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(Foto: Arquivo Pessoal)

Neste Sábado de Aleluia, mais uma edição da coluna de contos do compositor Aloisio Villar, a “Enredo do Meu Samba”

Minha vida, minha escola, meu amor

“Que vaca!!”

Foi meu pensamento logo que acabei de ouvir a história. Meu pai riu e continuei “detonando” a Alice e aproveitando pra falar de todas as mulheres. Evidente que pensava em Bia quando falava mal.

Perguntei o que tinha ocorrido com Benito depois e Manolo mandou que eu perguntasse para o próprio. Lá do alto o dono do bar viu Benito sentado com Tobias, rindo e bebendo cerveja embaixo.

Sem jeito, desci e me apresentei aos dois que me convidaram a sentar. Meu pai, conhecido por todos os sambistas, recebeu toda a honraria da dupla e nos sentamos.

Eu fiquei sem jeito para entrar no assunto, mas Manolo, que fez questão de nos servir pessoalmente, comentou com os amigos que contara uma história deles para que eu colocasse em um livro sobre carnaval.

Curioso, Benito perguntou que história era e totalmente sem jeito falei: “Alice”.

Benito e Tobias riram e eu nada entendi. Benito disse: “que vaca!!”, Tobias emendou com “muito vaca” e eles encheram seus copos e brindaram “Um brinde à vaca!!” Sem entender perguntei o que tinha ocorrido depois do desfile.

Tobias encheu o copo novamente e disse que uma noite ela virou para ele e disse que iria embora, pois se apaixonara por outro homem.

Rindo Benito pediu que ele contasse o pior e Tobias emendou: “chefia, ela teve coragem de dizer na minha cara que era torcedora da Grande Rio!!”.

Benito bebeu um gole e disse “Traição a gente perdoa, mas torcer pra Grande Rio é inadmissível: escola na Baixada só tem uma, a Beija-Flor!!”. Benito falou isso e brindaram novamente, dessa vez em homenagem à Beija-Flor.

Eu, estupefato em ver como estavam bem, perguntei como ficou a vida deles depois de tudo. Tobias comentou que continuava saindo com todas as cabrochas bonitas e Benito casara e estava com quatro filhos. Comentei “que bom” e Benito para comemorar ter seu nome em um livro pediu que Almeidinha trouxesse um tira-gosto.

Ficamos lá bebendo e conversando quando um rapaz se aproximou. Benito pediu que ele se juntasse ao grupo e me apresentou como Carlinhos, compositor da União da Ilha. Apertei sua mão e disse que era um prazer conhecê-lo, pois a União da Ilha era minha escola do coração. Carlinhos se disse feliz com minha revelação e se sentou.

Meu pai perguntou ao rapaz se ele não tinha nenhuma história para o livro e ele pensou. Almeidinha enquanto nos servia perguntou “E a história daquela moça do Pará?”.

 Os olhos de Carlinhos brilharam e ele comentou: “A Rose”, perguntei quem era e se a história era interessante. Almeidinha retrucou que era muito interessante e pediu que ele contasse. A história ocorreu no carnaval do ano passado.

Rose era uma menina do interior do Pará, apaixonada por carnaval. Não conhecia ninguém do mundo do samba, ninguém de sua família era atraído por desfiles de escolas de samba, nem de sua relação de amigos então ninguém sabia o porque dessa menina gostar tanto de escola de samba.

E era louca, apaixonada por uma em especial. A União da Ilha do Governador.

O que deixava tudo mais curioso. A União da Ilha é uma escola querida, de sambas populares, mas não era uma das escolas que sempre disputava títulos. O normal era que torcesse por uma Beija-Flor, Salgueiro, Portela ou Mangueira. Mas não, ela era União da Ilha, do tipo que ficava acordada de madrugada assistindo aos desfiles sozinha pela tv, se emocionando e chorando com a escola.

Aprendia os sambas, sabia de cor todos os mais populares desde “Domingo” passando por “Bom, bonito e barato”, “É hoje”, “O amanhã”, “festa Profana”…

… E sonhava com o dia que conheceria o Rio de Janeiro e iria até a União da Ilha.

