A partir de hoje temos uma coluna nova no Ouro de Tolo: a “Made in USA”, assinada pelo advogado, portelense e tucano (ninguém é perfeito) Rafael Rafic. O foco serão os esportes norte americanos, mas também teremos textos sobre as eleições americanas e os próximos Jogos Olímpicos de Londres.

A coluna será quinzenal, a princípio às quartas feiras. No texto de estreia Rafic mostra que os tão incensados cartolas americanos são, muitas vezes, iguais aos nossos…

Lá, como Cá: Cartolas e Suas Ideias Mirabolantes

Olá, leitores do Ouro de Tolo!

Vou logo me apresentando: sou Rafael Rafic, tenho 23 anos, um advogado na teoria, mas um AAA (assessor de assuntos aleatórios) na prática laboral atualmente, já que trabalho em uma área razoavelmente distante do direito. Portelense e um amante de baseball.

Por este último fato, como o Editor Chefe está enveredando pela área dos esportes americanos desde que descobriu o New York Giants e o futebol americano, me apresentei para fazer uma coluna sobre esportes americanos. No Brasil, por excelência, denominamos de esportes americanos as quatro principiais ligas profissionais dos EUA, que vem a ser a MLB (baseball), NFL (futebol americano) a NBA (basquete, a única realmente conhecida do grande público brasileiro) e a NHL (hockey no gelo).

Já aviso que o foco principal dessa coluna serão as duas primeiras ligas citadas. A NBA é bastante divulgada no Brasil, inclusive em jornais de grande circulação (como o Lance), nos quais o leitor deste blog poderá ler opiniões muito mais avalizadas do que as minhas, que não sou um conhecedor profundo de basquete. Já a NHL (da qual também não sou especialista) é pouco conhecida e procurada mesmo para o nicho dos canais voltados para o público daqui de esportes americanos.

De qualquer forma isso não impedirá que eu fale delas aqui em algum momento.

De modo geral tentarei apresentar aqui não apenas um relato jornalístico dos acontecimentos, mas na medida do possível mostrar a realidade dos esportes americanos e o porquê do sucesso de organização e administração deles se comparado com o nosso, que é um desastre. Espero fazer uma reflexão para pensarmos algumas mudanças que podemos implementar aqui, apesar de todas as diferenças culturais, econômicas e legais envolvendo as entidades esportivas.

Para começar, a coluna hoje aborda uma notícia recente do baseball que serve para mostrar que patetices e mudanças das regras em cima da hora (com todos os problemas que um improviso de última hora pode dar) não são uma especialidade brasileira.

Antes disso, faço alguns esclarecimentos já que o baseball e a MLB não devem ser conhecidos de 99% dos leitores deste blog. Inicialmente, para quem quiser ler as regras do baseball direto na fonte, dou aqui o link do download da versão oficial da MLB de 2011.

Porém reconheço que as regras são extremamente complicadas. Assim, já puxando sardinha para o meu lado, recomendo a leitura das lições de um blog que eu e um amigo, CJ Ballantine, fizemos em um projeto surgido ainda nos bons tempos do primeiro Blog do jornalista Lédio Carmona, o Entenda baseball (quase) sem lágrimas. Leiam da postagem inicial (na primeira lição), para que faça sentido.

Já sobre a estrutura da MLB, são 30 times divididos em duas ligas, a American League (AL, Liga Americana), com 14 times e a National League (NL, Liga Nacional) com 16 times e não há ascensão ou rebaixamento. São sempre os mesmos trinta times que compõem a grande liga. Na verdade cada time é uma empresa, ou melhor, uma franquia, como chamam os americanos e a liga abre novas franquias a seu bel prazer quando acha necessário/rentável e não tenha nenhuma atualmente inviável sob o aspecto financeiro. Uma expansão não ocorre desde 1998 e não há a menor perspectiva de ocorrer nos próximos 10 ou 15 anos.

A temporada de baseball é bastante diferente de tudo o que conhecemos aqui. Ela começa em abril e termina em setembro (com as finais em outubro) e compreende 162 jogos. É exatamente isso: 162 jogos! Como a temporada tem, em média, 185 dias, todos os times jogam quase todos os dias. Para facilitar a logística de viagens e reduzir custos, o calendário é feito para que os times se enfrentem seguidamente por três ou quatro dias (excepcionalmente cinco) consecutivos. Esse ponto é chave para o problema que desenharei a seguir.

Também para reduzir custos e evitar muitos confrontos entre times distantes em um país com quatro fusos diferentes como os EUA (e os fusos serão outro ponto chave), tanto a AL como a NL são divididas em 3 divisões: East, Central e West (leste, central e oeste). São 5 times na AL East, na AL Central, na NL East e na NL West; 4 times na AL West e 6 times na NL Central. Para 2013 já está acertado que o Houston Astros mudará de liga, sairá da NL Central e irá para AL West, igualando todas as divisões com 5 times.

