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Estou para escrever sobre a crise econômica européia há algum tempo, mas sempre faltava tempo para escrever com calma. Contudo, quero abordar neste artigo alguns pontos mais voltados à Ciência Econômica – mas que impactam diretamente o dia a dia das populações.

Ontem o Chipre votaria um pacote econômico que, em resumo, significaria algo semelhante ao confisco monetário feito durante o Governo Collor: uma taxa compulsória sobre depósitos financeiros. Na verdade, algo pior que o ocorrido aqui, onde mal ou bem alguma parte dos valores retidos foi devolvida tempos depois. Lá será confisco puro e simples.

O objetivo é atender às exigências do FMI (Fundo Monetário Internacional) a fim de atender a mais um pacote de ajuda aos bancos locais. O roteiro seguido pelo Chipre é semelhante ao ocorrido em outros países europeus: aumentos de impostos, corte de despesas públicas e de salários, redução de gastos sociais, privatização de tudo o que for possível e coisas correlatas.

As determinações para a concessão de pacotes de ajuda por parte do FMI seguem claramente inspiração na chamada “Teoria Monetarista”, cujo principal formulador foi o economista americano Milton Friedman – autor, aliás, da famosa frase “não existe almoço grátis”.

Simplificando grosseiramente, a teoria diz que o estoque de moeda – ou seja, a quantidade de dinheiro – em uma economia é fixo, ou seja: se houver  “fabricação” de moeda por parte do governo a única consequência é causar inflação. Aumentando impostos e diminuindo a renda disponível para o consumo das famílias, em tese se aumentaria o estoque de moeda disponível para investimento por parte dos capitalistas – o que levaria ao crescimento econômico.

Este receituário monetarista tem sido seguido por todos os países em crise na Europa, com resultados desastrosos em termos econômicos e sociais. Para o leitor ter uma ideia, matéria desta semana da revista Carta Capital informa que Portugal, por exemplo, teve uma queda de 3,2% em seu Produto Interno Bruto em 2012, com 17% de desemprego. O mesmo quadro se repete em países como a Espanha, a Itália e a Grécia.

Por que o receituário econômico não dá certo, então?

Basicamente, por três motivos. O primeiro é que o estoque de moeda retirado da economia via aumentos de impostos, cortes em salários e programas sociais, utilizado para pagar dívidas com bancos, não foi redisponibilizado para novos investimentos, via empréstimos. Ou seja, os valores ou saíram dos espaços nacionais para bancos de outros países ou foram entesourados nos próprios bancos, sendo retirados de circulação na economia. Na prática há a redução do estoque de moeda disponível.

O segundo é que não há confiança dos capitalistas (empresários) em investir em um cenário de crise. A ponderação é de que há o risco de não haver clientes para este aumento de produção de bens e serviços. Além disso, o aumento da taxa de juros constante dos “pacotes” de auxílio aumenta o custo de oportunidade de novos investimentos.

Finalizando, o mais importante: o que chamo de “círculo vicioso” do monetarismo.

Cortando-se salários, programas de auxílio social e gastos governamentais por um lado e aumentando-se impostos de outro, há um movimento duplo de redução da demanda por bens e serviços da economia.

Com isso, o consumo diminui, os produtos encalham, a produção das indústrias diminui e isso leva a cortes de pessoal generalizados. Com isso aumenta o desemprego, o que diminui a demanda da economia e leva a um novo ciclo de cortes de pessoal e aumento de impostos – e assim vai.

É o que estamos observando na prática na Europa: as economias em recessão, com a taxa de desemprego em alta. Com o desmonte da proteção social envolvido nestes pacotes o custo social acaba sendo altíssimo, com miséria e até mesmo fome se espalhando.

Não surpreende, portanto, o avanço de partidos políticos extremistas nas recentes eleições ocorridas em vários países europeus. Também não surpreende a elevação da atratividade de propostas xenófobas e da popularidade de políticos que defendem tais teses – afinal de contas, “os imigrantes estão roubando nossos empregos”.

Também não surpreendem os protestos em cada vez maior número em vários países europeus. O sentimento geral – e, a meu ver, justificado – é que se está levando à ruína sociedades inteiras a fim de resguardar os direitos a receber de alguns poucos bancos. Ou, em linguagem especializada, está havendo transferência de renda do setor produtivo para o setor financeiro – que até agora não teve nenhuma perda.

Apesar do imenso sacrifício que se está impondo à metade da Europa, parece claro que, mais cedo ou mais tarde, algum tipo de reestruturação não somente da dívida com os grandes bancos (especialmente alemães) como do próprio sistema financeiro se fará necessária. A situação está insustentável e o custo social está se tornando proibitivo a olhos vistos – talvez à exceção dos políticos alemães.

O correto a meu ver seria partir para uma solução baseada na teoria keynesiana da Economia: aumentar os gastos sociais, estimular o consumo e a partir daí gerar um círculo virtuoso: o aumento do consumo gera aumento do investimento, que se traduz em aumento do número de empregos e dos salários, consequentemente gerando um novo ciclo virtuoso. Com isso se aumenta a arrecadação de impostos e se consegue amortizar as parcelas da dívida.

Como os países europeus não podem desvalorizar suas moedas por estarem na Zona do Euro, há de se fazer um trabalho minucioso de política monetária a fim de permitir o estímulo à Economia.

Exemplificando, esta foi a política adotada pelo Brasil de 2006 para cá – o que explica estarmos passando de maneira razoavelmente incólume pela atual crise.

Obviamente fiz aqui muitas simplificações, mas a ideia é mostrar o círculo vicioso que estas políticas de ajuste adotadas representam.