O leitor já deve ter percebido que há algum tempo não escrevo sobre política ou economia. Além do carnaval, que dominou este espaço, em minhas férias pouco vi noticiários sobre estes temas. Aliás, ainda teremos posts sobre a recente viagem que empreendi a terras gaúchas.
Entretanto, nestes dias pós carnaval me chamou a atenção a notícia de que José Serra será o candidato a prefeito de São Paulo nas próximas eleições. Havia uma indefinição no PSDB paulista sobre se haveriam prévias, mas seguindo seu estilo personalista e autocrático ele impôs sua candidatura.
Não sou cientista político nem nada parecido, mas esta decisão do ex-candidato a presidência me parece bastante arriscada, para se dizer o menos. O político paulista tem pelo menos dois grandes óbices ao sucesso de sua candidatura, que analisaremos abaixo.
O primeiro foi o que se sucedeu quando de sua primeira passagem pela prefeitura paulistana, entre 2003 e 2004. Serra assinou um documento em cartório dizendo que não renunciaria ao mandato para concorrer a outros cargos. Entretanto ele se afastou para concorrer ao Governo do Estado em 2004, mandato que também não conculiu ao se desincompatibilizar para ser derrotado uma vez mais à Presidência.
Obviamente seus adversários irão explorar tal fato na campanha, em especial no horário eleitoral gratuito e em eventuais debates. Serra certamente ganhará a pecha de político que não cumpre o que diz, para se ser suave na adjetivação. E quem garante que ele não terá novamente a mesma atitude, largando o cargo para disputar o Governo do Estado ou a Presidência?

Resta saber como o eleitorado reagirá.

A segunda a meu ver é muito mais séria.
Como Serra pode ser candidato tendo contra si as arrasadoras conclusões do material levantado no livro “A Privataria Tucana”? Ok, já sabemos que em termos criminais quase todas as acusações do livro prescreveram (à exceção do processo de quebra de sigilo contra sua filha), mas sabemos que no campo político estas possuem um poder bastante destrutivo à imagem do candidato, que por si somente já possui uma elevada rejeição.
Ainda que o político esteja “blindado” pela chamada grande mídia, os programas eleitorais gratuitos e os debates deverão expor as conclusões do exemplar, mostrando que além de ser um político egocêntrico e autocrático houve grande evolução de seu patrimônio pessoal sua e de seus familiares na política. Os indícios de lavagem de dinheiro e de outros ilícitos são bastante claros e sem dúvida alguma Serra terá de conviver com este fardo na campanha.
“Fatores de risco” expostos, vamos entender o porquê desta decisão.
Ao que me parece, o PSDB paulista tentou com isso abortar as negociações entre o PSD do atual prefeito Gilberto Kassab com o PT, envolvendo uma chapa conjunta. Serra candidato obriga o alcaide paulistano a estar aliado a si, haja visto que o atual prefeito foi vice e depois asumiu o mandato com a saída do ex-candidato à presidência.
Minha análise é de que, por mais que o eleitorado paulistano esteja cada vez mais guinando à direita, pelo menos ao público formador de opinião, as recentes atitudes do prefeito – e, não podemos nos esquecer, do Governador Alckmin – no sentido de retomar a velha política de que “a questão social é caso de Polícia” estão gerando um desgaste bastante acentuado.
Operações como a da “Cracolândia” e os repetidos incêndios em favelas para dar lugar a empreendimentos imobiliários – embora não se possa afirmar que seja ação da prefeitura – causaram grande desgaste junto aos segmentos formadores de opinião pública, de modo que a meu ver o apoio do prefeito hoje mais atrapalhe que ajude. Isso fora outros problemas como a inspeção veicular e assemelhados, que também pesam no cálculo eleitoral.
O PT deverá vir com o ex-Ministro da Educação Fernando Haddad, um nome que agrada à classe média paulistana e que apesar de problemas ocorridos com o ENEM tem uma rejeição muito menor e menos problemas para carregar. Além disso há a possibilidade de ter como vice Gabriel Chalita, ex-tucano que se afastou do partido justamente por divergências com o grupo de Serra – embora isto ainda não esteja definido.
O ex-presidente Lula deverá entrar de cabeça na campanha de Haddad, o que deverá se transformar em um adversário de peso na campanha.
Serra certamente está apostando nos habituais 30% do eleitorado que sempre vota no PSDB, e apostar na queda de sua rejeição no decorrer da campanha e nos habituais dossiês contra inimigos dos quais sempre lança mão. Entretanto o fardo me parece bastante pesado e é uma candidatura, a meu ver, com boas chances de acabar em mais uma derrota – que não somente selaria o final de sua carreira política como ainda diminuiria as chances de um sucesso em nível nacional nas eleições presidenciais de 2014.
Outrossim, o estilo desagregador do candidato, mostrado uma vez mais nesta definição, tende também a pesar contra suas chances – é histórica a rixa com o governador Alckmin e não se sabe das consequências da implosão das prévias que definiriam o candidato tucano. E a presença de Serra ainda nacionaliza a campanha, o que a meu ver deixa o PSDB em uma posição ainda mais delicada.
Enfim, é uma candidatura que envolve um cálculo bastante arriscado, em minha modesta visão.
Finalizando, devo lamentar a postura de certos “jornalistas” da grande imprensa, inclusive membros da Academia, que estão se comportando muito mais como porta vozes do PSDB e de Serra que como “jornalistas” na acepção exata do termo. Isso já vem ocorrendo há bastante tempo mas nada tão cristalino como neste processo. Algo a se lamentar, ainda mais porque é vendido como “notícia”, “imparcial”.