Classificam-se para os playoffs os campeões de cada divisão além do time de melhor campanha que não ganhou sua divisão (o Wild Card, WC). É aqui que começa o problemão que armaram para esse ano.

Desde o fim da grande greve dos jogadores de 1994, a MLB adota um esquema simples de playoffs de 8 times (4 times da AL e 4 times da NL) que se enfrentam em séries melhor de 5 jogos (1ª rodada) ou de 7 (2ª rodada e final, a chamada World Series). Por enquanto, tudo ótimo.

Só que a insaciável sanha americana de produzir “emoção” a qualquer custo, aliada a uma pressão enorme das TVs e da própria direção da liga em aumentar os playoffs para simplesmente aumentar receitas (sem se importar com a qualidade do jogo) não podia deixar isso parado. Então inventaram uma idéia (para mim, louca) de criar um segundo time WC, sendo que os 2 times WC se enfrentariam em um jogo único (para criar a tal emoção) a fim de decidir quem seria o quarto time dos playoffs de cada liga.

Só que, após algumas idas e vindas, deixaram para implementar a mudança de regra apenas no dia 2 de março – já valendo para esse ano, sendo que a temporada começa no dia 28 de março e todos os times já estavam em pré-temporada… A questão é polêmica e nem todos engoliram isso com tranqüilidade.

Para piorar, pelo atraso na divulgação da nova regra, todas as datas da temporada e dos playoffs já estavam acordadas com as emissoras e não poderiam ser mudadas e ainda teriam que enxertar dias extras para descanso e deslocamento dos jogadores.

Como os EUA são gigantes, pode acontecer de um time jogar esse jogo extra na 3ª feira em Los Angeles e ter que se deslocar para a Philadelphia jogar na 4ª feira o primeiro jogo dos playoffs (só aí são quatro mil quilômetros e três horas de jet leg). Por causa desse pandemônio a MLB se viu obrigada a mudar (também em cima da hora) a ordem do mando de campo da primeira rodada dos playoffs.

Eram dois jogos na casa de quem tem mando, dois jogos fora e um quinto jogo final de volta na casa do mando. Para esse ano, virou para dois jogos fora e três jogos seguidos na casa de mando. Resultado: o time que avançar para a segunda rodada em cinco jogos terá que jogar sete jogos em nove dias. Isso é um absurdo para playoffs, mesmo para os padrões loucos do baseball.

Só no dia 9 de março (uma semana depois do anúncio), um outro “gênio” pensou: a temporada regular acaba na 4ª feira e o jogo extra será na 6ª feira. Se houver empate na temporada regular para alguma vaga, teremos um jogo desempate na 5ª feira. Mas como faremos para chegar lá no dia seguinte se eu jogo na Califórnia às cinco da tarde (oito da noite na costa leste)? E aí tivemos uma corrida de remarcações de horário dos jogos do último dia da temporada: teremos jogos começando ao meio-dia no horário local – horário maravilhoso para um jogo no meio de semana que pode ser primordial, não é?

Terminando de fritar o omelete temos a seguinte possibilidade (perfeitamente possível), apenas por causa da impulsividade de um presidente de liga e do espírito oportunista de alguns magnatas que ganham dinheiro sem jogar: o Arizona Diamondbacks fecha a temporada regular jogando em Miami contra o Marlins na 4ª feira.

Só que ele empatou na luta pelo segundo WC com o Milwaukee e joga em casa, na cidade de Phoenix, o jogo desempate na 5ª feira (3.200km e 2 horas a menos no fuso). Como o Arizona ganhou o desempate e se tornou o segundo WC, jogará contra o primeiro WC, Philadelphia Phillies, fora de casa na 6ª feira (3.400 km e 2horas a mais de fuso).

Supomos que o Arizona heroicamente ganha do Phillies e tem que voltar para casa correndo a tempo de sediar o primeiro jogo dos playoffs em Phoenix já no sábado (3.400 km e duas horas a menos de fuso) contra um time que descansou desde 4ª feira. É justo com o Arizona? É humano para os jogadores? Claro que não. E tudo isso só ocorreu por um devaneio de algumas pessoas que é muito $atisfatório para outros…

Estão vendo? Isso não é privilégio do Brasil.

P.S.: por ser esse um ano eleitoral nos EUA e ano olímpico, não estranhem se as vezes eu me distanciar dos esportes americanos e dar meus pitacos nesses 2 temas em que gosto de “meter o bedelho”.