Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloísio Villar, fala do centenário do FlaxFlu – já abordado por este editor na última sexta feira – a partir do escritor Nelson Rodrigues. Bem como do título corintiano na Taça Libertadores.
Fla, Flu, Nelson e o Bando de Loucos
“O Fla-Flu não tem começo. O Fla-Flu não tem fim. O Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada. E aí então as multidões despertaram.” (Nelson Rodrigues).
O pernambucano Nelson Rodrigues (acima, com Zico, em algum momento da década de setenta) não era apenas um excelente frasista, como podemos ver acima.
Nelson é considerado por muitos o maior dos dramaturgos brasileiros, autor de peças como “Vestido de noiva”, “A falecida”, “Perdoa-me por me traíres”, “Os sete gatinhos”, “Boca de Ouro”, “O beijo no asfalto”, “Toda nudez será castigada” e “Bonitinha, mas ordinária”.
Nelson era dramaturgo, escritor e jornalista, como seu irmão Mário Filho. Mário, antigo dono dos jornais esportivos “O Mundo Sportivo” e “Jornal dos Sports” foi um dos responsáveis pela organização dos primeiros desfiles de escolas de samba e lutou para que o estádio municipal de futebol que sediaria a Copa ficasse sediado no terreno do antigo Derby Club, no bairro do Maracanã – não em Jacarepaguá como queria o vereador Carlos Lacerda. Hoje o nome oficial do Estádio do Maracanã é Mário Filho.
Voltando a Nelson, o dramaturgo revolucionou o modo de fazer teatro no Brasil. Trouxe para o palco a família e não foi simplesmente a família: mas a família com tudo que ela esconde por debaixo do tapete ou atrás do buraco da fechadura. Suas taras, perversões, obscuridades, as traições, os incestos, os amores impossíveis, a tragédia. Tudo isso é Nelson Rodrigues.
O anjo pornográfico. O boxer que deu um soco de direita no estômago da sociedade e por ela foi considerado maldito por muitos anos. O homem que ao estrear “Perdoa-me por me traíres” tomou uma daquelas “vaias ensurdecedoras” ao fim da peça e feliz disse que foi sua maior vaidade autoral e “naquele momento se realizava espetacularmente como dramaturgo”.
Hoje a situação não é mais essa. Nelson é uma unanimidade nacional, o que lhe daria grande desgosto porque o mesmo dizia que “toda unanimidade é burra”.
Tive a honra de fazer uma peça de Nelson na Unisuam em 1998. Era aluno de Publicidade e Propaganda e no curso existia o “Projeto Nelson Rodrigues” onde a turma era dividida em duas e encenava peças. Adaptei o roteiro e fui ator na peça “Cheque de amor” e ganhei prêmio de melhor ator do projeto. É, tenho meu lado “rodrigueano” também.
E Nelson amava futebol, era comentarista esportivo e fazia antológicas análises sobre os jogos mesmo muitas vezes chegando atrasado à peleja ou não prestando atenção no jogo. Nelson não precisava ver jogo: ele criava o jogo e fazia do embate algo muito maior do que realmente foi.
Disse em uma de suas grandes frases como citei acima que o Fla x Flu surgiu quarenta anos antes do nada. Mas na verdade surgiu em 1912, por coincidência (ou não) no ano de nascimento do Nelson. O dramaturgo com sua voz soturna diria que “coincidências não existem, o Fla x Flu foi meu companheiro de berçário” e talvez tenha sido mesmo.
Do berçário pode ter nascido seu amor pelo clássico. Tricolor apaixonado, para o seu clube do coração criou frases como “Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar”. “O Fluminense é o único time tricolor do mundo. O resto são só times de três cores”. “Grandes são os outros, o Fluminense é enorme”. E alfinetando o Flamengo disse “O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente!”.
Mas ele também admirava o Flamengo e para o clube fez pensamentos como “O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja.”. “Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia.”. “Todo brasileiro é um pouco rubro-negro. A alegria rubro-negra não se parece com nenhuma outra. Não sei se é mais funda ou mais dilacerada, ou mais santa, só sei que é diferente”. “Se Euclides da Cunha fosse vivo teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a história do povo brasileiro”.
E a que gosto mais: “Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: Quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas, tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável”.
