Antes de passar ao assunto do post, ao leitor um aviso: não serei eleitor de Marcelo Freixo nas eleições que se aproximam. Mais para frente, em outro artigo, explicitarei as razões.

Isto posto, quero analisar aqui as declarações do candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PSOL dadas a um programa de televisão semana passada. Marcelo Freixo questionou, grosso modo, a destinação de recursos públicos a escolas de samba que possuem enredos patrocinados e sem “relevância cultural”, utilizando-se como exemplo do enredo sobre a “Fama” do Salgueiro, patrocinado por uma revista de celebridades.

Também resumindo as declarações do candidato, ele afirmou que enredos deste tipo não deveriam ter repasses de subvenção da Prefeitura, que deveria julgar o que era passível ou não de tal verba.

Como escrevi anteriormente, dinheiro público significa aproximadamente 25% do orçamento (fora patrocínios e venda de enredos) oficial das escolas. São R$ 1 milhão do governo do estado e mais R$ 1 milhão da prefeitura, para o Grupo Especial. Pela proposta de Freixo, quem recebesse patrocínio para exaltar algo considerado “sem relevância cultural” na avenida perderia o direito a este R$ 1 milhão advindo da Prefeitura.

As declarações do candidato repercutiram como uma bomba no mundo do samba. Imediatamente o Salgueiro, se sentindo atingido – o que em minha avaliação é um equívoco, pois a agremiação foi usada como um exemplo apenas – soltou nota oficial e patrocinou um “ato de desagravo” no último sábado em sua quadra. Escolas como a União da Ilha e a Mocidade também emitiram notas de repúdio às declarações do candidato.

Lembro aos leitores que estas declarações não vieram do nada: o candidato emitiu um documento com algumas propostas para o carnaval, elaborado com auxílio de figuras influentes do meio após várias reuniões. Não participei da elaboração, mas acompanhei à distância o trabalho da equipe.

Curiosamente, as respostas das agremiações tentaram colocar a questão na seara da briga político partidária, por um lado, e da “preservação da cultura carnavalesca”, de outro.

Digo curioso, pois basta se olhar o noticiário para se perceber que as relações entre a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) e a Prefeitura atual da cidade andam longe de estarem amistosas. O Prefeito Eduardo Paes vem dando declarações freqüentes afirmando que o modelo de poder das agremiações é inadequado e que as lideranças atuais não podem continuar no cargo.

Vale lembrar que dos chamados “bicheiros” do jogo do bicho somente o patrono da Imperatriz Leopoldinense continua oficialmente à frente da escola. Figuras como Jaider Soares e Anísio Abrahão David optaram por postura mais “low profile”, colocando pessoas de confiança sob a luz dos holofotes como resposta a esta postura da Prefeitura.

Voltando no tempo, não custa relembrar que a prefeitura exercida por Cesar Maia representou uma era de “relações carnais” entre a Liesa e a Prefeitura. Esta renunciou ao seu papel de fiscalizadora e reguladora da festa, o que se traduziu em um período de pleno poder para a entidade.

Retornando, segundo o que conversei com jornalistas especializados a visão da prefeitura atual é de que dando mais dinheiro às escolas estas podem se “libertar” da influência destes comandantes e assim retomarem um caminho de boa governança corporativa. O leitor mais antigo deste blog sabe que discordo fortemente desta tese, por achar justamente o contrário: mais dinheiro, sem fiscalização e regulação adequadas, reforça o poder dos mandatários.

A propósito, também me parece claro que a reação das diretorias das escolas tem a ver com a cobrança de transparência no uso dos recursos implícita nas declarações do candidato. Transparência é hoje artigo bastante escasso em nosso carnaval. E, como o leitor pode ver, R$ 1 milhão não é exatamente significativo dentro do orçamento anual, ainda mais quando se sabe que uma agremiação do Especial não vende seu enredo por menos de R$ 4 a 5 milhões.

