O leitor habitual deste Ouro de Tolo sabe que este blog, seu dono/editor chefe e os colunistas seguem a linha de tentar sempre enxergar um lado inusual nos fatos. Inclusive, é o atual lema deste espaço.
Com a recente morte de um dos fundadores da Apple, Steve Jobs, seu principal líder e artífice da grande transformação sofrida pela empresa em especial na última década, observamos uma série de homenagens ao líder. Falecido de câncer na última quarta feira, Jobs foi entronizado como um dos gênios da indústria de informática e, por que não dizer, de entretenimento.
Entretanto, como tudo na vida, temos o “outro lado”.
Os iPads, iPhones, iPaqs e outros gadgets da companhia americana são em sua maioria fabricados na China, sob um regime semi-escravo. A principal terceirizada da empresa americana é a Foxconn, originalmente sediada em Taiwann e que é uma das maiores empresas do mundo na fabricação de componentes eletrônicos. Além da Apple, ela é uma das principais fabricantes para empresas como a Dell e outras.
Pois é. A Foxconn é uma das empresas com maior índice de suicídios corporativos do planeta, a ponto de ter instalado uma rede de três metros em seus alojamentos a fim de impedir que os funcionários se joguem de seus alojamentos. Foram registrados 23 suicídios em 2010 e este ano mais 10.
Os motivos? Condições desumanas de trabalho.
Empregados da empresa ganham cerca de R$ 270 mensais para trabalhar um número de dez horas regulares de trabalho. Entretanto, o número real é muito maior para se atender às desumanas metas de produção. Além disso, a velocidade da linha de montagem é muito alta e existe uma disciplina militar na lida com os empregados. Nos alojamentos da empresa chegam a dormir dez funcionários no mesmo dormitório.
A pressão é de tal forma forte que um empregado chegou a se matar porque não sabia onde havia colocado  um protótipo de uma nova versão do iPhone.
Steve Jobs, perguntado sobre o assunto, disse que “que a taxa de suicídios na Foxconn, a montadora do iPhone e iPad, está bem abaixo da média desse tipo de morte na China.” Ou seja, sendo uma estatística e com o produto entregue nos prazos e qualidade determinados não há problema em haver funcionários se matando. É a velha postura maquiavélica de que “os fins justificam os meios”.
Ou seja: estressando este raciocínio ao limite, pode-se dizer que o iPhone, o iPad e outros produtos da empresa possuem sangue de suicidas explorados nas suas entranhas. Vidas são ceifadas em nome de eficiência, menor preço e maior tecnologia. 
Sim, leitor: você é cúmplice e responsável por estas mortes – indiretamente.
Ressalve-se que isso não é privilégio da Apple: a Nike, a Adidas e outras também produzem mercadorias sob regime semi-escravo.
Para o leitor ter uma idéia, no livro “A História Secreta do Império Americano”, que já resenhei aqui, um dos capítulos traz a experiência de um casal de jornalistas que trabalhou durante um mês em uma fábrica destas. Ele emagreceu onze quilos, pois a dieta era a base de arroz cozido, o que o dinheiro permitia comprar. As mulheres trabalham com roupas largas quando estão menstruadas, porque só podem ir ao banheiro duas vezes por dia e as calças ficam manchadas de sangue.
Mas não para por aí: a Foxconn resolveu inserir no contrato de trabalho de novos funcionários uma cláusula dando conta que estes “não podem se suicidar”: a empresa não pagaria às famílias indenizações em caso de suicídio.
Ou seja: em nome do lucro e da satisfação dos consumidores relações de trabalho desumanas estão em andamento.
Em abril, no Brejas, tive oportunidade de conversar com um dos executivos que estão no comando da nova fábrica da Foxconn no Brasil,que irá produzir os produtos da Apple aqui. Este me disse que aqui no Brasil a empresa seguiria as nossas normas trabalhistas, mas que isto “era ruim”: iria aumentar o custo. Ele esperava que o governo desse salvaguardas a este “maior custo”.
Escrevo estas linhas para mostrar que não existe ninguém totalmente bom ou totalmente mau: o mesmo Steve Jobs que revolucionou a tecnologia convivia com trabalho escravo de seus produtos, sem se mostrar abalado com isso.
Concluo com um trecho de “A História Secreta do Império Americano”:
“Nós também devenos ter coragem. E generosidade. E precisamos estar dispostos a pagar mais pelos diamantes e pelo ouro, pelos laptops e pelos celulares – e a insistir em que os mineiros tenham salário justo, atendimento de saúde e seguro – e a pagar mais também por mercadorias feitas em fábricas que não explorem seus funcionários, mas os tratem com justiça. Precisamos dirigir automóveis menores e mais econômicos, reduzir o uso total de energia e o consumo em geral e proteger os ambientes naturais e a diversidade das espécies que os habitam. É imprescindível que nos conscientizemos de que cada ato nosso e cada produto que compramos tem impacto sobre outras pessoas e os locais em que elas vivem; coletivamente, nossos estilos de vida determinam o futuro que nossos filhos e netos herdarão.” (pp. 302)
Para saber mais:
P.S. – Eu, pessoalmente, não possuo nenhum produto da Apple

