Nesta quarta, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, faz um interessante estudo de caso de uma realidade que no exemplo é americana, mas que ocorre inclusive aqui no Brasil: o chamado “marketing de emboscada” esportivo.
Tim Tebow e o Marketing Esportivo: estudo de caso
Todos devem se lembrar da transferência de Peyton Manning para o Denver Broncos no futebol americano – ela foi o mote para a coluna sobre “Salary Cap”. O texto de hoje irá explorar uma conseqüência indireta da mesma.
Com a ida de Peyton para Denver, o quarterback titular do Broncos em 2011-2012, Tim Tebow, ficou sem lugar no time – seria um reserva de luxo apenas. Assim, o Denver o trocou para o New York Jets – onde ele também não será titular absoluto, diga-se de passagem.
Mas não quero aqui discutir a situação de jogo para Tebow, mas os limites do marketing extra-campo, oficial e não oficial.
Tebow, para quem não conhece, é uma figura nova no futebol americano. Surgiu na última temporada como um jogador jovem e promissor de um time tradicional (o Broncos) que não vinha passando por uma boa fase.
Além disso, ele se destacou por sua extrema devoção religiosa, herdada de seus pais que eram missionários batistas nas Filipinas, onde ele nasceu. Mal comparando, ele é o Kaká americano. Ainda nos tempos de universidade, ele escrevia referências bíblicas no eye black (aquela tinta preta usada abaixo dos olhos para reduzir reflexos) nos jogos.
Ao subir para a NFL, embalado por uma série espetacular de jogos pelo Broncos, ele criou uma verdadeira “Tebowmania”. Ainda mais com sua extrema devoção cristã em um local em que o protestantismo é levado a sério dentro dos EUA.
Inclusive foi criado um neologismo, já incorporado oficialmente ao léxico americano: “Tebowing”, para o ato de fazer a genuflexão em oração que Tebow sempre faz antes de entrar em campo e em jogadas importantes quando há tempo para isso – foto no início deste post.
The tebowing act
A onda “tebow-religosa” foi tão grande que nos jogos do Broncos só se via camisas do Broncos com o n° 15 dele e no lugar do nome estar escrito “Jesus”. Ato que Tebow não só aprovou como chegou a incentivar em algumas entrevistas.
Só que, de repente, colocam esse novo jogador, figura controvertida e ainda não acostumado a lidar com todos os percalços da fama no maior e mais cruel mercado dos EUA: New York.
Em New York a mídia chega a ser perversa. É uma cidade com um mercado consumidor esportivo enorme (não à toa todas as ligas profissionais tem, pelo menos, dois times na cidade) e com vários veículos de mídia disputando esse mercado.
Não raro nessa disputa eles acabam resvalando no sensacionalismo, sempre procurando (e arranjando) problemas dos jogadores (principalmente dos mais visados) apenas para colocar na manchete e vender jornais, o que acaba expondo mais os times e seus jogadores em âmbito nacional.
Inclusive o jornal de maior circulação, o NY Post, pertence à News Corporate, que vem a ser o conglomerado de mídia de Rupert Murdoch (aquele dos grampos clandestinos no Reino Unido). Preciso dizer algo mais sobre este ponto?
Com esse cenário, mal Tebow chegou e já temos um problema interessante, que, inacreditavelmente, não foi iniciado pelo NY Post.

Um site especializado em vender camisas não-oficiais (porém com imagens populares entre torcedores), o Cubby Tees.com, colocou a venda uma camisa inspirada no símbolo do novo time de Tebow, o NY Jets, porém com alguns símbolos trocados e escrito “My Jesus” no lugar de “NY Jets” e um peixe com uma cruz no lugar da bola de futebol americano (imagem acima).

Semana retrasada, os advogados de Tim Tebow enviaram uma notificação (no direito norte-americano é uma “cease and desist letter”, porém acredito que a figura mais próxima daqui é a notificação) obrigando o site a retirar de venda a camisa sob pena de Tebow acionar a empresa solicitando a retirada de venda judicialmente e o pagamento de danos a ele.

Na mesma alegava que o site estava se utilizando de práticas comerciais enganosas e usando o nome de Tebow indevidamente. O site se defendeu dizendo que eles são artistas e não querem desrespeitar os direitos de ninguém, porém não deixariam de proteger os seus direitos autorais. Também utilizou em sua defesa que a imagem é “positiva e inócua” e o gráfico é correto pois em tempo algum menciona Tebow ou o NY Jets.

Isso liderou a um rebuliço seguido de um belo debate nos EUA que quero estender ao Ouro de Tolo. Até que ponto o “marketing não-oficial” pode se utilizar de imagens conhecidas e protegidas por direitos autorais para, usando o “subconsciente coletivo”, faturar em cima?

A discussão se torna ainda mais interessante quando verificamos alguns aspectos desse problema.

Primeiro: apesar de claramente inspirado no logo do Jets, em momento algum a imagem em si faz referência direta ao logo oficial.

Segundo: em momento algum o nome de Tebow ou qualquer referência direta a ele é feita, mas apenas a uma figura universalmente conhecida e devotada: Jesus Cristo.

Terceiro: o site deixa bem claro que a camisa não é autorizada pelo NY Jets, por Tebow ou pelo “Son of god” (filho de Deus, em inglês).

Por outro lado, o site claramente em seu argumento de venda, relaciona a camisa a Tebow. Inicialmente pela própria URL da camisa que termina com “TebowJesus.html#”.
Depois, o próprio site escreve que a camisa “lays off the themes of Tebow’s faith and his new team – borrowing from the J-E-T-S to promote J-E-S-U-S, with a fish for a football, and “MY” replacing “NY” with a color scheme that will be familiar to Jets fans”.

Em tradução livre: “brinca com os temas da fé de Tebow e seu novo time, pegando emprestado o J-E-T-S para promover J-E-S-U-S, com um peixe no lugar da bola de futebol americano e “MY” no lugar de “NY” com um esquema de cores que será familiar aos fans do Jets”.

Ou seja, em seu argumento de venda, o site realmente se utiliza da figura de Tebow para promover a camisa, no que é bastante parecido com o “Marketing de Emboscada” (vide nota), tema bastante em voga quando se estuda sobre marketing olímpico. Basicamente trata de se utilizar um evento esportivo para se associar e capitalizar em cima deles sem pagar qualquer direito ou patrocínio para o mesmo. O COI lutou (e continua lutando) intensamente contra isso, que quase matou a imagem do marketing olímpico após Atlanta 1996.

A discussão está posta e os argumentos de ambos os lados mostrados. Que o inteligente leitor do Ouro de Tolo tire suas próprias conclusões. Eu tenho as minhas, porém não as revelarei para evitar influências nos pensamentos de vocês.

Nota: o termo em inglês é “Ambush Marketing”, que traduzido ao pé da letra seria “marketing de camelô”. Como claramente não é esse o conceito que se quer trazer à tona, me utilizei da tradução feita por Marcus Vinícius Freire (ex-chefe de missão do COB e atual superintendente executivo de esportes do mesmo) em seu livro “Ouro Olímpico” (editora Casa da Palavra, selo COB Cultural).

P.S: a partir dessa coluna, a Made in USA irá tirar umas férias longas dos esportes americanos, mas por um bom motivo. Como “consultor não-oficial de esportes olímpicos” do Ouro de Tolo farei uma série de colunas especiais sobre os Jogos Olímpicos, aproveitando o fato de que eles já começam em 27 de julho (e devo tirar férias só para acompanhá-los). Também pretendo encerrar a série com os preparativos para a Rio 2016, que estou acompanhando de perto já tem quatro anos.

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