11 Replies to “O arriscado cálculo de José Serra”

  1. Acho que Serra tem grandes chances de ganhar. Paulista só vota no PT para presidência, em sua capital e Estado quer (sabiamente) distância. Haddad só fez trapalhadas no MEC e ainda como todo autoritário que se preze atrapalhou gerações de crianças forçando uma idade mínima de entrada em cada Série. O que faz que uma criança que nasça em 1 de abril perca todo o ano letivo para uma que nasceu um dia antes. É um crápula, mal caráter e que mal sabe organizar um teste. Pífio para gerir a cidade de São Paulo.

    Serra tem contra si a obra ficcional de um pau-mandado do PT, que mal gerou coceira no Congresso à respeito, por ser inóqua.

    Quanto aos incêndios é muita viagem colocar na conta de quem quer que seja. Menos, colunista, menos…

  2. “Troll” pq critico sua coluna? Não entendi. Ou vc faz coluna para todo mundo dizer amém?

    Não vou dizer quem é “troll” comandado pela Sonsinha pq sou educado e vc, a despeito deste comentário abusado em relação ao que escrevi, parece ser um cara sincero embora iludido pela crença nas possibilidades de um Haddad do Programa Enem Zero.

  3. Caro Flávio,

    Infelizmente toda vez em que escrevo sobre o PSDB aqui aparece um monte de troll para me aporrinhar. Se você não é um destes, peço desculpas.

    Sobre o Enem, a questão é um pouco mais complexa, podemos conversar em PVT se assim o desejar. Mas ainda acho a situação de Serra bastante complicada, pois sequer unir o PSDB ele faz. A derrota dele seria conveniente para outros líderes do partido.

    sds

  4. queridao, alckimin foi eleito governador depois de ficar em 3o na eleicao passada pra prefeitura (c o curriculo q tem e perdeu pra KASSAB rs). quem mais o apoiou? serra.
    pegue o discurso da vitoria. ele mesmo diz isso.

  5. Acho Serra um político decadente. Mas ainda é um figurão deste partido tb decadente, o PSDB. O paulista geralmente tem o bom senso de não votar no PT, com seus projetos ultra-populistas e políticos bastante desqualificados em gestão. Entretanto o PT conta com o apoio da mídia e do farto dinheiro que as estatais jorram para preservar este partido. Vai ser difícil fazer do Haddad, de triste lembrança no MEC, um postulante engolível. Mas se fizeram a proeza de eleger uma poste presidente da república quem sabe o errado sou eu mesmo, e o Haddad, para azar e infelicidade do povo paulista, realmente seja eleito. Não que Serra seja maravilhoso, longe disso. Mas é mais do mesmo. E agora talvez mais rancoroso por estar mais velho e cada vez mais isolado. Enfim, como em todo país as opções paulistas não são boas.

  6. Ao Prates: vale lembrar que as relações entre Alckmin e Serra se deterioraram bastante de lá para cá.

    Flavio, sinceramente com todos os problemas que o PT tem – e são muitos – não quero o PSDB de volta ao Governo Federal de jeito nenhum. E repito que a questão do Enem é um pouco mais complicada que parece.

    Por outro lado, se tem uma coisa que o PT não tem é justamente o apoio da mídia. Ao contrário.

    sds

  7. A candidatura Serra tem nome e sobrenome: desespero duplo. Da parte do Serra, sua carreira política está sepultada. Para quem não tem nada, é um morto-vivo na política, qualquer risco é válido. O Serra acabou. Mas com aquela cara de vampiro, é justo que sonhe em ressuscitar dos mortos. É sua única via para tentar emplacar seu nome a alguma coisa para 2014, que já seria mesmo sua última chance.
    Já o PSDB não tinha um nome forte. Juntando todos, não dava um para medir forças com a artilharia pesada de tantos partidos que querem o cargo. Até por conta do caciquismo de seu diretório paulista, viu seus nomes de peso reduzidos a FHC (fora das urnas), Alckimin (fora desta disputa)e Serra. A chance de derrota é imensa, até porque o debate da disputa será no âmbito nacional. Só que o nome de Serra pode personificar a derrota no candidato, exorcizar os demônios do partido, agradar ao Alckmin e matar o Serra de vez. Se o improvável acontecer e vencer… bem, aí venceu, e também é bom.
    Já para começar, o fator Serra mostrou-se bom para o PSDB, porque definiu que haverá um inevitável segundo turno. E o que aconteceu com isso? Os aliados do PT se arriscaram a lançar candidaturas próprias no primeiro turno. A jogada, no primeiro movimento, está dando certo.

  8. Boa sacada Affonso…esta é a bala de prata do Serra. Se vencer, sobrevive. Se perder, morre no Executivo. Vai tentar ser somente deputado ou Senador daí para frente. Na verdade há uma carência enorme de nomes de qualidade na política em todos os partidos.

  9. Pedro Migão, se PT não tivesse apoio da mídia, que é brutal devido a dependência da mesma a quem tem a “chave do cofre” (BNDES) o Lula seria destituído pós-mensalão e não deixariam barato seu filho de zelador virar multi-milionário.

  10. Só para deixar o registro. A passagem do Serra pela Prefeitura não foi entre 2005 e 2006?
    E com todo o respeito ao Flavio que publicou alguns comentários acima mas não pude evitar as gargalhadas quando li em um dos comentário: “Entretanto o PT conta com o apoio da mídia”. Definitivamente acho que não moramos no mesmo país.

    Fica aí o comentário do Bob Fernandes que explica bem isso: http://www.youtube.com/watch?v=LZQleDJLNMo

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