Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloisio Villar, traz um assunto bastante interessante: os “vilões” que permeiam nossa vida.
Os Vilões
Recentemente fiz uma coluna falando de meus ídolos e é comum falarmos de nossos ídolos, aqueles que nos formam e nos moldam graças a seu talento e personalidade. Mas tem um gênero que nunca lembramos e é quase tão importante quanto. Também nos molda, nos forma, mas de outra forma.
O que seria do Superman se não fosse o Lex Luthor? Do Batman sem Coringa, Pinguim?
Sim, os vilões.
Todos nós tivemos nossos ídolos e nossos vilões, aquelas pessoas inesquecíveis e muitas vezes tão bacanas, honradas e talentosas quanto nossos heróis, mas que em algum momento fizeram calar nossa alegria e forçaram nosso pranto. O primeiro vilão que minha memória tráz a tona é Paolo Rossi. O jogador da seleção italiana antes da copa do mundo da Espanha em 1982 passou por sérios problemas em seu país, até impedido de jogar bola por acusações de envolvimento no esquema de corrupção com a máfia da loteria.
E a Itália estava mal na Copa. Os jogadores não falavam com a imprensa, o time se classificou na bacia das almas para as quartas de final enquanto o Brasil encantava o mundo e fatalmente com seu futebol arte seria campeão. Acabou que os dois times se encontraram nas quartas e final e o que aconteceu?
A Itália e principalmente Paolo Rossi decidiram jogar. O atacante fez três gols e eliminou uma das gerações mais fantásticas do futebol mundial impedindo que ela fosse campeã. Isso faz trinta anos e todos os brasileiros que viveram aquilo não conseguem esquecer o nome Paolo Rossi. Os brasileiros que nasceram depois também são íntimos desse “vilão”. Talvez ele seja mais reconhecido no Brasil que na Itália.
Mas não foi o único..
A França de Platini me fez chorar na copa seguinte, assim como Maradona e Caniggia na copa da Itália, mas tem um francês…
…tem um francês que só em pronunciar seu nome os amantes do futebol brasileiro gelam. Zinedine Zidane.
Tirou o nosso penta na copa de 98. Em uma final controversa que até hoje pairam dúvidas e lendas urbanas. Zidane, que não fizera nada naquela copa, tornou-se nosso algoz com dois gols levando a França a seu primeiro título mundial. Oito anos depois ele repetiu a vilania. Chegou à partida contra o Brasil quietinho, ninguém falava dele, só em sua aposentadoria e o craque acabou com o jogo e com nosso sonho do hexa. Curiosamente, Zidane é muito amigo de alguns jogadores brasileiros vítimas de sua vilania, como Ronaldo e Roberto Carlos.
Mas também há outros vilões em esportes diferentes e terreno doméstico.
A geração dos anos oitenta que torcia para Ayrton Senna e Nelson Piquet sentia calafrios com o nome Alain Prost. Outro francês em nosso caminho e esse irritava demais porque não errava. Prost não era o piloto mais rápido, mas era cerebral. Os fãs do Piquet lembram com amargor o campeonato de 1986 em que a disputa era de Mansell contra Piquet e no fim os dois perderam o campeonato para Prost.
Os de Senna lembram 1989 quando o brasileiro foi desclassificado de uma corrida depois de bater no francês em uma manobra suspeita dele e assim o título cair no colo de Prost [N.do.E.: na verdade, como Senna não venceu o GP da Austrália, último da temporada, Prost seria campeão mesmo que a desclassificação não tivesse ocorrido]. No ano seguinte Senna deu o troco e estava sacramentada uma das maiores rivalidades da história do esporte.
Outro piloto que os brasileiros torcem o nariz é o alemão Michael Schumacher que estreou na Benneton no lugar de Roberto Pupo Moreno, dizem ter sido um dos responsáveis pela aposentadoria de Nelson Piquet e vinha batendo constantemente na pista Ayrton Senna quando este morreu. Os fãs de Senna tratam como heresia quando alguém diz que Schumacher foi o maior de todos os tempos. Dizem que ele só tem números expressivos devido à morte de Ayrton.
Para os fãs do voley tem a seleção femninina de Cuba comandada por Regla Torrer e Mireia Luiz que evitaram dois ouros olímpicos brasileiros em 1996 e 2000, além de jogos que acabaram em pancadaria devido à provocação das cubanas.
Os cinéfilos se lembram do italiano Roberto Begnini que com seu filme “A vida é bela” evitou o Oscar de “Central do Brasil”. Militantes de esquerda vêem Fernando Collor de Mello como a pessoa que “jogando baixo” evitou que Lula e o PT chegassem ao poder em um momento mais “puro” da esquerda. Assim como os EUA sempre viram a União Soviética como vilã, hoje vêem Cuba, Irã e Coréia do Norte e todo o planeta que não reza por sua cartilha lhe vê.
Eu que sempre fui um cara mais vidrado em esportes tive quatro vilões em relação ao Flamengo.
Por curiosidade os quatro também jogaram no clube.
