Neste domingo, o compositor e colunista Aloísio Villar fala um pouco do que ocorre depois que se vence um samba no Grupo Especial.

Day After

Gosto desse nome “Day After”: me lembra um filme que vi no SBT no fim dos anos 80, sobre uma fictícia guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética. Fiquei impressionado com o filme e esse nome nunca mais saiu de minha cabeça.

Aí veio a sugestão do Pedro Migão em falar sobre como é a vida depois que se ganha um samba no Grupo Especial.

E eu respondo: normal. Pronto, coluna encerrada.

Não, não vou fazer isso com ele. Algumas coisas acontecem sim.

Chegar à final já representa algumas mudanças na nossa rotina. Primeiro, que a mídia vai atrás de você. No dia seguinte temos que ir à quadra da escola de samba: lá damos entrevista para o jornal do bairro e tiramos fotos. Durante a semana vemos sites falando na gente, pessoas comentando os sambas e escolhendo qual o melhor.

No dia da final a quadra respira uma atmosfera diferente. Uma grande festa é feita, com muitos convidados. A imprensa está lá, te entrevista, tira fotos, sites e rádios em tempo real mostram as apresentações. Na hora de sua apresentação fotógrafos se juntam na frente do palco e os compositores parecem celebridades. E através do celular eu ia recebendo informações que rádios e sites davam. Soube o que a mídia achou de nossa apresentação assim que desci do palco, através de mensagens de texto.

Aí o samba pode perder ou ganhar. Nesse caso, uma vitória será contada.

O momento logo após o anúncio é inebriante. Uma grande euforia toma conta de nós pela missão cumprida, as pessoas te abraçam, cumprimentam e depois que o samba para vem aquele cansaço feliz que tudo deu certo. Depois que vencemos na Ilha a comemoração foi bem discreta. Alguns da parceria se juntaram pra lanchar e falar sobre os fatos ocorridos na final, sobre a junção como ficou e a expectativa com o futuro.

No dia seguinte já notei pequenas mudanças. As pessoas contam que te viram no RJTV. Pessoa comum só costuma aparecer na televisão quando faz alguma besteira. 

Telefone toca bastante. Pessoas que eu nem lembrava mais ou que sempre me viram com desdém ligaram para dar os parabéns. Outras queridas também. Fui à rua e todo mundo cumprimentou, dizendo que me viram na TV. Nos mercadinhos e botecos que fui falaram que viram.

Na terça, dois dias depois do resultado, já começou o ensaio do coro para o cd. A semana seguinte foi bem cansativa. Foram três dias de ensaio do coro e na sexta estávamos na Cidade do Samba, local onde as escolas têm seus barracões, para gravação do coro e da bateria.

Durante a gravação de bateria fomos encaminhados ao escritório da Liesa (Liga Independente das Escolas de samba), local onde fornecemos nossos dados pra assinatura de contratos. Quem não era associado a nenhuma arrecadadora de direitos autorais teria que ir urgentemente a uma se filiar. Na parceria tinham dois compositores que não eram.

Essas arrecadadoras são filiadas ao ECAD e através delas que recebemos nosso dinheiro. Ele sai mais ou menos em maio ou junho após o carnaval e ele se compõe em direito de execução em rádio e TV, shows e direito sobre os ingressos vendidos para os desfiles. [N.do.E.: eu, por exemplo, sou filiado à Socinpro, para receber os trocados dos sambas vitoriosos na Acadêmicos do Dendê]

Na mesma noite tinha eliminatória no Acadêmicos do Dendê, escola do Acesso D onde eu e Pedro Migão estamos concorrendo com um samba e ao chegar já notei que as coisas estavam um pouco diferentes. As pessoas te cumprimentam, dão tapinhas nas costas. Fui anunciado quatro vezes ao microfone e o samba foi cantado no final do ensaio. O samba da União da Ilha sempre é cantado nas escolas do bairro. O mesmo aconteceu no ensaio do Boi da Ilha no dia seguinte.

E começam as saídas. Chamamos de ‘saídas’ os eventos fora da escola em que vamos lhe representando. No domingo seguinte à escolha tivemos que nos dividir. Uma parte foi pra escola Gato de Bonsucesso e outra em um pagode no bairro dos Tijolinhos na Ilha do Governador. No sábado seguinte uma parte foi à Mocidade Independente de Padre Miguel e outra ao Acadêmicos do Salgueiro.
 

Eu fui ao pagode e no Salgueiro e a situação foi a mesma. Um campeão da União da Ilha e do Grupo Especial é muito bem tratado. No Salgueiro sabiam quem eu era e até camarote rolou. No pagode serviram com bastante churrasco e bebida nossa mesa. Todos muito carinhosos conosco e só posso agradecer a recepção.

