Esta semana houve dois episódios que deixaram claro ao grande público que o projeto das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), vendido pelo Governo Estadual do Rio de Janeiro como a solução dos problemas de segurança pública, possui pelo menos algumas fraturas sérias.

O primeiro foi na segunda feira e envolveu o assassinato pelas costas do presidente de uma das associações de moradores da Rocinha. De acordo com investigações policiais ele seria um dos “braços direitos” do traficante Nem, ex-líder do tráfico no morro e que está preso. Também de acordo com as investigações ele foi morto por traficantes rivais, que disputam o comando do tráfico no morro com remanescentes da quadrilha do traficante encarcerado. 

Segundo afirmações públicas de alguns policiais, a morte do “líder comunitário” foi apenas o início de uma nova guerra pelo controle da venda de drogas naquela região.

O segundo ocorreu anteontem a tarde mas veio à tona na edição do jornal Extra de ontem: traficantes armados invadiram a sede da Mangueira e inviabilizaram o processo de inscrição das chapas para a eleição da escola, que se realizaria no próximo dia 28 de abril. Mais ainda: anunciaram que não haveria a eleição e que entronizariam seu candidato no cargo. De acordo com o atual presidente Ivo Meirelles em entrevista ao RJ TV, os livros de atas de eleições foram roubados e o barracão da escola na Cidade do Samba estaria vazio.

Leitor mais atento deve estar se perguntando: mas a afirmação geral não é de que as UPPs “pacificaram” as comunidades?

Pois é. Basta se prestar um pouco mais de atenção ao noticiário para se perceber que há alguma coisa que não funciona exatamente como o marketing do governo e os aplausos de setores conservadores da imprensa apregoam.

A sensação, confirmada por informações aqui e ali, é que na verdade a “retomada” do território basicamente significa impedir que os traficantes portem armas ostensivamente e que haja assaltos nas ruas dos entornos das comunidades – como se fala aqui, “no asfalto”. A ocupação policial ostensiva teve este poder dissuasor, embora particularmente eu nunca tenha entendido o porquê das instalações das UPPs serem previamente anunciadas.

O problema, entretanto, é que como afirmei outras vezes a UPP não está muito além disso: ocupação ostensiva a fim de propiciar uma sensação de segurança à população. Também não ataca outro problema sério, que é o da ocupação pelas milícias de extensos territórios na cidade do Rio de Janeiro – e quem leu os livros que deram origem aos dois filmes “Tropa de Elite” ou ainda assistiu ao segundo filme da série sabe que este é um problema ainda maior que o tráfico. Reconheço que houve alguns avanços importantes no combate às milícias, contudo são iniciativas a meu ver bastante tímidas ainda.

Vale lembrar também que dado o efetivo requerido por este tipo de ocupação a formação dos novos soldados da Polícia Militar está sendo acelerada e estes recrutas recém formados estão saindo da formação diretamente para integrar o efetivo destas UPPs. Ou seja, são policiais com zero de experiência.

A meu juízo a política das UPPs é uma estratégia insustentável a longo prazo. Entretanto, sem dúvida alguma tal instituição se converteu em um manancial precioso de votos nas últimas eleições para o governador reeleito Sérgio Cabral. A sensação de segurança percebida tanto pelos moradores de favelas quanto especialmente pelos formadores de opinião levou à formação de uma massa crítica de apoio à continuidade do projeto.

Por outro lado, sem a intervenção do Estado através de outros instrumentos de política pública a tendência era de que no médio e longo prazo houvesse um esgarçamento desta estrutura e a volta à uma realidade anterior. Entretanto, o que se depreende destes fatos mencionados e de outras situações recentes – como o escândalo de corrupção na UPP do São Carlos, que resultou recentemente na prisão do ex-Comandante da unidade – é que está havendo uma espécie de “acomodação” entre os interesses da Polícia e das práticas criminosas nestas comunidades: mantém-se a aparência de tranquilidade e a sensação de segurança nas comunidades e no entorno e o tráfico de drogas continua de forma mais discreta como contrapartida.

Este tipo de “acomodação”, a meu ver, vem exatamente do fato de a ocupação policial ter se tornado um fim em si mesma. Não sou especialista em segurança pública mas me parece claro que qualquer ocupação territorial não pode ser mantida de forma infinita apenas pela polícia, sob pena de retornarem práticas criminosas – e a própria corrupção policial. À ocupação policial deveriam ter se seguido políticas públicas de inclusão efetiva destas comunidades a fim de confirmar a manutenção deste território retomado nas mãos do Estado.

Entretanto, o que se percebe é que as iniciativas neste sentido, embora existentes, são ainda bastante preliminares. A ocupação policial se tornou um fim em si mesma, e não um meio para confirmar a retomada de espaços pelo Estado antes transformados em feudos de criminosos. Com isso começam a aparecer evidentes fraturas neste modelo, e estes dois casos desta semana são emblemáticos neste aspecto.

Urge a meu ver uma desmilitarização da ocupação, com a presença estatal através de serviços básicos e da presença de seus representantes em áreas como educação e saúde. Contudo, desconfio que este modelo será mantido da maneira em que está até a Copa do Mundo e em especial os Jogos Olímpicos, de forma a proporcionar uma sensação de segurança que, embora real, não se sustenta a longo prazo.

Finalizo este post com um comentário: nem sempre quem parece ‘mocinho’ é realmente ‘mocinho’. Fica a dica.

(Foto: Extra)

2 Replies to “As fraturas do modelo das UPPs cariocas”

    1. Não entendo nada de segurança tb, mas gostaria de lembrar que para o futuro das comunidades, as crianças estão conseguindo frequentar o colegio com maior regularidade, não existe mais ostentação de riqueza do tráfico, o que certamente arrebatava muitos jovens pelo ‘glamour’, sensação de enriquecimento fácil e por se apresentar a única alternativa para muitos. Isso a longo prazo é bom, pois a comunidade terá oportunidade de pensar em outras alternativas para melhorar de vida, como estudar, buscar um emprego dígno…é evidente que precisamos de serviços publicos de qualidade, mas não dá pra negar que acordar todos os dias com defuntos na porta de casa, ou ter que se trancar e se esconder embaixo da cama com tiroteios diários tb não provoquem um sentimento de anestesiamento na comunidade, e uma inversão de valores, por serem cenas comuns e tb pelo fato de o tráfico se apresentar como única autoridade dentro da favela, até a entrada das UPPS.
      Gostei do post e concodo em partes, mas tb não dá pra esperar de um governo, que dura de 4 a 8, um resultado de mais de 40 anos de abandono total dessas comunidades.
      Mais um ponto importante é que a Rocinha não tem a upp funcionando ainda, porém era esperado que existisse resistenca, até por ser o ponto principal de distribuição de drogas na cidade…aquela históri de não ter resistencia estava estranha…e agora estamos vendo ela acontecer e o governo combater.
      Por fim, apoio esta iniciativa por ter sido a única desde que nasci…rs!
      Belo post.
      Bjs

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