Faltando poucos meses para o carnaval Rose decidiu que daquele ano não passava: iria conhecer a União da Ilha. Juntou dinheiro durante esse período e sem contar a ninguém saiu de sua pequena cidade em direção a Belém.

De Belém telefonou para a família dizendo para não se preocuparem porque iria ao Rio de Janeiro conhecer sua paixão. A família em desespero pedia que ela voltasse e Rose apenas disse “a benção”. Foi embora.

Depois de muito viajar chegou ao Rio de Janeiro. Desceu na rodoviária Novo Rio e viu aquela multidão passando para lá e pra cá e se extasiou se sentindo a pessoa mais feliz do mundo. Andou até o lado de fora da rodoviária com a pequena mala e um taxista percebeu que era turista.

O homem se aproximou e disse “turista? Te levo para Copacabana, Ipanema, conhecer o Cristo, é baratinho”. Rose olhando o céu e a noite estrelada respondeu que não queria nada disso: queria conhecer a União da Ilha.

O homem ainda tentou argumentar “União da Ilha? Se quiser te levo no Salgueiro, é baratinha a corrida para lá”. Ela reafirmou que não, queria a União da Ilha.

O taxista comentou que levava e seria barato. Rose aceitou e entrou no carro. Cruzaram a Linha vVermelha e Rose olhava a paisagem imaginando a quadra, as passistas, os cantores, a bateria… Chegaram na porta da quadra e ela estava fechada.

Rose não entendeu e o taxista respondeu “está tarde né minha filha? Hoje não é dia de ensaio,está todo mundo descansando”. Ela desceu e o homem cobrou a corrida, que de barata tinha nada.

Rose não calculara direito o preço das coisas no Rio e só naquela corrida de táxi boa parte de seu dinheiro foi embora. Vendo a rua deserta, a quadra fechada, decidiu ficar por lá mesmo. Colocou a mala em um canto, a cabeça em cima e dormiu ali ao lado do busto de Aroldo Melodia. 

De dia não perceberam a presença da moça. Abriram a porta e começaram a movimentação na quadra como se nada de diferente ocorresse. A movimentação era grande com ritmistas ensaiando, pessoas indo pegar suas fantasias, alas dando os últimos retoques em suas coreografias e em uma parte dos camarotes mulheres se apressavam para terminar as últimas fantasias.

Rose entrou na quadra e seus olhos brilharam. Era um sonho que acontecia.

Viajara muito, imaginara durante anos aquele momento. A quadra era bem maior do que ela imaginava e seu coração acelerou quando via aquelas pessoas andando apressadas de um lado para outro. Uma lágrima correu por sua face: mas era de felicidade.

No camarote das baianas Jurema, nervosa, mandava as outras mulheres se apressarem senão não daria tempo de tudo ficar pronto para o desfile. Perguntou por uma que não vira e outra baiana respondeu que não chegara. Jurema se irritou e gritou “como querem ganhar carnaval se atrasando? Com uma a menos que a gente não consegue mesmo!!”.

Olhou para o lado e viu Rose deslumbrada no meio da quadra olhando a tudo. Gritou “Hei menina!!” Rose olhou e perguntou “é comigo?” e Jurema retrucou “é sim menina, venha cá”.

Nervosa, Rose se aproximou achando que tomaria bronca por ter entrado na quadra e Jurema perguntou: “sabe costurar?” Rose respondeu que sabia, sempre costurava as roupas de seus irmãos. Então Jurema completou “entre aqui, venha nos ajudar”.

Rose não acreditava no que ocorria com ela. Não só conseguira entrar na quadra da União da Ilha como estava com as míticas baianas da agremiação ajudando a acabar suas fantasias. Ficou ali feliz, emocionada o dia inteiro ajudando com afinco.

De noite Jurema disse que por aquele dia estava bom e na manhã seguinte continuariam. Perguntou para Rose se ela poderia e a moça com brilho nos olhos respondeu: “claro”. Na porta da quadra todas se despediram e cada uma foi para um canto. Rose se sentou com a mala no colo e Jurema perguntou se ela não iria pra casa.

Rose respondeu que morava no interior do Pará e tinha vindo ao Rio só para conhecer a União da Ilha e não tinha pra onde ir. Jurema se espantou com aquela história e perguntou se a moça tinha comido algo durante o dia. Ela respondeu que não e Jurema completou “Menina doida…Venha comigo”.