O primeiro foi Romário. Ele adorava fazer gols no Flamengo e com seu jeito marrento provocava raiva. Demorou que eu o aceitasse, mesmo já fora do Vasco, na seleção. Para minha grande alegria um dia jogou no clube e se tornou um de seus maiores artilheiros. Mas depois voltou ao Vasco para cometer suas vilanias.
Foi vilão e virou herói. Caminho inverso de Bebeto que explodiu no futebol pelo Flamengo e um dia trocou o clube pelo Vasco conquistando o ódio da torcida rubro-negra que acredito, ainda perdure. Edmundo sempre teve sorte contra o Flamengo, fazia gols e tirava os rubro-negros do sério. Passou pelo Flamengo e teve uma passagem discretíssima onde seu maior feito foi apertar “as coisas” para a torcida do Vasco em um clássico no Maracanã.
E o último: Renato Gaucho, que tirou o título do centenário do Flamengo com um gol de barriga [N.do.E.: em impedimento] e adorava provocar quando fazia gols e conquistava títulos sobre ele. Mas também foi um jogador importantíssimo do Flamengo e fez um gol inesquecível para mim contra o Atlético Mineiro no brasileiro de 1987.
O futebol é um espaço de muitos vilões como o que saiu recentemente, o ex presidente da CBF Ricardo Texeira. Por muitos anos Antonio Carlos Magalhães foi considerado o vilão do país, hoje essa pecha cai no colo de José Sarney, o símbolo do atraso e do coronelismo. Temos vilões entre os pastores que enriqueceram através da fé e os empresários que com propinas ganhavam licitações como as denúncias da última semana no Brasil.
E temos Jerome Walcker, o secretário geral da FIFA que disse que o Brasil merecia um chute no traseiro.
Sempre somos heróis de alguém ou vilão. Depende do ângulo que nos vêem. Sou compositor de samba-enredo, entro em muitas disputas por ano e provavelmente alguém me vê como vilão mesmo eu não sendo um cara mau.
Porque aí que tá o segredo, o vilão não é necessariamente um cara mau. Existem sim canalhas como eu citei nessa coluna, mas aí não existe só a vilania, tem o mau caratismo. Mas o vilão antes de tudo é importante para o nosso dia a dia e nossa vida. Porque eles que nos fazem querer vencer, eles que nos desafiam a querer melhorar sempre e quando nos derrotam mostram que não somos invencíveis e nos ensinam a dar a volta por cima.
Sejam os vilões externos como os internos. Nossas fraquezas, pontos fracos, traumas, eles só são derrotados quando nos superamos. Temos que derrotar um Paolo Rossi por dia e que bom que seja assim, se não tivéssemos os vilões nossas vitórias não seriam tão saborosas.
E quando queremos, quando temos força de vontade não há kriptonita que nos derrube. Não se esqueça… O mocinho sempre vence no fim e se ainda não venceu é que o fim ainda não chegou.
Sai pra lá Paolo Rossi…

Chico Anysio

A coluna já estava enviada, editada, pronta para ser colocada no blog quando chegou a notícia já esperada, mas triste. 
Em um domingo em que falei de vilões menciono no fim um grande herói: Chico Anysio.
Chico Anysio fez o Brasil rir por sessenta anos e na noite de sexta, em que coloco esse adendo, faz chorar. Cresci rindo com o Chico, aprendendo com suas aulas de humor e conhecendo um pouco mais de nossa sociedade através de suas críticas recheadas de ironia e graça. 
Chico dizia que o humor era primo da poesia e era o local perfeito a protestos e críticas. Concordo com ele, o humor sempre foi uma grande ferramenta para isso: desde Chaplin imitando Hitler até Chico vestido de deputado pedindo que pobre se explodisse ou de professor reclamando de salários. 
Chico Anysio se fosse americano morreria bilionário [N.do.E.: Boni, em sua biografia, afirma a mesma coisa]. Era um artista completo, não apenas um comediante. Um ator que se saía muito bem na comédia. 
Ele foi precursor do stand up e além de revelar muitos grandes artistas da atualidade deu emprego para outros que tanto nos divertiram, mas pela idade, essa mania feia do Brasil de achar que velho não presta, estavam encostados.
Graças ao Chico e suas enormes asas muitos deles puderam ter um fim de vida com dignidade e aplauso. 
Chico Anysio era gênio e para ser identificado assim bastava ter feito as músicas “Rio Antigo” e “Rancho da Praça XI”, músicas das mais lindas já feitas e que emocionam todos que amam o Rio de Janeiro. 
Mas esse cearense de Maranguape que tão bem traduziu nossa cidade e sua época áurea não ficou satisfeito e ainda fez 209 personagens que entraram pra história de nossa arte. 
Impossível contar a história das artes do Brasil sem mencionar Chico Anysio. 
E hoje me despeço de Popó, Pantaleão, Azambuja, Justo Veríssimo, Painho, Salomé, Nazareno, Jovem, Bento Carneiro o vampiro brasileiro, Coalhada, Roberval Taylor, Haroldo o hetero, Santelmo, Tavares, Alberto Roberto, Tim Tones, Professor Raimundo… 
Que descansem em paz junto com o mestre na mentira que é a morte. 
Porque Chico Anysio é imortal. É mentira Terta?
Orun Ayé!