E chegou dezembro. Já é Natal na Leader Magazine e a propaganda da Globo tem Roberto Carlos cantando “hoje é um novo dia”, Ana Maria Braga fingindo que é empregada doméstica, Luciano Huck de taxista, Faustão fantasiado de garçom e William Bonner bancando o carteiro.
Tenho essas e mais umas mil e duzentas razões para querer despachar o mês feito um ebó pesado na encruza. É por isso que sempre deixo aqui  minha bronca contra essa modorra natalina da moléstia. Esse espaço, enfim, tem por tradição estabelecida abrir o final do ano com um texto defenestrando o período. Aos fatos:
– Podem apostar que as redes sociais serão inundadas por frases sobre renovação, novos tempos, amizade, solidariedade e outras baboseiras, atribuídas a Fernando Pessoa, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector – frases que, evidentemente, nenhum deles escreveu.

– Aguardemos o lançamento de mais um livro com mensagens de boas festas e reflexões sensíveis sobre a amizade, trocadas entre os filósofos Gabriel Chalita e padre Fábio de Mello. O perigo é alguém da firma te presentear com isso no amigo oculto e perguntar: – Gostou do presente?

– Em dezembro o sujeito corre o risco de receber dezenas de emails com um poema sobre a simplicidade da vida, criminosamente atribuído a Jorge Luis Borges. O poema fala do sujeito que na velhice se arrepende de não ter andado descalço, tomado banho de chuva, amado mais, cativado crianças, comido maçãs ao entardecer, soltado os cabelos ao vento e sorrido ao nascer do sol.  Imaginem se Jorge Luís Borges escreveria uma coisa dessas…
– Toda família que se preza tem pelo menos uma tia velha que, no auge da festa de Natal, cai em prantos, anuncia que vai morrer e estraga a ceia. A frase é um clássico: Eu quero dizer pra vocês que esse é meu último Natal; ano que vem eu não estou mais aqui … No ano seguinte lá está ela, vivinha da silva, anunciando a morte próxima e preparada, no fundo, para enterrar a família inteira.
– O sujeito  jura que nunca mais entrará em amigo oculto, que vai romper com o consumismo e os cacetes. Balela. Tem sempre pelo menos um amigo oculto de família  cuja participação é irrecusável. Para esculhambar tudo mais ainda, só mesmo a cena clássica  do parente agregador que insiste em transformar a troca de presentes em um ritual fraterno e descontraído.
– O futebol entra em recesso em dezembro. Não há campeonatos no Brasil. As noites de quarta e as tardes de domingo sem uma partidinha pra justificar a cerveja são tão emocionantes quanto uma corrida de cágados sob efeito de Lexotan.
– Shoppings são sucursais do inferno e os adultos realmente acham que as crianças gostam de tirar fotos com Papai Noel. Os moleques abrem o berreiro, os pais insistem, o Papai Noel tá doido pra enfiar a porrada no capeta mas tem que manter a pose para garantir os caraminguás da santa ceia. Dezembro é o mês em  que, como diria o poetinha, “a criançada toda chega / e eu chego a achar Herodes natural”.
– Acabaram com a festa de Iemanjá durante a virada do ano, nas praias do Rio. As areias não têm mais terreiros na noite do dia 31. Periga o sujeito querer bater cabeça pra rainha do mar e acabar se deparando com um show de Lulu Santos, Jota Quest e Maria Gadú, com participação especial da bateria da Grande Rio e de algum dj fresco, moderninho e antenado com a cena musical inglesa. Eu quero de novo macumba na areia, com direito a Praianinha, charuto Índio, perfume de alfazema, leite de rosas pra mamãe sereia, cidra de macieira e barquinho comprado no Mercadão de Madureira.
– Em dezembro os namorados se sentem mais a vontade para trocar juras de amor em público; geralmente com vozes infantis de erês de umbanda. Dá vontade de chegar junto e cantar pra criança subir. Poucas coisas despertam mais os meus piores instintos do que compartilhar o espaço com casais tagarelando como crianças, berrando publicamente seus apelidos e trocando o r pelo l, feito o Cebolinha.
– Não dá pra ir com tranquilidade a restaurantes em dezembro. O perigo é encontrar uma festa de encerramento de ano do pessoal da repartição. Em meia hora os bebuns amadores – os bebuns de dezembro – chamam urubu de meu louro e começam a gritar. A funcionária padrão, que passou o ano todo tímida, solta a franga, enche a cara e ameaça fazer striptease pro chefe do almoxarifado ao som do funk da moda. No ápice do fuzuê alguém grita que vai começar o amigo oculto. Não satisfeitos com a troca de presentes em público, os participantes ficam, aos berros, dando palpites sobre quem fulaninho tirou. Vômitos no final do furdunço estão incluídos na conta.
– Eu insisto, protesto todo ano, esperneio, faço ebó, escrevo denunciando, mas não tem jeito: Dezembro é o mês em que todas as lojas do mundo colocam em promoção o cd que a Simone gravou, ao lado de corais infantis, com músicas natalinas. O destaque é Então é Natal , a versão em português de uma música do John Lennon mais desagradável do que tratamento de canal no dentista e mais melosa que pudim de guaraná Jesus. Simone termina de cantar de forma apoteótica, gritando, por alguma razão que desconheço, Feliz Natal, Hiroshima e Nagasaky. O bom senso manda se cogitar o suicídio.
– Só em dezembro, enfim, um homo sapiens tem a coragem de se prestar a isso:
Janeiro já, pelo amor de Deus!