Minha avaliação é de que esta cobrança de princípios de governança que começa a ser realizada pelo Poder Público tem muito a ver com a chegada próxima dos grandes eventos que a cidade sediará. Parece complicado para o Prefeito da cidade mostrar aos olhos do mundo que a principal festa carioca está nas mãos de sujeitos com extensas fichas; com isso busca-se um verniz de boas práticas.

O caminho encontrado, retornando, foi o de aumentar o repasse de recursos e reformar várias quadras a fim de aumentar a captação de recursos por parte das agremiações, ou ao menos o potencial para isso. Contudo, como escrevi acima este modelo somente irá reforçar o poder dos atuais mandatários. O que falta é regulação e instituição de princípios de governança corporativa, temas abordados, ainda que de forma superficial, pelo candidato Freixo.

Ressalvo, porém, que em caso de reeleição do atual prefeito Eduardo Paes não acho impossível ele se utilizar de algumas das propostas deste manifesto do candidato do PSOL em sua política para o setor. Ao contrário, acho até provável.

O outro ponto, o da “preservação da cultura carnavalesca”, chega a ser risível. O modelo perseguido pela Liesa é o do “show business”, um grande espetáculo visual onde as tradições do samba, mais que esquecidas, são consideradas um entrave à festa. Exemplo disso é o carnavalesco Paulo Barros, que busca sempre o que há de mais novo nos grandes espetáculos teatrais. Samba? Atrapalha.

Sobre a questão da culturalidade dos enredos abordada por Freixo, deve-se destacar que esta relação de patrocínios atual é bastante anômala, por envolver a compra e venda da manifestação artística, em última análise. Dissertei recentemente sobre o assunto.

Finalizando, deve-se lamentar a postura dos mandatários das agremiações de não aceitar quaisquer críticas e tratar como inimigos a serem expelidos os que assim procedem. A banda está passando e os cegos encastelados em seus pedestais não estão percebendo isso.

Na prática, reafirmo o que venho afirmando há bastante tempo: o carnaval carioca e as escolas de samba precisam de um modelo de governança corporativa estabelecido. Voltarei a este assunto.

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7 Replies to “Freixo, as escolas de samba e governança corporativa”

  1. Migão, no meu artigo de ontem na Rádio Arquibancada, abordei um ponto que você também enfoca e que tem passado despercebido: o silêncio do prefeito.

    Pelo visto, temos a mesma interpretação para o fato do prefeito até agora não ter se pronunciado sobre o assunto.

    De toda forma, como um dos formuladores do documento, fico muito feliz em ver o tema carnaval sendo enfocado, pela primeira vez, numa campanha política. Espero que a discussão prospere ainda mais e que as incoerências dos mandatários do carnaval sejam desnudas.

    Abs,
    Anderson Baltar

    1. Anderson, você sabe que sou um pessimista quanto à adoção de princípios de boa gestão pelo menos a curto prazo, mas acredito que ganhando Paes ou ganhando Freixo a situação deve melhorar.

      Me parece que no mínimo haverá uma tentativa de se retomar o controle da regulação do carnaval, e isso é salutar. Tem muito mais coisa a se mudar a meu ver mas já seria um bom começo.

      grande abraço

      p.s. – não tinha visto seu artigo, verei

    2. Migão,

      Acho que falta explicitar que mesmo os enredos comprados, são feitos muitas vezes através da Lei Rouanet, ou seja, com isenções fiscais. Sendo assim, isso também é dinheiro público. Por isso acho que não é pouco o dinheiro público no orçamento anual do carnaval. Só o Salgueiro, que é o exemplo em questão, está autorizado a captar 4,9 milhões de reais pro próximo carnaval.

    3. Dudu, não falei sobre isso porque foi tema de post há pouco tempo falando sobre o modelo de patrocínio – o link está neste post de hoje.

      Post, aliás, que me deu algumas dores de cabeça, diga-se de passagem.

      abs

  2. Entendi. Mas é porque o argumento de que a parcela do dinheiro publico não é assim tão grande, acho que tem que ser mediada. Entendo que isenção fiscal é dinheiro público, mesmo que venha das empresas.

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