E eis que após um longo interregno temos mais uma edição da coluna “Sobretudo”, assinada pelo publicitário Affonso Romero (na foto ao lado). O tema de hoje é uma ode àquelas coisas que, na correria da vida, acabamos nos esquecendo.

Um Brinde à Vida

Saúde, leitor, saúde! O amigo prefere cerveja ou vinho¿  Ai, ai, este teclado… Eu seria capaz de jurar que a interrogação se dava por um “ctrl+alt+w”, mas apareceu esta interrogação de cabeça para baixo e sotaque espanhol.

Bem, caso  sua escolha seja pelo vinho, o brinde proposto é com um chileno Santa Helena Reservado Cabernet-Merlot 2010. Desculpe, não é um grande vinho. Mas está longe de ser ruim. Havia na adega do restaurante do hotel um correto Casillero, que eu adoro. Mas era um Cabernet puro-sangue, e viajo acompanhado de minha esposa e minha sobrinha, que mereceram a suavidade da uva merlot para lhes acompanhar o fillet do almoço. Bebi mais que elas, mas somos bastante comportados e sobrou um pouco – que foi trazido para o frigobar do quarto.

Caso o amigo seja cervejeiro, teve mais sorte desta vez. 

O brinde será da belga Chimay, trapista, dourada-acobreada, consistente [N.doE.: trippel. Boa escolha]. Estava há meses para experimentar uma dessas, sugestão e insistência do Migão, editor-chefe-supremo deste espaço, conhecedor e bom consumidor de cervejas de qualidade superior. Mas caso o paladar do amigo leitor seja mais afeito às cervejas menos elaboradas, de sabor diferenciado porém suave, aceite o brinde com uma leve cerveja alemã de trigo chamada Weinstephaner Vitus – que o amável garçon garantiu ser a mais antiga cerveja, datada de 1040 (ou algo assim, mas a nossa foi engarrafada recentemente), também feita por monges trapistas (e, neste exato momento, se o Migão não me decepcionar, haverá uma nota do editor aqui, confirmando ou refutando esta informação repassada de orelhada pelo colunista).

[N.do.E.: o colunista acertou em termos. A Weinstephaner é a mais antiga cervejaria em operação no mundo, datada de 1040, mas não pode ser considerada trapista – embora tenha origem, também, em mosteiro. Como expliquei em post anterior somente sete cervejarias no mundo podem utilizar este rótulo]

Escrevo a Sobretudo de hoje de Monte Verde, uma incrível quase-cidade encravada no lado mineiro da Serra da Mantiqueira, cuja representante chique é a paulista Campos do Jordão. Não conheço Campos e aposto que Monte Verde é mais legal. O verde não está só no nome do distrito serrano (1400m) do Município de Camanducaia, está em todo lugar que a vista possa alcançar – está agora em minhas narinas, meu pulmão.

Passei aqui, há dois anos, minha última lua de mel. Fato que levou quase 20 anos para se concretizar: meu casamento com a Mara merecia a bênção de um lugar tão mágico. Voltamos agora, para uma mini-temporada de três dias num hotel-fazenda para lá de acolhedor (Hotel Itapuá – www.itapuamonteverde.com.br) que eu recomendo fortemente. Simples e atencioso em tudo, combinando em tudo com a proposta de roça-com-estrutura do local.

E como seria isso¿ (olha a interrogação aí outra vez!). Bem, a internet do quarto é impecável, muito melhor do que a minha conexão caseira; o serviço é de primeira; o restaurante oferece pratos elaborados, mas também uma salada de mini-folhas orgânicas recém-colhidas, puras, a serem regadas por um azeite e um aceto balsâmico, e só. Possui uma adega que dá conta do básico, a cervejaria com boas opções no centrinho da cidade, restaurantes para todos os gostos, chocolates belgas como base para criativas invenções locais e por aí vai.

Então, o bicho-de-asfalto aqui pode se dar aos pequenos luxos urbanos: mas também pode, aos 45 anos, sentir pela primeira vez a sensação de montar a cavalo. Sereno é, como seus colegas de curral, um doce de criatura equina, paciente, gentil. Levou cuidadosamente meu mal conservado corpo nas costas por quase uma hora e me fez perder o receio que sempre me impediu de cavalgar, apesar da vontade ancestral.

Um brinde a isso!