Como já disse Nelson e o Fla x Flu nasceram em 1912 e o clássico já nasceu de forma polêmica. O Clube de Regatas do Flamengo já existia desde 1895, mas o futebol só foi fundado em 1912, com dissidentes do futebol do Fluminense. O time tricolor, insatisfeito com o comando do clube, bandeou-se para o Flamengo e para surpresa de todos os dois se enfrentaram nas Laranjeiras e o remendado Fluminense venceu por 3×2 seu antigo time titular.
E isso acabou se tornando uma tônica do clássico com o favorito sendo desbancado boa parte das vezes. Senti isso na pele já como torcedor do Flamengo em 1983 quando no minuto final o time campeão de tudo do Flamengo tendo Raul, goleiro campeão do mundo debaixo de suas traves perdeu o título carioca para o Fluminense de Assis. E em 1995 quando em nosso centenário e com Romário no auge em campo perdemos com gol de barriga de Renato Gaúcho. Um grande trauma futebolístico.
Mas Fla x Flu também foi feito de bons momentos para mim. Em 1986 vi Zico e Sócrates juntos com a camisa rubro-negra e Zico fazer três gols calando a torcida do Fluminense que lhe chamava de bichado. Vi em 1989 uma goleada por 5×0 do Flamengo com Zico marcando seu último gol na carreira e em 1991, final do carioca vi Júnior com quase 40 anos novamente campeão pelo Flamengo.
É um clássico diferente, citado no hino do Flamengo como um “Ai Jesus”. Um clássico de alegria, cores, o preto e vermelho misturado ao verde, branco e grená (ok, pra muitos vermelho e grená são a mesma coisa) trazendo um charme todo especial e imprevisível. Imprevisível como ver o Fluminense na terceira divisão do brasileiro vencer o Flamengo e pensar que o Flamengo de um jeito combalido como está hoje com uma das administrações mais nojentas e repugnantes que já vi em algum órgão pode sim vencer o Fluminense que hoje lhe é muito superior tecnicamente.
O Fla x Flu é um grande assunto dessa semana, os 100 anos do clássico, tanto que até a Globo trouxe o Galvão Bueno para narrar a partida. Contudo, devido a um fato que ocorreu quarta passada não é o assunto do futebol da semana.
Caso Nelson Rodrigues fosse vivo diria que “Os corinthianos nessa última quarta saíram de todos os grotões do Brasil, até os mortos levantaram de suas tumbas capitaneados por Sócrates e foram para o Pacaembu ver o que já estava escrito há dez mil anos. A redenção da fiel, a maravilhosa insanidade de fazer parte de um bando de loucos”. 
É inegável o crescimento do Corinthians nos últimos anos. Muitos dizem que por apoio governamental. Realmente o ex-presidente Lula ajudou muito o clube inclusive lhe dando um estádio de forma no mínimo estranha. Muito do crescimento se deve também a alianças político esportivas, como com a CBF que para muitos ajuda o clube em suas arbitragens e outros tipos de benefícios. Outros falam também da relação com a mídia, realmente existe uma forçada de barra querendo empurrar o clube na goela dos expectadores, tudo isso é verdade.
Mas também é verdade que o Corinthians se organizou minimamente. O Corinthians mostra a um bagunçado e apequenado Flamengo que um clube pode sim ser popular, democrata e sério. Democracia nunca pode ser sinônimo de bagunça. O Corinthians em 2008 estava na segunda divisão, nas trevas e bastou uma administração séria, bastou o Andres Sanches e um eficiente e arrojado departamento de marketing para que o clube que estava no inferno ganhar vários títulos e agora realizar o maior sonho de sua existência.
Simplesmente Corinthians e Flamengo sempre foram os clubes mais populares e bagunçados do Brasil. O Corinthians deixou de ser bagunçado.
Corintiano é diferente sim. Ele é chato, muito chato chegando algumas vezes a ser insuportável, mas é assim porque ama demais seu clube. Eles não têm a primazia do amor, todos amam seus clubes, o torcedor do Íbis lhe ama.
