incendiosantamariadeivdidutraagfreelancer4Neste domingo o Brasil viveu aquela que pode ser considerada uma das maiores tragédias da nossa história recente, o incêndio na boate ocorrido em Santa Maria, cidade gaúcha, onde pereceram (no momento em que escrevo, noite de domingo) 233 pessoas, quase todas jovens que tinham uma longa estrada pela frente.

Meu objetivo aqui neste texto não será sobre a tragédia em si, mas tentar descrever algumas lições que possam ser aprendidas para que tal fato não se repita. Entretanto, antes de mais nada tenho de repudiar o comportamento de certa parcela da imprensa que tentou partidarizar o episódio, por um lado. E, por outro, o comportamento inaceitável e absurdo de certos fiéis e líderes de seitas evangélicas comemorando de forma acintosa as mortes sob o argumento de que “estavam se dedicando ao pecado, e não orando”. Sinceramente, este não é o Deus em que acredito e confio, não mesmo.

Dito isso, vale lembrar que, em média, o Corpo de Bombeiros tem feito o seu papel no sentido de fazer cumprir a legislação de segurança e de combate a incêndio. O problema é que, como escrevi no Twitter – em tweet que, infelizmente, bateu recorde de RTs, na prática aqueles que tem suas casas fechadas conseguem uma liminar na Justiça  e seguem seu caminho como se nada tivesse acontecido. E este é um grande problema no cumprimento de alvarás municipais e de exigências de órgãos municipais e do Corpo de Bombeiros.

A própria casa noturna onde ocorreu a tragédia estava com os alvarás vencidos desde agosto do ano passado e, segundo informes, funcionava amparada em uma liminar. Basta se observar as fotos para se perceber que a questão de saídas de emergência era crítica, para se dizer ao menos.

Trazendo para o Rio de Janeiro, irei me concentrar nas entidades do samba carioca; mas poderia falar de praticamente qualquer boate da moda em uma cidade como o Rio. Só que, como não entro em uma boate há pelo menos uns dez anos, irei me basear no que consiste o meu cotidiano e na experiência adquirida durante três anos trabalhando em uma área dedicada a SMS (Saúde, Meio Ambiente e Segurança do Trabalho) da Petrobras.

A primeira coisa que precisa ser vista – e, ao que parece, causou muitas mortes na Kiss – são as saídas de emergência. Se tomarmos as arquibancadas do Sambódromo, por exemplo, os acessos aos degraus da arquibancada – em dois por setor – são estreitos e a meu juízo não permitiriam uma evacuação rápida em caso de confusão ou de um incêndio. Para as frisas o quadro melhora um pouco, porque embora as saídas dos setores ímpares iniciais desemboquem em um local estreito, sempre há a possibilidade de se acessar a pista de desfiles como rota de fuga – a grade é relativamente baixa, como se pode ver na foto abaixo.

Acesso A 2012 001Entretanto, são nas quadras das escolas que os problemas são maiores. As recentes reformas – com dinheiro da prefeitura em sua quase totalidade – melhoraram alguns aspectos, mas ainda há pontos onde se pode avançar em termos de evacuação das pessoas.

A quadra da União da Ilha, por exemplo, possui saídas laterais e frontais, só que as primeiras dão para o estacionamento da escola – e isso pode prejudicar a evacuação rápida em dias de lotação maior. A quadra da Portela possui apenas a saída frontal, que não é muito larga, mas como parte da quadra é aberta isso diminui um pouco os problemas em caso de incêndio – mas não se houver um tumulto.

Citei apenas as duas escolas que tenho frequentado nos últimos tempos (e ambas quadras reformadas pela prefeitura recentemente), mas esta é uma situação que se repete em outras agremiações.

Outro alerta dado pelo episódio deste domingo é o uso de sinalizadores, fogos de artifício e correlatos dentro das quadras durante a época de disputas de samba. Este tipo de artefato é proibido, mas ainda assim vemos algumas parcerias de ponta se utilizando deste (dispensável) recurso. Ainda não ocorreu um problema mais sério por pura sorte.

Se o leitor não sabe, para que haja o episódio de queima de fogos no início do desfile de cada agremiação o posto de gasolina (bandeira Petrobras) localizado quase em frente ao Sambódromo fica fechado desde a quinta feira antes do carnaval até a segunda feira posterior, com a Liesa (a entidade que comanda os desfiles cariocas do Grupo Especial) pagando uma indenização. Tudo pela segurança.

Outros pontos a serem observados são o correto funcionamento dos extintores e sistemas de combate a incêndio. Se o leitor não sabe, os extintores possuem prazo de validade – inclusive os que se encontram em nossos carros, e há tipos específicos para cada fator causal de incêndio. Estar com todos atualizados e ter uma brigada de incêndio capacitada a utilizá-los é indispensável a qualquer local que receba um número grande de pessoas.

Os hidrantes próximos a estes locais devem sempre estar verificados, bem como todo o sistema de combate a incêndio.

Também se deve ter atenção ao trabalho com materiais inflamáveis e aos aspectos mitigadores e regulamentadores determinados pelas normas reguladoras. Eu me recordo que na última visita que fiz à Cidade do Samba, em 2012, em 15 minutos dentro de um dos barracões contei mais de dez transgressões a regras determinadas. Este é outro ponto que deve ser observado, até para que o grande incêndio de 2011 (com um laudo pericial no mínimo polêmico, aliás) não se repita.

Concluo afirmando que seria interessante que o Corpo de Bombeiros fizesse inspeções no Sambódromo e nas quadras das escolas a fim de determinar o que está faltando e solicitar as correções necessárias. Acredito que muito ainda tenha de ser feito a fim de colocar todos os espaços dentro das normas e prevenir uma outra tragédia que, a se manter o quadro atual, ocorrerá mais dia menos dia.

Vale lembrar também que o Judiciário ajudaria muito – aí falo das casas de entretenimento de uma forma geral – não concedendo liminares a locais que estejam com os alvarás de funcionamento vencidos ou sob exigência. Mas é aquilo: nossa Justiça, infelizmente, funciona muito de acordo com a cara e a carteira do freguês.

Aprender as lições para que as tragédias não se repitam.

(Fotos: Terra e arquivo pessoal)

2 Replies to “O incêndio em Santa Maria – e algumas lições a se aprender”

  1. Não frequento boates, barracões ou coisa parecida, mas me deixa meio intrigado como ninguem, nem autoridades nem usuarios, ligam a minima para detalhes tão importantes como saida de emergencia e procedimentos.
    Até quando entro num shopping eu reparo nessas coisas.

    1. Eu falei sobre escolas de samba porque é uma realidade a mim mais próxima, mas são pontos que valem para qualquer local onde há aglomeração de pessoas.

      abs

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