Temos a estreia de um novo colunista no Ouro de Tolo hoje. Trata-se do jornalista Fred Sabino, especializado em automobilismo e que após longo período no Grupo Lance transferiu-se para o SporTv.
Fred já foi entrevistado por este blog, cuja entrevista pode ser lida aqui.
Sua coluna, de nome “Sabinadas”, será semanal, com temas variados e publicada as quintas ou sextas feiras, dependendo da semana. Seja bem vindo!
Na coluna de estreia Sabino fala das diferenças entre a visão que o profissional de automobilismo e o torcedor tem de Rubens Barrichello. Vale a pena a leitura.
Deixem Barrichello em Paz
Antes de tudo, queria agradecer ao Pedro Migão pela oportunidade de escrever no Ouro de Tolo. Depois de dez anos no LANCE!, como redator e editor do LANCENET! e editor do Núcleo Motor da casa, me transferi no último mês para o SporTV, onde atuo na produção e edição do Linha de Chegada.
E, já que mudei de ares, convenhamos que é bom momento para estrear uma coluna, não? Então, vamos lá…
A semana foi marcada pelo anúncio da participação de Rubens Barrichello na Corrida do Milhão da Stock Car, em dezembro. Provavelmente, Rubens disputará outras duas provas antes, em Curitiba e Brasília. Na capital paranaense, dia 16, Barrichello fará um teste de adaptação a um tipo de carro com o qual não está habituado.
Certo, esses detalhes factuais o amigo leitor já deve saber. Mas o tema desta primeira coluna é a diferença de reações entre os companheiros de pista em relação a quem está fora, sobretudo nas redes sociais.
Enquanto todos os pilotos da categoria, sem exceção (desculpem a redundância), saudaram com muita alegria a chegada de Barrichello, alguns que não são do meio ironizaram e criticaram sem nenhuma razão a decisão dele de correr, com um ranço incrível.
Esse é um reflexo da reputação de Barrichello para quem convive com ele, pelo comportamento nos autódromos, e a reputação criada por ele (com contribuição da mídia) na ótica de parte da torcida. As duas reputações, a ótima e a desagradável, são perfeitamente explicáveis.
Goste-se ou não de Barrichello, é inegável a sua capacidade técnica na preparação e condução de um carro de corrida. Ninguém fica quase 20 anos na F-1, sendo seis na Ferrari, a maior equipe do mundo, se não for capaz. Dos 30 pilotos brasileiros que já correram na categoria, ele é o quarto com melhores resultados, só atrás de Fittipaldi, Piquet e Senna. Perguntem a qualquer piloto que conviveu com ele, brasileiro ou estrangeiro, sobre a sua capacidade – e todas as respostas serão positivas.
Mas, para a torcida, houve episódios nos quais Barrichello deveria ter agido de forma diferente, e ele próprio admite isso.
Um deles foi quando Rubens, de forma inocente e literalmente juvenil, “aceitou” a responsabilidade de substituir Ayrton Senna após sua morte. Outro foi quando ele entregou a vitória para Michael Schumacher no GP da Áustria de 2002. Vale a pena relembrar e contextualizar esses episódios.
Rubens teve um início de carreira muito positivo. Teve títulos e bons resultados nas categorias de base, além de dois primeiros anos muito promissores na Jordan. Mas aí Senna morreu e o então jovem Barrichello, mal-assessorado e, por que não dizer, longe de estar totalmente amadurecido, caiu na armadilha. Com os carros medianos que tinha, não poderia ter se posicionado como um piloto em condições de brigar por vitórias. Ávida para que o “novo Senna” chegasse logo, a mídia caiu matando a medida em que as vitórias não saíam.
Depois, quando obteve bons resultados na emergente Stewart, Barrichello fechou com a Ferrari. Novamente ele se equivocou ao dizer que era piloto 1B de Michael Schumacher. A mídia, que já o havia ridicularizado antes, aproveitou. Em que pese ter tido boas atuações nos primeiros anos de Ferrari, não dava para ele competir de igual para igual com um Schumacher que estava no auge. Mais munição para os detratores.
A comparação de resultados por si própria não desabonaria Barrichello, mas aí aconteceu o fatídico GP da Áustria de 2002.
Todos sabemos que ordens de equipe são normais na Fórmula 1, mas foi ridículo a Ferrari apelar para isso na sexta corrida, ante adversárias mortas naquele ano como Williams e McLaren. Barrichello até relutou mas deixou Schumi passar, ameaçado pela Ferrari – tomara que um dia Rubens conte tim tim por tim tim o que aconteceu. E, com isso, a pá de cal.
Apesar de tudo, Rubens continuou com boa reputação ante os profissionais da Fórmula 1. Por isso, correu mais alguns anos na categoria e, em 2009, teve sua grande chance de ser campeão, pela Brawn. Não a aproveitou, como inúmeros outros pilotos não aproveitaram chances ao longo da história, e, no fim do ano passado, se viu sem vaga, já que a Williams precisava de grana. O que também é normal na F-1 de hoje.
Foi para a Indy e agora aceitou correr na Stock Car, mas as críticas e o ranço continuaram, mesmo com Rubens na dele, curtindo cada momento na pista. Ora bolas, qual é o crime Rubens continuar fazendo o que mais gosta? É algum crime ser convidado e aceitar continuar correndo?
Não seriam crimes, é claro, mas no Brasil não ser campeão mundial de Fórmula 1 é considerado crime hediondo, sim – vide o que está acontecendo agora com Felipe Massa, mas esse é outro papo.
Aqui não basta ser competente: tem de ser campeão, de preferência esmagando os estrangeiros. Isso Barrichello não conseguiu e suas declarações (algumas também maldosamente interpretadas pela mídia) potencializaram esse estrago.
Só que nesses meus anos de cobertura, e após diversas entrevistas com ele (nas quais, diga-se, fui extremamente bem tratado) aprendi a separar as coisas. Por isso, escrevo sem medo de errar que Rubens é piloto tecnicamente muito bom e respeitado, mesmo sem ter sido campeão na F-1. Contudo, pagou o preço de ter escorregado em declarações ao longo da carreira.
Então, vejo com bons olhos ele continuar correndo, sim. Tecnicamente tem muito a acrescentar a uma Stock Car que, apesar de alguns problemas, ainda é o que temos de mais organizado no nosso automobilismo.
E, além do mais, a vida é dele, ninguém tem nada com isso.
Deixem-no em paz!
(Foto: Uol)

3 Replies to “Sabinadas – "Deixem Barrichello em Paz"”

  1. Muito bom post. Parabéns.

    Sempre gostei do Barrichello. Acho um cara muito legal, sempre respeitando a todos mesmo tendo motivos de sobra pra sequer receber a imprensa brasileira em qualquer circunstância. E como mencionou o colunista, um piloto de competência inequívoca.

    Quanto às manifestações em redes sociais, são lamentáveis. Aliás, se formos analisar a fundo, em qualquer assunto que seja, as redes sociais têm se mostrado um campo fértil para asneiras de todos os tipos. Sem eufemismos, a quantidade de m… produzida nestas redes é algo deprimente.

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