Retomando o texto de ontem, vamos falar um pouco hoje de cada quesito julgado no carnaval carioca, de acordo com o Manual do Julgador (que ainda é o de 2011). Também iremos elencar alguns problemas que vem ocorrendo nos últimos anos no julgamento, com alguns exemplos.

Vale lembrar que os jurados passam por um curso que não dura mais que 16 horas em sua totalidade, ministrado na Liesa e que conta com a presença ostensiva tanto dos mandatários da instituição quanto dos presidentes das agremiações. A meu juízo e de vários outros estudiosos do carnaval é uma formação claramente insuficiente – ainda mais quando se sabe que os sonhos e os destinos de milhares de pessoas estão na avaliação destes 40 jurados.

O carnaval carioca é julgado através de dez quesitos, a saber: Bateria, Samba Enredo, Harmonia, Evolução, Conjunto, Fantasias, Alegorias e Adereços, Enredo, Comissão de Frente e Mestre Sala e Porta Bandeira. Um a um, vamos a eles, divididos em dois posts: o de hoje com Bateria, Samba Enredo, Harmonia, Evolução e Conjunto, e quinta feira os demais.

O leitor vai perceber como estão inadequados os critérios, como abordei no post de ontem.

Bateria

Na descrição do Manual:

Para conceder notas de 09 à 10 pontos, o Julgador deverá considerar:

. a manutenção regular e a sustentação da cadência da Bateria em consonância com o Samba-Enredo;
. a perfeita conjugação dos sons emitidos pelos vários instrumentos;
. a criatividade e a versatilidade da Bateria.

Aí já temos um problema. O fato de baterias passarem “retas”, sem fazer paradinhas, não se consiste exatamente em um defeito. Ao contrário: “paradinhas” mal encaixadas no samba quebram a cadência da escola – e o jurado, a meu ver, deveria penalizar também. Outra questão é a insistência de apontar problemas de “atravessamento” ou perda de ritmo com audição pelo sistema de som. Este é um quesito que só deve ser julgado em frente a cada módulo, até porque o sistema de sonorização da passarela é horroroso, para se dizer o menos.

Em 2002, a bateria da Mocidade “atravessou” de forma tão feia em frente ao jurado que a bateria simplesmente parou de tocar por duas passadas do samba para acertar o ritmo. Qual foi a nota? Dez.

Samba de Enredo

Na descrição do Manual:

No Quesito Samba-Enredo o Julgador irá avaliar a Letra e a Melodia do Samba-Enredo apresentado, respeitando-se a licença poética.
LETRA (valor do sub-quesito: de 4,0 à 5,0 pontos)

. a letra poderá ser descritiva ou interpretativa, sendo que a letra é interpretativa a partir do momento que contar o Enredo, sem se fixar em detalhes.
 

Considerar:
. a adequação da letra ao enredo;
. sua riqueza poética, beleza e bom gosto;
. a sua adaptação à melodia, ou seja, o perfeito entrosamento dos seus versos com os desenhos melódicos.
MELODIA (valor do sub-quesito: de 4,0 à 5,0 pontos)

Considerar:
 

. as características rítmicas próprias do samba;
. a riqueza melódica, sua beleza e o bom gosto de seus desenhos musicais;
, a capacidade de sua harmonia musical facilitar o canto e a dança dos desfilantes.

Se tem um quesito que hoje na prática é irrelevante no julgamento é este. Se passar com um samba espetacular ganha Dez, se vier com um “boi com abóbora” leva 9,9 – e isso se o jurado não achar o desfile tão bom que acabe dando dez para “não prejudicar”. A queda de qualidade dos sambas tem a ver também com isso, entre outros fatores que já debatemos aqui.

Como exemplos, podemos citar em 2009 “Tambor” e o samba sobre o banho da Beija Flor, que obtiveram todas as notas máximas dos jurados apesar de serem composições de ruins para fracas. Ou o incrível caso ocorrido no Acesso A em 2008, onde um dos jurados considerou “É Hoje”, reeditado pela União da Ilha, como o pior samba do ano. Detalhe é que este é considerado um dos maiores sambas de enredo de todos os tempos.

A lista de absurdos nas notas deste quesito é longa.

Harmonia

Segundo o Manual:

Harmonia, em desfile de Escola de Samba, é o entrosamento entre o ritmo e o canto.

Para conceder notas de 09 à 10 pontos, o Julgador deverá considerar:

. a perfeita igualdade do canto do Samba-Enredo, pelos componentes da Escola, em consonância com o “Puxador” (Cantor Intérprete do Samba) e a manutenção de sua tonalidade;
. o canto do Samba-Enredo, pela totalidade da Escola;
. a harmonia do samba.