Levou Rose até sua casa no Tauá, bairro da Ilha do Governador e disse para a família que a moça jantaria com eles. Quem se empolgou foi Carlinhos, filho da baiana e compositor da escola que cedeu seu lugar para ela.

Parecia que a menina não comia há dias, devorando a comida rapidamente. No fim agradeceu a todos, especialmente a Jurema e se dirigiu à porta da casa. Jurema perguntou “pensa que vai aonde?”.

Rose respondeu que ia embora, Jurema contou que era mãe e não iria gostar que filha sua ficasse em cidade estranha sozinha, disse para Rose dormir no quarto de Carlinhos que ele dormiria no sofá da sala.

E os dias foram passando, com Rose ajudando Jurema a fazer as fantasias e Carlinhos cada vez mais apaixonado. Chegou o dia do ensaio geral, o último antes do desfile e Carlinhos perguntou se Rose queria ir. A moça se empolgou e perguntou se podia. Carlinhos respondeu: “claro”.

E assim Rose conheceu o ensaio da União da Ilha. Quadra lotada com o povão da Ilha do Governador, eu, o editor, gente de outros bairros, pessoas anônimas, personalidades e a bateria 40 graus fazendo a menina chorar.

Carlinhos limpou suas lágrimas e de nada adiantou porque logo depois ela ouviu os versos “azul, vermelho e branco, são as cores da minha escola querida..” Rose chorou como criança gritando que era a pessoa mais feliz do mundo e cantando o samba junto com os intérpretes.

Carlinhos via a tudo e se comovia. Ele praticamente nascera dentro da União da Ilha, estava sempre lá e não tinha dimensão do alcance e repercussão da escola. Que pudesse ter gente de fora da cidade, morando tão longe apaixonada dessa forma pela agremiação. Mal ele sabia que existem muitas “Roses” espalhadas por esse país.

No dia do desfile, Rose encantada via toda movimentação na casa de Jurema, as pessoas pegando os sacos pretos com fantasias a fim de levar à avenida e desejou boa sorte. Jurema pegou uma camisa e jogou para Rose, que perguntou o que era. A baiana respondeu “camisa para ajudar a empurrar carro, foi o que deu para arrumar, quer?”.

Rose nada respondeu. Apenas começou a pular de felicidade e abraçar Jurema.

Na concentração, Rose radiante de alegria estava ao lado do carro alegórico enquanto os destaques eram colocados em suas posições. Um deles, já bêbado, subiu no Carvalhão para ser colocado e ao chegar perto se recusou dizendo que era alto demais e tinha medo.

Uma discussão se iniciou e o diretor geral de harmonia foi chamado para convencer o homem a subir no carro. O desfilante se recusou e o diretor enfurecido gritou: “tirem essa bicha daí”!

Desceram com o desfilante. O diretor olhou para Rose e perguntou: “tem medo de altura?”. Rose respondeu que não, então o homem completou para um harmonia: “me dêem a fantasia do cara, a menina vai desfilar no lugar dele”.

E dessa forma o conto de fadas de Rose estava completo. A menina humilde que saiu do interior do Pará com sonho de desfilar na União da Ilha estava no alto do carro alegórico da escola vendo a Sapucaí cantar e sambar com a agremiação. Rose se sentia em transe, como em um sonho que não quisesse mais acordar.

No fim do desfile abraçou chorando Jurema e Carlinhos e contou que nunca esqueceria o que fizeram por ela. Jurema comentou que ela era uma boa menina e merecia aquele momento.

No dia seguinte Carlinhos e Jurema foram até a rodoviária se despedir de Rose que voltava para casa. Da janela ela acenava agarrada a uma camisa da União e Carlinhos perguntou se voltaria.

O ônibus partiu e enquanto andava ela gritou.

“Se um dia eu deixar de desfilar pela União da Ilha vou chorar!!”

4 Replies to “Enredo do Meu Samba – “Minha vida, minha escola, meu amor””

  1. Que bom que a senhora gostou dona Cidalia, por sua importância para a União da Ilha fico honrado

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