Eu voltava do Rio para Porto Alegre, semana passada, depois de um dia de comemorações, festas, cervejas e piscinas, no ponto exato para dormir as quase duas horas de vôo e me esquivar do mau humor que contamina os passageiros. Estava confortavelmente instalado na segunda fileira de poltronas, mas o atraso inclemente começou a dar vazão ao tilintar de ligações telefônicas de gente se justificando.
Logo quando embarquei notei que na primeira fileira, reservada às pessoas com necessidades especiais, na minha frente iriam dois jovens portadores de Síndrome de Down: um rapaz e uma moça. Quer dizer, ela parecia ter um outro distúrbio assemelhado, ele tinha uma aparência mais típica da síndrome.
Fui despertado do estado de sonolência pela moça falando ao telefone. Se expressando com clareza, mas com alguma dificuldade, ela dizia ao interlocutor que ainda estava no Rio de Janeiro, mas fazia questão de ressaltar a felicidade de estar ali. O avião inteiro xingando a TAM pelo atraso injustificado e a moça na contramão do ânimo geral: alegre.
Ela desligou e disse ao comissário: era minha sogra.
Tomei um susto imenso. Eu jamais poderia imaginar que aqueles dois jovens ali sentados com toda a paciência do mundo eram casados. Dei um jeito de conferir e notei a aliança na mão esquerda do rapaz. Sim, eles eram casados.
E de repente, um novo mundo se apresentou ali, separado de mim por um encosto de cabeça.
O que eles vieram fazer no Rio, afinal? Estariam em lua-de mel? Foram a algum evento? Estariam de férias, passeando pela cidade? Foram visitar parentes? Ou será que moravam sozinhos no Rio e estavam voltando ao Sul para passar o Natal com a família?
E eu pensei o quanto tempo da minha vida e da vida dos meus leitores eu desperdicei, sendo amargurado, tecendo críticas e descendo o malho no alheio. Digo isso porque quase sempre escrevi aqui falando de temas diversos, mas sempre com um olhar pretensiosamente superior, confrontando alguém ou alguma corrente de pensamento.
Como eu posso ter passado esse ano inteiro de 2012 sem falar do amor? Há algo mais belo que o amor? Mais reconfortante que o amor? Mais rejuvenescedor que o amor?
Tanta coisa aconteceu em 2012, mas a cena final foi particularmente recompensadora: aquele jovem casal e suas necessidades especiais, caminhando à minha frente na sala de desembarque, acompanhado pelos comissários de bordo (sim, eles não tinham autorização para andarem sozinhos), com tantos motivos para reclamarem da vida… Contudo celebravam o privilégio de estarem juntos: de repartirem um amor profundo.
Conheço muitas histórias de amor, claro. Mas as pessoas quase sempre amam o outro porque o parceiro é belo, é bem sucedido, é inteligente, é sexy, é poderoso. Os meus colegas de viagem não tinham nada disso. Tinham apenas o infortúnio de suas necessidades especiais, que os reuniu. E, unidos, fizeram do amor a senha para serem felizes, juntos. A gente, que muito tem, brigando por tão pouco e eles, que tão pouco tem, se amando…
Como é belo o amor. Que em 2013, eu possa falar mais do amor, porque, se ainda me faltavam dúvidas, agora já tenho absoluta certeza: em nossas vidas, all you need is love.