(Texto de 2009, do velho blog, que posto aqui por conta do centenário de Luiz Gonzaga)
Tomei há uns quatro anos uma das mais sensatas decisões de minha vida; deixei de ter carro. A vida sem automóvel é uma belezura – ando de ônibus, barcas e metrô; tomo meus gorós sem preocupação; não fico doido em engarrafamentos; gasto de táxi muito menos do que gastaria pagando IPVA, pedágios, seguro e estacionamentos; não sou extorquido por guardadores; não preciso enfrentar os visigodos do trânsito carioca. Sei que muita gente depende do carro – por razões de trabalho e por conta das deficiências grosseiras do transporte público. Eu tenho a sorte de não precisar.
Já esculhambei alhures o governo de Juscelino Kubitschek por causa do desvario rodoviarista dos anos dourados. Além da opção rodoviarista propriamente dita, os anos JK começaram a criar no Brasil um troço terrível; o culto ao automóvel como símbolo de projeção social. O automóvel é o epítome de um Brasil que foi perdendo a delicadeza.
Comecei fazendo esse arrazoado contra o automóvel para contar uma história curiosa. Em 1957, em plena euforia desenvolvimentista, o país gastava os tubos construíndo rodovias de integração nacional e sucateava de forma suicída a malha ferroviária. Enquanto o asfalto cortava o país, a Estrada de Ferro Teresina-São Luís, por exemplo, continuava trafegando com máquinas movidas a lenha.
Puto dentro das calças com essa história, o grande João do Vale resolveu fazer uma música denunciando o abandono e a lerdeza da ferrovia. Foi assim que surgiu o xote De Teresina a São Luís – uma das mais elegantes, bem-humoradas e contundentes críticas ao abandono criminoso das ferrovias brasileiras e, ao mesmo tempo, uma crônica magnífica do que era viajar de trem naquelas plagas distantes do Brasil dourado de Juscelino; esquecidas pelo Plano de Metas do simpático Nonô.
O resto é História [maiúscula]. Luiz Gonzaga entrou na parceria, gravou e a música fez um sucesso danado. Foi o suficiente para que os políticos espertalhões da região providenciassem a mudança; trocassem a lenha pelo óleo diesel e colocassem nas duas locomotivas que faziam a rota nomes de canções de João do Vale. O trem que subia para Teresina foi batizado de Pisa na Fulô, e o que descia para São Luís, de Peba na Pimenta.
Canta, Luiz!