única coisa boa daqui que é mostrada pro “continente”.

E uma pena maior é não saber o que nos espera no próximo ponto.

Que Deus conforte as famílias das vítimas e a gente possa prosseguir nossa viagem em paz.

[N.do.E.: em 2010 escrevi post sobre o drama que é o transporte público na Ilha do Governador. Infelizmente, não mudou nada. Pode ser lido aqui.]

3 Replies to “Orun Ayé – “Quando os outros somos nós””

  1. Aloisio,

    o UNIVERSITARIO, que várias testemunhas já disseram que agrediu o motorista e tinha duas passagens pela polícia – por agressão, deveria ser responsabilizado pelo acidente. Lamentavelmente, a Rede Globo exibiu, de maneira irresponsável, várias cenas de motoristas cometendo infrações, no dia seguinte a este CRIME que, insisto, deve ter sido cometido pelo universitário da UFRJ filhinho de papai.

    Espero que as investigações não parem por aí, pois foram 7 vítimas fatais.

    e o Delegado ainda teve a audácia de vir a público dizer que iria indiciar o motorista. Não concordo!

    O motorista poderia até estar tendo uma conduta equivocada, mas o ônibuis só caiu do vaiduto, deu a pirueta e bateu com o teto no chã da Avenida Brasil por culpa de um valente que foi tomar satisfações com o trabalhador. Vários passageiros e testemunhas alegam que a única explicação para a queda foi o motorista ter perdido a direção em função de um soco ou pontapé!

    No mais, belo post! E também desejo muita força para as famílias neste momento tão difícil.

    1. Pior, Gabriel: saiu uma matéria calhorda domingo em O Globo colocando todos os problemas do serviço de ônibus carioca exclusivamente na conta dos motoristas. Inacreditável.

      1. Pois é, Migão… Tá difícil ler/assistir/ouvir algo que venha do conglomerado Globo… rs.

        Alexandre Garcia, na minha visão, é a nata do pensamento Globo. Sem generalizar, mas quase que generalizando…rs.

        Abraços!

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