Outro à sauna e à sala de ginástica, à truta com molho de cogumelos, às serigrafias com pequenas corujas nas paredes do quarto, às cervejas simples e complexas, à rede na varanda com visão generosa da mata nativa e das colinas de replantio da Melhoramentos, às estradinhas de terra, à dose de Amaretto del Orso que tão bem coroou o almoço de ontem, à lenha na fogueira, ao dvd Frampton Comes Alive II que eu estou vendo agora, às incontáveis e hidratantes latas de Coca-Cola consumidas sem culpa, à minha filha canina Pandora que é uma companhia de viagem melhor que qualquer criança que eu conheça, às horas de leitura do História das Guerras organizado pelo multitarefa Demétrio Magnoli…

Enfim, a tudo que me fez relaxar um pouco do tanto que eu ando precisando, a desligar por uns dias das obrigações cotidianas (que eu, masoquistamente, atraio para mim) e a todas as coisas que me fizeram parar e escrever mais uma coluna. E poder repetir para o Migão que, apesar de “furar” mais colunas “quase-prontas” do que escrevê-las, talvez eu seja o colunista que encontra mais (ou um dos mais) prazer pessoal em escrever aqui.

Afinal, um lugar como Monte Verde me faz lembrar que, no fundo, eu gostaria de viver disso. Sentar aqui nesta mesa, com um paredão verde lá fora, ao lado da lareira, colocar uma música interessante para tocar e escrever.

Não que eu não viva, de certa forma, do que escrevo. É que os estilos relatório, programação, resposta ao usuário etc. pagam as contas, mas apesar de proporcionarem algumas alegrias eventuais, ainda não se equipararam no meu ideário à poesia, à crônica, ao romance e ao conto. Ainda assim, reconheço, é bem melhor do que carregar pedra, além de me proporcionar coisas como estes dias de prazer serrano.

Um brinde a isso também !

Um brinde ao Migão, que faz aniversário num desses dias que escoltam a publicação desta coluna. Um cara para quem eu já teci loas, a para quem eu recusei a coluna de aniversário deste ano, antes que o bravo leitor viesse me qualificar como puxa-saco do editor. Mas que, ainda assim, em época de festas ou não, merece sempre a menção como o sujeito obstinado pela verdade, pela justiça e pelo direito aos livres pensamento e expressão – e que faz deste espaço um tributo a isso.

Você sabe, leitor, eu e Migão não nos conhecemos pessoalmente. Ou já conhecemos, a depender da data de edição. No sábado, dia 5, passarei pela Ilha e lhe darei um forte abraço. E não teremos tempo para muito mais (e explico a seguir). Incrível esta amizade, realmente verdadeira, mas entre pessoas que se sabem bastante diferentes em muitos aspectos, mas fazem questão do convívio cotidiano, ainda que pelas telas dos computadores. Um brinde às amizades que não precisam de muito (nem de nada) para acontecerem e permaneceram, outro ao encontro, ainda que fortuito.

No mesmo sábado, passarei rapidamente pelo Rio (especificamente, pela Ilha do Governador) a caminho de Petrópolis. Meus pais comemoram Bodas de Ouro, almoçaremos em família e faremos realizar uma missa de Graças. Deus e eles sabem como chegaram aos 50 anos de casamento. Tão diferentes entre si, tantas dificuldades a superar. Eu, um filho, sou uma das poucas coisas que eles têm em comum. E, como mistura de características que sou, tenho que ser quase bipolar para atender às influências subjetivas e determinismos genéticos.

Só que tem o seguinte: eu sou filho único e, além da vida levada ao par em si, eu acabo por ser o único resultado palpável e irrefutável desta união de opostos que, afinal, deu tão certo que perdurou por cinquenta anos em que o mundo desinventou a eternidade.

A responsabilidade é imensa: ser estandarte do que esta dupla percorreu com dignidade e correção. Eles têm defeitos¿ (desisto!!! Editor, mantenha as interrogações castelhanas, como forma de protesto). Bem, têm defeitos¿ Têm, claro que sim. Mas foram pais extraordinários, no sentido em que deram norte, deram de si os princípios que me fazem (mais que isso: “obrigam”) a trilhar um caminho bom. E esta é a boa herança, e também o peso nos ombros: eu não posso decepcionar quem me deu o melhor que há para dar a um filho, uma educação baseada em bons valores.

Eu vivo entre o relapso e o neurótico, autoculpado por cada pecadilho ou pecadão, um perfeccionista cheio de equívocos, um chato que lida muito mal com o erro alheio, e bem pior com os próprios defeitos. E agradeço a cada dia por ser quem sou, por terem me feito assim.

Obrigado meus dois heróis, um brinde a vocês também.

4 Replies to “Sobretudo – Um Brinde à Vida”

  1. Belo brinde à vida! Essa merece ser brindada todo dia, na alegria e principalmente nas dificuldades, que é o que realmente nos faz crescer.

    E um brinde especial aos seus pais. Não é todo dia que comemoramos 50 anos de uma união.

  2. Tim-tim! Saúde, Affonso! Um brinde a vida! Vive la vie! E parabéns aos pais. Boa viagem e curta o retorno ao Rio e a Petrópolis.
    JEFF

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