4 Replies to “Steve Jobs, a Foxconn e os suicídios”

  1. Interessante o post e realmente, dá uma dimensão diferente para o que vem sendo noticiado sobre o Steve Jobs.

    Mas fica a questão: será que a maior culpada é a Apple, que se aproveita do regime trabalhista perverso que existe na China, ou o próprio Estado chinês, que submete seus súditos a essas situações desumanas ao não instituir uma legislação efetiva de proteção ao trabalhador?

    Pra mim, existe certamente uma concorrência de culpas, na qual atribuo à Apple o pecado do oportunismo. Mas a grande culpada, inclusive pelas mortes na Foxconn, pra mim, é a própria China, que no afã de se tornar a maior economia do mundo, simplesmente ignora direitos individuais básicos e sujeita os seus cidadãos a essas abominações. Logo a China, que historicamente andou sob a sombra da foice e do martelo, pregando a igualdade…

  2. Mais ou menos, Marcelo. As empresas estimulam a competição entre estes países em busca de menor custo.

    Basta dizer que minha camisa da seleção de basquete brasileira, da Nike, foi fabricada na Indonésia.

    Mas voltarei ao tema. A leitura do livro que indico no post é bem esclarecedora neste aspecto.

    abs

  3. Eu tb não engulo essa comoção midiática pela morte do cara. Mas, se é pra pensar nessa linha, o computador de onde vc escreveu e escreve essas linhas dificilmente não terá componentes odiundos da China — que dificilmente não serão via trabalho semi(?)-escravo (ao menos do ponto de vista ocidental).

    Em outras palavras: ok, vc não tem itens da apple, mas o seu computador está cheio de componentes fabricados na China — e provavelmente por semi(?)-escravos.

    E aí?

  4. Muito boa a postagem!! mas deves levar em conta algumas categorias!! Não deves dulpabilizar a população pelo acontecimento, mesmo que ela veicule o capital de giro para alimentar as grande multinacionais. O fato é que essa é uma ideologia da sociedade burguesa, e como ja dizia marx, as ideias dominantes são da classe dominante. A culpa não é totalmente de Stive Jobs tambem, pois ele apenas segue a ideologia da perfomatividade no trabalho industrial seguindo o modelo Fordista de produção (LER ADEUS AO TRABALHO, DE RICARDO ANTUNES), A culpa é do poder do capital que desde a revolução francesa vem manipulando o seu proprio criador (homem) em busca de mais capital. A China já não é socialista a muito tempo, e para o estado chinês pouco importa se trabalhadorees estão morrendo, eles querem capital, e essa é a lógica, onde até a mídia, telavisão computadores estão a favor do estado, tanto é que essa noticia é surpresa pra muita gente pois não houve divulgação, pois iria cair substancialmente as vendas da apple.
    Que quers fazer análise crítica vá na raiz do problema ou sempre vai ser criticado drasticamente (conselho de estudante para estudante)

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