10 Replies to “DEZEMBRO NA ÁREA: COMEÇOU A TORTURA”

  1. Caramba que mau humor do cacete, vc deprime qualquer ser humano. É um direito seu não gostar,mas não precisa arrasar com o natal.

  2. Amei o post.
    Odeio dezembro. hahaha
    Odeio pq nasci no dia 27. Odeio pq quando pequena alguns desagradáveis vinham com a desculpa que o meu presente de natal era apenas uma lembrancinha pq 2 dias depois eu ganharia outra lembrancinha. Mas porra, minhas primas ganhavam presentes irados no aniversário. Sempre me ferrava hahahaha.
    Odeio pq a maioria dos meus amigos passavam o natal(maldito natal) na casa daquela avó super longe e claro, faltavam meu aniversário hahahaha
    Odeio, pq sempre vem aquelas frases prontas de que temos que abrir a portinha do coração pq é o nascimento de Jesus. Oi? (mas ele não já morreu?)
    Odeio pq papai noel é um saco. Todo lugar tem um. Ai inventam para as crianças que ele é quem compra o presente para tooooodas as crianças de todos os mundos.

    Saco esse mês.

    Eu digo que é o meu inferno astral apesar de não acreditar.

    Vou ter que compartilhar, pq A D O R E I hahahaha

    Beca Bricio
    http://www.mulherquepariu.blogspot.com

  3. Que o mês de dezembro é o mês da maior roda financeira do ano não é novidade, mas esta semana levei o maior susto em relação a valores festivos.
    Eu e minha filha temos um pequeno negócio de festas , com som animação e afins, eis que na quarta-feira nos liga uma diretora de escola desesperada atrás de um papai Noel para sua festa de encerramento, como não trabalhamos com isso (por enquanto claro) , pedimos um prazo para contatar parceiros , eis que quase cai para trás, o papai Noel logo de cara me perguntou ? – Com ou sem helicóptero? Eu que imaginava que o papai Noel só chegava de helicóptero no Maracanãzinho, respondi, mas é só uma escola… Daí ele falou, minha roupa é de lã de carneiro, tenho trenó, duende… E desandou a falar sobre o que possuía, eu cá comigo pensei , caraca uma mega produção! Mas respondi: Senhor , é só o senhor ficar sentadinho dar adeus com a mãozinha, distribuir presentes e fazer fotos com as crianças. Bom neste caso, custa R$40,00 por criança cada período (a saber, cada período dele são quarenta minutos), ou seja, se a escola tiver quatro turminhas de vinte e cinco alunos cada, terá que pagar R$4.000,00, poooorrrraaaa !!!!
    Compramos duas fantasias na Regente Feijó , uma de papai Noel e Noelete (sic) e coloquei meu genro pra ser o papai Noel e cobrei R$400,00 pratas. Eu heim!!!!!

Comments are closed.