Este quesito não tem a menor condição de ser julgado dos módulos atuais, que ficam a uns quatro ou cinco metros de altura. Explico.

Como Harmonia julga o canto do componente, entre outros fatores, com a altura do som da Passarela é impossível se perceber lá do alto se a escola está cantando ou não o samba. Harmonia deveria ser julgada da primeira fila das frisas, na beira da pista. Outra coisa é que há muita confusão com o quesito Evolução, embora sejam coisas diferentes.

Então encontramos aberrações como a Beija Flor este ano, onde a escola passou no último módulo – onde eu estava – com alas e alas e alas mudas, de boca fechada. Qual foi a nota? Dez. Ressalte-se que a Mangueira, que teve o mesmo problema, foi penalizada com um 9,6 – ou seja, diferentes critérios para problemas iguais.

Evolução

Segundo o Manual:

Evolução, em desfile de Escola de Samba, é a progressão da dança de acordo com o ritmo do Samba que está sendo executado e com a cadência da Bateria.

Para conceder notas de 09 à 10 pontos, o Julgador deverá considerar:

. a fluência da apresentação penalizando, portanto, a ocorrência de correrias e de retrocesso e/ou retorno de Alas, Destaques e/ou Alegorias;
. a espontaneidade, a criatividade, a empolgação e a vibração dos desfilantes;
. a coesão do desfile, isto é, a manutenção de espaçamento o mais uniforme possível entre Alas e Alegorias, penalizando, portanto, a abertura de claros (buracos) e a embolação de Alas e/ou Grupos (ex: uma Ala penetrando na outra).

Este é o único quesito que me considero apto a julgar, e concomitantemente é um dos que existem maiores problemas. Uma questão, por exemplo, não observada é a chamada evolução “anda e para”: a escola fica bastante tempo parada e, de repente, evolui às carreiras – até parar de novo.

Outra questão são jurados penalizando escolas que não adotam a formação “matricial” em suas alas – onde o componente tem uma espécie de “linha e coluna” e de lá não pode sair durante o desfile. Isso tira a espontaneidade, que é pedida pelo próprio manual – e a penalização tem sido o inverso do que a regra determina.

Outra coisa é que a “empolgação” não vem sendo observada no julgamento.

Poderia escrever uns três posts somente com incoerências de julgamento neste quesito, mas coloco aqui dois exemplos gritantes, da mesma jurada, no mesmo ano: 2009, quarto módulo (eu estava em frente), Grande Rio e Mocidade abriram imensos e repetidos buracos na cara da julgadora Salete Lisboa. A nota das duas? Dez. Só para o leitor ter uma idéia, se a Mocidade tivesse sido julgada no módulo como deveria ela teria sido a rebaixada, e não o Império Serrano – era caso para 8,5 ou até menos.

Conjunto

Segundo o Manual:

Conjunto, em desfile de Escolas de Samba, é o “todo” do desfile, ou seja, a forma geral e integrada como a Escola se apresenta.

Para conceder notas de 08 à 10 pontos, o Julgador deverá considerar:

. a uniformidade com que a Escola se apresenta em todas as suas formas de expressão (musical, dramática, visual etc);
. o equilíbrio artístico do conjunto.

Este é um quesito que denota uma “impressão geral” do desfile. Aspectos referentes a outros quesitos, como buracos, carros alegóricos com problemas, falta de canto ou fantasias se despedaçando já impediriam a nota Dez neste quesito. Outra questão que é pouco observada é a “quebra de ritmo”: setores muito grandes intercalados com outros pequenos demais, por exemplo.

Bons exemplos de imprecisões são todas as notas máximas da Beija Flor este 2011, bem como um jurado que deu Dez ao Salgueiro, apesar de todos os problemas que a escola enfrentou no desfile. 

Aliás, com os descartes a escola de Nilópolis perdeu apenas dois décimos em todo o julgamento de 2011 – e o desfile da escola, embora não se possa dizer que tenha sido um campeonato injusto, esteve longe de ser perfeito. Ou todas as notas máximas para a Mangueira em 2010, apesar dos evidentes problemas de acabamento dos carros.

Quinta feira abordarei os demais quesitos, mas o leitor já deve ter percebido que existem problemas consideráveis no julgamento das escolas.

2 Replies to “O Julgamento do Carnaval – Quesitos (Parte I)”

  1. Preciso de mais detalhes de como juljar o quesito Conjunto. Pois não consegui muitas coisas e preciso dar uma palestra sobre o mesmo.
    Adorei os teus comentários bem se vê tens um grande conhecimento.

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