2013-01-20 193748

 

Nesta quarta, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, fala sobre como é acompanhar um time pequeno estrada afora, além de estabelecer digressões sobre o (não) tratamento dos torcedores nos estádios Brasil afora.

Paixão, a Única Explicação

Sou agnóstico, mas sou meio chegado a uma promessa. Uma delas fiz em 2007, logo que me mudei para o Rio Grande do Sul: enquanto morar aqui, vou assistir a pelo menos um jogo do Caxias por ano. Por duas razões, esclareço. 

Primeiro, adoro estádios, adoro o clima de jogo, adoro a emoção real. E morando no RS, nem sempre conseguiria ir ao Rio ou a outro lugar ver o Flamengo. 

Segundo, porque sempre acabo nutrindo certa simpatia por um time próximo de mim. Quando era adolescente, cansei de ver jogos do Esporte Club São Lourenço em divisões de acesso do campeonato mineiro. E aqui no RS eu jamais conseguiria optar entre Grêmio ou Inter. Odeio o Grêmio e o Inter é um rival direto do Flamengo. É uma escala diferente de antipatia, mas que me impede de um dia torcer por qualquer um dos dois. 

Nesse quadro, foi fácil optar pelo Caxias, seja porque antes ele se chamava Flamengo de Caxias, seja porque a primeira vez que o vi jogar ao vivo, antes mesmo de me mudar para o Sul, a torcida do Juventude comemorou seu gol gritando para os grenás: “ela, ela, ela, silêncio na favela”, o que imediatamente me fez compreender quem estava do lado certo. 

Venho cumprindo a promessa com fidelidade religiosa: todo ano que sai a tabela, escolho o jogo mais simples de assistir e me desloco para o estádio. Ano passado o Caxias recompensou meus esforços chegando à final do campeonato, o que me deu a chance de ir a um segundo jogo – só para ver o título literalmente bater na trave faltando poucos minutos para o fim da partida. 

Esse ano fui logo no jogo de estreia, já que o Caxias desceu a Serra para enfrentar o Canoas. Para quem não é familiarizado com o Rio Grande, Canoas fica mais perto do Centro de Porto Alegre do que São Conrado do Centro do Rio. Uma barbada ir até lá. 

E, melhor de tudo, o time de Canoas não tem torcida, é uma ficção em campo, pois pertencia a uma universidade que “faliu” e deixou o time de herança para uns empresários que agora fazem dele um criadouro de jogadores. 

Depois dessa longa introdução, vamos ao que interessa: são jogos como esse que deixam explícito que futebol é um negócio de milhões e bilhões, mas o torcedor brasileiro é tratado com uma hostilidade sem precedentes. É preciso ser herói para ir ao jogo e estar resignado a sofrer toda a sorte de dissabores. 

Para começo de conversa, o estádio em si. Ele fica dentro do campus da universidade falida. Mas lá no finalzinho do campus, que é praticamente uma cidade universitária. E não há transporte público até lá. Ou seja, ou a pessoa vai ao jogo em um transporte particular, ou se prepara para uma caminhada bem longa, que eu diria inviável para alguns senhores e senhoras que encontrei por lá. 

Depois, chamar aquele campo de estádio é uma licença poética. Para a prática desportiva dos alunos da faculdade de educação física, é um luxo. Mas cobrar ingresso de alguém para entrar ali é um estelionato. 

Pois ali em Canoas a arquibancada, como a foto acima revela, tinha apenas seis degraus – de cimento, naturalmente. E com uma altura imensa entre um e outro, dificultando o acesso de quem a idade já roubou a flexibilidade necessária para grandes saltos. 

Nenhuma lanchonete, nem dentro, nem fora do estádio. Um único vendedor ambulante, que de tempos em tempos aparecia vendendo uns pastéis (fritos sabe-se lá onde) e bebidas quase quentes, tudo a preço fixo e exorbitante: R$ 5,00 por uma garrafa de água ou lata de refrigerante. 

Pois para oferecer esse serviço de primeira linha, a Federação Gaucha de Futebol resolveu cobrar a inacreditável quantia de R$ 20,00 de cada torcedor. 