Todavia, mais uma vez invocando Nelson Rodrigues eu digo que o corintiano tem vocação pro sofrimento, a depressão. Enquanto o rubro-negro é gozador, falastrão, talvez incorporando o jeito carioca de ser o corintiano é sofrido, é depressivo, ele acha que tudo pra ele é mais difícil e ninguém gosta dele.
Estão certos: ninguém gosta deles.
Entretanto aí vem aquela dúvida do biscoito. Ninguém gosta devido à postura deles ou a postura deles é assim porque ninguém gosta? Não sei, mas a verdade é que o Corinthians, mesmo não sendo a maior torcida do Brasil como alguns veículos de comunicação querem nos impor, cresce a cada minuto e pode sim vir em algum tempo a ser não só o clube mais estruturado como o mais popular do país, porque ao mesmo tempo que ele cresce o Flamengo definha na mão de assassinos de sua história. Gente que não tem nada a ver com o grande Flamengo que eu disse acima.
[N.do.E.: a diretoria atual do Flamengo quando assumiu podia escolher entre ser o Barcelona ou ser o Piraquê,  clube social da zona sul do Rio. Optou por ser o Piraquê.]
É muito fácil culpar mídia e políticos apenas pelo Corinthians virar centro das atenções e tapar os olhos para o que acontece com o clube. Sua direção paquidérmica, seus métodos de trabalho ultrapassados, sua estrutura politica bagunçada, elitista e nociva, sua disciplina frouxa, sua estrutura pequena e uma torcida que estranhamente se cala como se recebesse compensações para tal. Aqueles garotos que iam mudar o mundo agora assistem a tudo em cima do mundo ganhando dinheiro e possivelmente recebendo ingressos gratuitos pra revender.
Espero que sinceramente o Flamengo se reerga. Ele é gigante por sua própria natureza e com uma administração tipo a do Corinthians vira o dono do circo tal qual o elefante que não conhece sua força e assim a gente pare de aplaudir Libertadores conquistadas pelo Corinthians, grandes campanhas do Vasco, contratações bombásticas do Botafogo e sentir que pode ser coadjuvante em um jogo centenário com um forte Fluminense.  
Parabéns Corinthians por sua conquista, parabéns ao bando de loucos que nada mais são que um bando de apaixonados que sonharam tanto com esse momento. Nunca foi tão merecido, mas apenas uma coisinha…
… Parem com esse amargor com quem torce contra, com esse ódio. Nesse ponto vocês não são melhores que ninguém, já torceram contra os outros como todo mundo torce contra seus rivais. A graça do futebol é essa: secar o seu rival, a gozação no dia seguinte. Se fôssemos todos irmãos torcendo um pelo sucesso do outro dando as mãos não seria futebol, seria USA for África.
Vão comemorar, pular, brincar, festejar, sambar, gritar que são um bando de loucos, soltar foguetes, vão curtir que são os libertadores da América e não encham o saco. Calma, to brincando hehe.
Salve o guerreiro clube do Parque São Jorge e aos centenários dessa coluna. Vocês são fundamentais para o esporte e a vida desse país.
Parabéns aos meus amigos corintianos comemorem muito.
Coincidência esses assuntos todos em uma mesma coluna? Acontecerem ao mesmo tempo?
“Deus está nas coincidências”
 (Nelson Rodrigues)
P. S. – Na semana passada o Editor Chefe ilustrou a coluna com uma foto de FHC e Maluf, passando a impressão que todos fazem alianças escusas e é importante pra governabilidade. Lembrei-me de quando eu tirava notas baixas, minha mãe me dava bronca e eu alegava que a classe toda tirara também, ela respondia “Não me interessa a classe, interessa você”. 
Não me interessa se o FHC fez aliança com Maluf, nunca votei nele. Interessa o Lula que sempre votei porque ele e o PT pregavam ser diferentes e quanto à governabilidade e comparações com o Paraguai, a realidade brasileira é bem diferente. Hoje com a facilidade das redes sociais e um maior conhecimento da realidade do brasileiro em geral não vão derrubar governo tão facilmente – o caso “mensalão” é a prova disso.
Só derrubam governo se não tiver apoio popular e convenhamos, um governo sem apoio do povo, do congresso e do judiciário tem mais que sair mesmo.
E podem me chamar de romântico, mas prefiro ser deposto com minhas ideias que governar sem minha alma.
Orun Ayé!