Ao contrário do que pleiteavam as fábricas, a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dada no final de maio por parte do Governo para expandir a indústria não será prorrogada e se encerra no próximo dia 31.
Tal medida proporcionou uma elevação expressiva nas vendas de veículos, desovando os estoques existentes até o mês de maio e gerando até mesmo falta de outros produtos. Um mês antes do encerramento da redução de imposto – e consequentemente de preço – carros como o March, da Nissan, não estavam mais disponíveis para faturamento nos preços indicados com desconto.
O objetivo do governo com este incentivo era o de estimular a economia como um todo e manter os níveis de emprego no setor. Havia um compromisso das empresas em manter o nível de empregos em troca da redução do imposto, e de acordo com informações da Anfavea, entidade representante das montadoras, o nível de empregos sofreu até ligeiro aumento: de 144,9 mil postos de trabalho para 146,9 mil em finais de julho.
Ainda assim a General Motors (GM) ameaçou com demissões em sua fábrica de São José dos Campos, durante o final de julho, gerando uma greve na fábrica. O acordo fechado com os metalúrgicos no último dia 15 indica a demissão de 900 trabalhadores e a colocação de mais 940 em uma espécie de licença remunerada.
A empresa alega que as demissões são necessárias para adequar o perfil de custo da fábrica, que seria o mais alto de suas unidades no Brasil. Na prática, se tomarmos que toda a produção está sendo vendida, o objetivo real é elevar a margem de lucro por unidade vendida na unidade em questão.
Por outro lado a própria GM alega que o número total de trabalhadores está em elevação, mas ainda que se dêem empregos em outras unidades os trabalhadores paulistas engrossarão as estatísticas de desemprego.
Outra questão é que as fábricas registraram recordes de vendas em julho. Segundo a mesma Anfavea foram vendidos 364 mil veículos, o que significa 18% a mais que julho de 2011 e 3% acima de junho. A expectativa para este mês de agosto era de outro número expressivo, embora ligeiramente menor dada a falta de alguns modelos – que venderam muito mais que o previsto.
Esta é uma questão que deve ser muito bem analisada: em termos gerais, vale a pena dar um incentivo destes?
Sob o ângulo da preferência individual do consumidor, a resposta é sim. Eu mesmo antecipei a troca do meu carro, que estava prevista para este mês de agosto e foi realizada em junho. Os preços reduziram-se cerca de 10% em média e somando-se a uma melhora nas taxas de financiamento isso proporcionou uma elevação significativa dos atrativos à compra individual.
Sob o aspecto das empresas também houve ganhos. O estoque existente em maio foi inteiramente vendido, aumentou-se a produção, bateram-se recorde de vendas e obviamente houve melhora do ganho financeiro, com reflexo nos resultados e na remuneração dos acionistas.
Vale lembrar que as montadoras nacionais ganharam uma injustificável barreira à entrada na forma de um adicional de 30% no mesmo IPI para carros importados. Para o leitor ter uma idéia meu carro, um Kia Picanto, custou R$ 4 mil a mais por conta deste acréscimo, que tem o único propósito de mascarar a diferença de qualidade entre modelos nacionais e importados como coreanos e chineses – que é gritante, pelo menos no segmento entre R$ 30 a R$ 40 mil.
Pode-se afirmar que sobre os empregos houve um discreto ganho representado pela ausência de demissões em massa, mas que não se pode avaliar se realmente houve manutenção ou apenas adiamento – está aí o exemplo da fábrica paulista da Chevrolet.
No que tange ao crescimento da economia, apesar do efeito multiplicador oferecido sobre a demanda – mais carros vendidos significam mais peças produzidas, e isto estimula toda uma gama de fábricas que gravitam em volta das montadoras – a renúncia fiscal é estimada em torno de R$ 1,2 bilhão, de acordo com dados do Ministério da Fazenda. Talvez estímulos em outros setores acarretassem em maior elevação da demanda com uma renúncia fiscal parecida.
O crescimento da economia este ano como um todo não deve ultrapassar os 3%, de acordo com projeções otimistas. Este é um número bastante satisfatório quando se compara ao desempenho esperado de economias como a americana e grande parte da européia, mas aquém do desejado pelo governo. Claramente há uma reavaliação do consumo das famílias devido ao endividamento, embora deva se fazer a ressalva que muitas vezes o que parece endividamento nada mais é que troca de despesas – um aluguel que vira financiamento da casa própria, por exemplo.
Há outro aspecto que precisa ser analisado: o trânsito das grandes cidades a cada dia é mais insuportável. O automóvel particular a cada dia mais é considerado opção de transporte diário e isso se somando à tibieza dos transportes públicos – pelo menos aqui no Rio de Janeiro – torna cada vez mais caótico e ineficiente o trânsito das grandes cidades.
Por mais que se façam intervenções diárias, as ruas e avenidas não suportam o número de emplacamentos diários e a elevação de veículos circulando diariamente pelas ruas. Os investimentos em transportes coletivos são insuficientes – apesar de iniciativas como o BRT carioca – e para ficar como “sardinha em lata” dentro de um ônibus ou metrô muitas vezes a população prefere estar da mesma forma engarrafada dentro de seu veículo, onde pelo menos está sentado e muitas vezes com o ar condicionado ligado.
Por isso a profusão de veículos com apenas um ou dois passageiros nas ruas das grandes cidades, o que é absolutamente ineficiente sob qualquer forma de análise. Eu mesmo somente trabalho de carro – e quase todo o tempo sozinho – porque simplesmente não há transporte público de qualidade no bairro onde moro: são apenas duas empresas de ônibus, com poucas linhas e poucos carros. O serviço de barcas é praticamente inexistente.
Com isso, torna-se bastante duvidoso se incentivar ainda mais o carro particular quando se observa a questão do bem estar geral como um todo. É algo para se pensar e pesar junto aos outros aspectos envolvidos na demanda.