O dia mais importante, evidente, ocorreu dez dias atrás quando fomos ao estúdio Cia dos Técnicos em Copacabana ver o Ito Melodia, intérprete oficial, colocar voz no samba.

O estúdio é imenso, de tamanho que eu nunca tinha visto em nenhum – e olha que já fui a muitos. Pelo menos uns três aquários de gravação. Chamamos de ‘aquário’ a parte que os cantores ficam para poder colocar a voz e na nossa vez alguns dos músicos e técnicos de som mais importantes do Brasil. Todos capitaneados pelo Laíla, diretor de carnaval da Beija-Flor e produtor do cd. Um dos maiores conhecedores de carnaval e que já participou de vários segmentos dentro de uma escola de samba, como compositor, cantor, mestre-sala, diretor de harmonia e de carnaval.

É um mundo mágico, deslumbrante.

Lá no estúdio havia uma sala onde os contratos eram assinados. Contratos pra permitir a comercialização do cd, DVD, de transmissão da Rede Globo, direitos autorais, etc. 

Eram mais de trinta folhas para assinarmos e darmos rubrica e foi um processo demorado. Ficamos horas no estúdio, eu sem comer, sem dormir, mas feliz por poder passar aquele momento. Principalmente o Laíla me ver sentado e falar que se lembrava de mim disputando sambas na Beija-Flor, que não venci na escola, mas gostava de me ver concorrendo lá e “Papai do céu” me abençoou na União da Ilha.

Ouvir isso de um cara como o Laíla, ele se lembrar de mim no meio de centenas de compositores que concorrem todos os anos na Beija-Flor não tem preço.

Posso dizer que a vida muda sim. Ninguém fica milionário ou vira astro ganhando no Grupo Especial, mas é diferente que ganhar nas escolas do acesso, como consegui várias vezes ao longo desses onze anos. A pessoa é mais reconhecida, não só sua fisionomia, mas o seu talento é reconhecido. A visibilidade é muito maior, o afago, os elogios…

…e isso é perigoso: a pessoa tem que estar preparada para isso e não se deslumbrar porque é humano que isso ocorra. Tenho a sorte de ter uma boa base familiar que me passou muitos conceitos, me ensinou direitinho como tratar os outros e sobre a vida. Além de já ter anos de estrada, ter concorrido e vencido em outros grupos, ter ganhado prêmios. Isso me preparou pra esse momento.

Infelizmente tenho próximo de mim muitos exemplos de pessoas que passaram por isso que começo agora e sucumbiram diante da vaidade e do dinheiro. Repito o infelizmente pra dizer que eles, alguns ídolos meus, acabam servindo como exemplo de como não agir.

Só mais um dado técnico. Essa semana sai o que eles chamam de “advanced”. É um adiantamento sobre a vendagem do cd. Não é muita coisa, mas dá para salvar o Natal. Na regra da União da Ilha a ala de compositores fica com 40% do dinheiro e o restante é dividido entre os compositores campeões. Assim como quando recebermos o “direito de arena” ano que vem, que são aqueles direitos que já disse acima (shows, desfile, execução em rádio, etc.), a escola ficará com 30%.

Deixando um pouco o tecnicismo de lado e indo pra emoção, que é o que eu gosto.

Dois dias antes de escrever essa coluna foram divulgados os áudios do carnaval 2012. De madrugada consegui baixar a gravação da União da Ilha.

E ouvindo a gravação foi passando um filme em minha cabeça. Eu garoto indo comprar o LP das escolas de samba e levando ansioso em casa para ouvir ou recebendo através do correio a fita K7. quando morei no Mato Grosso entre 1992 e 1995.

Lembrei também de mim indo buscar a primeira sinopse na União da Ilha em 1997. As vitórias e derrotas que tive no samba, as pessoas que me ajudaram a chegar nesse momento e que com a vida fui me afastando ou então partiram.

E foi me emocionando..no fim da gravação com lágrimas nos olhos e sorriso no rosto falei: eu consegui!

Orun Ayé!

P.S.: No momento que essa coluna for ao ar o Acadêmicos do Dendê já terá escolhido seu samba pro carnaval 2012. Que essa coluna traga energia pra nossa vitória.

(Foto: GRES União da Ilha)

One Reply to “Orun Ayé – "Day After"”

  1. Aloisio, parabéns… encha-se de orgulho, pois você é um vitorioso. Sempre foi, mas todos sabemos que vencer na UNIÃO tem um gostinho especial.
    Ah, é junção? E daí?! Seu nome está ali, sua marca é notada e muitas pessoas cantarão o samba, que embalará a escola para uma bela apresentação (estou certo disso) na madrugada da terça-feira de carnaval.
    Impossível ler a parte final de seu texto e não se emocionar junto com você. Parabéns, você é um CAMPEÃO!

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