Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloísio Villar, conta um pouco de seu processo criativo.
E Surge a Inspiração
O Migão falou comigo essa semana que eu já tinha detalhado como era uma disputa, o mundo do samba, mas não tinha contado como é a confecção mesmo do samba, ou seja: como vem a inspiração.
Falei pra ele que só a inspiração e a forma de compor um samba-enredo não dariam uma coluna inteira, mas as várias formas de compor, de escrever, sim.
Apesar de todo mundo falar mal dos concursos de samba-enredo, ele é uma das formas mais democráticas que existem para um compositor mostrar sua obra. 
Por exemplo, um compositor de MPB chegar a um grande cantor de MPB é difícil. De qualquer gênero é, mas para um compositor de samba-enredo chegar, por exemplo, ao palco da Beija-Flor – que é a maior campeã dos últimos anos – não.
Para você ter uma obra avaliada em uma Beija-Flor basta você fazer o samba e entregar a letra na escola no dia da inscrição com cd. Não precisa pagar a inscrição e todos os sambas concorrentes se apresentam pelo menos duas vezes.
Esse motivo, o da democracia de mostrar aquilo que você compôs foi que me trouxe inicialmente ao samba-enredo. Era a forma mais fácil de mostrar um dom meu.
Mesmo o samba-enredo sendo uma forma totalmente diferente de escrever de qualquer outra. 
Costumo dizer que qualquer forma de escrita (livro, soneto, poesia, música, crônica, conto) é inspiração e samba-enredo transpiração.
Explico: samba de enredo teoricamente é a única forma de escrita que não é nossa imaginação que comanda. Recebemos uma sinopse com tema para ser aplicado e com várias situações que devemos abordar nessa música – que não é tão autoral.
Nessa música temos que dentro de um determinado número de versos colocar tudo que a escola quer. E colocar poesia dentro do possível. Como é um concurso, existem duas possibilidades: ser arrojado, tentar algo diferente e correr o risco do fracasso ou um grande sucesso ou vir no que se costuma fazer normalmente.
O feito normalmente, na maneira trivial geralmente consegue sucesso nas escolas, mas não consegue na história. É esquecido logo após o carnaval e conhecido como a fórmula “10x4x10x4”.
Uma primeira de samba com dez versos, refrão do meio com quatro, segunda parte mais dez e refrão principal explosivo, enaltecendo a escola com mais quatro.
Não sei quem inventou que essa fórmula é a correta. Deve ter sido a mesma pessoa que inventou alas enfileiradas e as baterias tocando aceleradas. Resumindo, o Anti-Cristo.
Eu sempre fui muito independente pra escrever. Escrevo desde 1986 com nove anos de idade. Comecei fazendo revistas em quadrinho da série de TV “Armação Ilimitada”, com treze comecei a fazer pequenos roteiros, com quinze músicas e quase ao mesmo tempo comecei a me aventurar em samba enredo e livros.
Costumo dizer que samba enredo é o que faço pior em escrita, porque é a que mais tolhe minha liberdade e independência. É a única forma de escrita que faço que possui tema pré-determinado e na qual tenho parceiros no processo de criação. 
Tentei trazer para o samba enredo o modo que escrevo outras coisas, então em nossa parceria foi criado um modo diferente para compor.
Normalmente os parceiros sentam-se juntos com a folha em branco e daí surge o samba. Eu sou letrista, até saberia fazer melodia, mas não tão bem quanto pessoas como Cadinho da Ilha e Roger Linhares.  
Então trago as sinopses para casa e escrevo uma letra. Daí eles fazem as melodias. Para os dois mesmo e para outros que já escreveram conosco causou estranhamento, mas se adequaram e hoje estranham quando não é assim. Faço sambas com eles há tantos anos que já sei fazer letra imaginando a melodia que colocarão. Geralmente dá certo.
Já tentei fazer samba do modo tradicional, sentando todos e fazendo. Fizemos assim nosso concorrente para o Dendê 2013 e deu certo ficando um grande samba.
Mas prefiro do meu jeito, da minha forma e no meu silêncio. Muita gente é complicado porque não são raras as vezes que você está quase alcançando a solução de algum problema e alguém fala ou canta algo na hora – você perde o fio da meada.  
Prefiro sinopses maiores e divididas em setores, fica mais fácil para escrever. Odeio sinopses pequenas que dão margem a interpretações e nessas interpretações favorecer alguém. Odeio sinopses rimadas: quem tem que rimar é compositor, não carnavalesco e odeio mais ainda sinopses não divididas em setores. Podem fazer o compositor se perder, não botar algo importante e cair no exemplo das sinopses pequenas. 
Como já disse samba-enredo é o que faço pior e o que escreverei pode surpreender alguns, mas também é o que me dá menos prazer. Pode surpreender pelo fato de ser o ramo de escrita que me dei melhor até hoje, mas o que gosto do samba-enredo mesmo é o convívio com os amigos, é a disputa em si, o friozinho na barriga no último samba a se apresentar antes do seu.
Mas o ato de compor mesmo, de criar. eu gosto mais escrevendo em prosa. Tive uma fase de escrever livros e contos compulsivamente, tenho alguns livros escritos e contos publicados quinzenalmente aqui no blog. Agora estou na fase das peças de teatro. Escrevo o que quero, no momento que quero, o tempo que quiser: essa liberdade é fundamental para mim.
Mas evidente que esses quinze anos escrevendo profissionalmente no carnaval, aprendendo técnicas de escrita, aprendendo a ser mais prático, a ir direto ao assunto porque no samba-enredo não há espaço para enrolação (senão o samba fica enorme), me ajudou nos outros meios de escrita.
Como nesse blog onde escrevo há quase um ano e meio e tenho determinado espaço para colocar o que penso e tenho que colocar com princípio meio e fim bem organizados.
A quem pensa em escrever qualquer coisa isso é o principal e aprendemos lá atrás nas primeiras aulas de redação na escola. O princípio, meio e fim.
Eu não começo a escrever uma coluna, poesia, letra de música, soneto, conto, romance, peça de teatro, samba-enredo, nada sem saber como se desenvolve e termina. Isso é fundamental para que se consiga passar ao leitor, espectador ou ouvinte com toda clareza sua mensagem e, principalmente, com verdade.
Essa é uma dica que posso dar pra quem quer começar a escrever. Construa sua história mentalmente antes de por no papel, facilita sua vida.
[N.do.E.: acrescentaria um outro conselho a quem gosta de escrever: leia, leia muito, leia de tudo, leia sempre.]
Alguns lugares que você pode encontrar coisas que escrevi:
Sambas enredo – Sites especializados em samba ou no google digitando meu nome.
Livros – No meu blog http://aloisiovillar.blogspot.com tem três livros lá.
Peças de teatro – Há três peças em www.recantodasletras.com.br/autores/aloisiovillar
Dizem que o escritor gosta de brincar de ser Deus, eu acho que o escritor simplesmente é um contador de histórias e eu gosto de contar histórias.
E a coluna de hoje foi mais uma história que contei pra vocês.
P. S. – Sábado retrasado foi bem marcante pra mim. Em nossa apresentação na União da Ilha, com prospecto na mão e cantando nosso samba estava uma moça chamada Ericka. Ela estudou comigo vinte anos atrás e para ela fiz a primeira música de minha vida. Com ela tudo começou e ela estar lá torcendo por um samba meu deu um sabor todo especial.
Um escritor quer alcançar corações, passar emoção para as pessoas, seja para um grande público ou para uma pessoa em especial e quando ele consegue isso é que seu objetivo foi alcançado.
E naquele momento me senti realizado.