E não bastasse a hostilidade intrínseca, a assistência ainda se encarrega de tornar tudo mais difícil… 

Não deve ser fácil ser torcedor do Caxias, um time que, a duras penas, se mantém na Série C do Brasileiro e que de vez em quando belisca uma final no Estadual. Ambições modestas, principalmente quando o seu principal rival, o Juventude, teve um brilhareco em um passado não muito distante – o que lhe rendeu uma Copa do Brasil e vários anos na Primeira divisão nacional. 

Mesmo em uma cidade relativamente grande como Caxias do Sul, é avassalador o apelo dos times da capital – logo, há cada vez menos torcedores, digamos, “autênticos” dos times da cidade. Mas há uma enorme categoria de torcedores que torcem tanto para os times locais quanto para os times da capital. 

Só que os torcedores “puros” ficam irritadíssimos com esse contingente de torcedores “mistos”. É assim, aliás, no Brasil inteiro. O dado curioso é que os times grandes, Flamengo à frente, acolhem de bom grado esses torcedores de dupla paixão, mas os times pequenos, logo eles que têm mais dificuldade de angariar fãs, tratam esse público com ar de desprezo. 

E na arquibancada praticamente não há outro assunto: uma crítica incessante aos meio-colorados, meio-grenás. Alguns ficam só praguejando mesmo, mas identifiquei gente mais exaltada. Cheguei a temer que meu celular tocasse e eu fosse obrigado a atender, exibindo meu case rubro-negro. Ou que alguém visse meu chaveiro da Fla Manguaça. 

Tem cabimento isso? 

Mas o pior ainda estava por vir…

O clube, mesmo de torcida pequena, consegue ter duas torcidas organizadas que aparentemente não se dão bem. No estádio Centenário elas ficam muito longe uma da outra, mas com o Caxias jogando de visitante não tem muito jeito de se afastarem tanto. 

Um integrante da torcida mais violenta, com problemas mentais aparentes (ou talvez muito aditivado com entorpecentes, lícitos ou não), passou quase o primeiro tempo inteiro no alambrado xingando inimigos imaginários. 

O problema é que os xingamentos provocavam uma espiral de loucura e ele ia se enfurecendo, chutando as grades, ficando cada vez mais nervoso. De repente, atacou as bandeiras da outra torcida caxiense, provocando uma pequena confusão até ser retirado do estádio pela polícia – o que acabou sendo pior, porque no fim da partida integrantes de ambas as torcidas brigaram no estacionamento. 

Dá para acreditar que um jogo de tão pouco apelo possa acabar em uma briga generalizada entre torcidas rivais de um time que não levou mais do que 150 torcedores ao estádio? 

Mas foi bom, porque me chamou atenção para um fato óbvio, mas para o qual eu nunca dera a devida atenção. 

Muitos dos problemas que as torcidas organizadas causam têm origem em desajustes mentais de alguns integrantes, pessoas que precisam de tratamento e que sequer poderiam frequentar espaços que mexem demais com as emoções humanas. Entretanto, acabam se destacando nesse ambiente degradado das torcidas exatamente porque nada temem e não compreendem a violência com a mesma dimensão que os demais: ao contrário, até, acreditam que agressões gratuitas podem ser algo natural. 

Apesar de tantos percalços e de um jogo sofrível, que acabou zero a zero, nada pode ser mais emocionante do que ver a dedicação de gente que se deslocou tanto sem esperanças de ser bem tratado ou de ver uma bela partida. 

O futebol não é a busca da vitória. É a busca de uma identidade em compartilhar 90 minutos de adrenalina com gente que você mal conhece e que em comum possui apenas a mesma preferência. É a chance de mostrar, de forma crua, uma paixão que não se explica – se é que alguma paixão se explica. 

É por isso que eu sinto tanta falta de estádio. Ainda bem que ao menos 2 vezes ao ano eu consigo ver o Flamengo. E, quando ele me faz muita falta, ainda me sobra o Flamengo de Caxias.

One Reply to “Bissexta – “Paixão, a Única Explicação””

  1. Interessantíssimo o relato. Curiosamente, pelo menos que eu saiba, os times do interior do Rio de Janeiro não têm os problemas citados de brigas de torcidas ou não-aceite de ‘torcedores divididos’.

    Por essas e outras, não entendo porque defendem tanto os ‘times tradicionais’ ou ‘de massa’, como se um pequeno novato que, por seus méritos e sua organização, está bem tivesse de ceder lugar a outros pequenos ‘com história’.

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