Mais uma sexta feira e mais uma edição de nossa coluna sobre cinema, assinada pelo crítico, cineasta e professor Marcelo Ikeda. Uma vez mais, publicada em conjunto com o blog “Cinecasulofilia”.
Inquietos
Neste ano há um filme que vi que me deixou num sentimento estranho. 
 
Ele certamente não é tão bom ou tão consistente quanto os filmes anteriores deste diretor, de que gosto muito. Talvez o filme nem seja tão bom assim, mas acontece que, quase um mês depois de tê-lo visto, eu ainda não consegui digerir esse filme por inteiro. 
 
Há algo desse filme entalado em mim, que não “desceu redondo”, que me deixou um sentimento de incômodo, de estar perdido. Há algo que me atrai no tom em que o diretor desenvolveu esse filme mediano, mas que eu não sei explicar bem. Há algo que mexeu comigo só dias após sua projeção mas que eu ainda não sei muito bem o que é. Não sei se é um tumor, ou apenas um pequeno incômodo meio passageiro. 
 
Como uma lombriguinha que vai roendo o seu estômago mas que não é nada demais.Espero né, porque na verdade não sei bem o que é. Vi diversos outros filmes melhores e mais interessantes, mas este, logo este, fermentou algo dentro de mim. Me deixou inquieto, de modo que voltei a pensar nele logo agora e não consigo mais dormir. 
 
É o Restless (Inquietos), do Gus Van Sant. Eu até entendo que possa achá-lo um filme covarde, um certo passo atrás na filmografia de um diretor que já fez Gênio Indomável mas depois resolveu seguir um caminho muito pessoal dentro de um certo cinema contemporâneo americano. Eu até entendo mas não penso assim. 
 
Penso curiosamente que Restless é um filme corajoso, porque ele não se coloca num lugar confortável, mas o filme se situa num entremeio muito ambíguo entre o “cinema de fluxo” de Elefante, Gerry, Paranoid Park e o “cinema indie” de Gêmio Indomável, etc. 
 
Ou seja, pelas recepções ao filme, vejo que ele agradou a poucos: decepcionou a quem esperava uma coisa e a quem esperava outra. Não importa: curiosamente vejo que esse filme é coerente com a filmografia do Gus Van Sant de buscar fazer um filme jovem. O que me interessa especialmente neste filme é a sutileza do tom que o diretor encontrou para encenar uma historiazinha meio banal. É como o diretor utiliza recursos que ecoam uma fragilidade dos personagens (essa fragilidade ecoa da alma dos personagens para um modo muito particular de apresentá-los e de fazer com que convivamos um pouco com eles…) mas que ao mesmo tempo é uma forma honesta de encenar o eterno desafio de tentar viver. 
 
Ou melhor, essa fragilidade não é derrotista, niilista ou anacrônica mas é simplesmente uma forma honesta de tentar mostrar os desafios desses personagens que procuram tentar viver o que lhes resta, mesmo que não seja o ideal. 
 
Existe uma beleza nessa falta. Mas falta. 
 
Minha relação com esse filme começa desde o tipo e o tamanho da fonte que ele usa nos créditos iniciais, e cresce com a luz maravilhosa que invade o espaço do edifício da primeira sequência do filme em que os personagens se olham (aliás, eu gosto muito de toda a luz do filme). A forma como ela gira o pescoço. Não sei bem. 
 
Há algo no filme que me seduz e que me apavora. É um filme sobre a morte. Inquietos é um filme zen. Talvez digo isso pelo fantasma japonês que está lá no filme. Os personagens são meio que crianças que não querem crescer, meio que presenças fantasmáticas, propensas ao desaparecimento. São leves, não temem a morte. Mal querem ser percebidos. 
 
E o filme encena esse cântico de despedida não como um cântico fúnebre mas como um ritual de aceitação da perenidade das coisas, com uma leveza zen. A forma simples como o renomado Gus Van Sant abraça de forma carinhosa esse filme de pequenas ambições é algumas vezes comovente. Um filme que flutua e desaparece, assim como os personagens. Um filme feito de cinema, de impressões passageiras.

Ao mesmo tempo há algo ali que fica mas que não sei bem o que é.