Neste domingo, mais uma edição da coluna “Orun Ayé”, assinada pelo compositor e publicitário Aloísio Villar. Hoje o tema novamente é o samba insulano, em um relato bastante pessoal.
Assim como o colunista enumera seus ídolos no samba, para mim é motivo de muito, enorme orgulho ter ganho três sambas em parceria com Villar. É uma das grandes conquistas deste sambista aqui, mais observador que ator, mas também com algumas histórias para contar.

Vamos ao texto.

Meus Ídolos e Um Certo Feirante

Na coluna de hoje voltarei um pouco para a história da minha vida e sua relação com o samba e através disso contar um pouco mais da história do samba na Ilha do Governador.

Como já disse anteriormente minha relação oficial com o carnaval, de acompanhar, começou em 1985 quando vi no RJTV uma mãe de santo falar pro Castor de Andrade, patrono da escola, que a Mocidade seria a campeã do carnaval. Fiquei curioso com essa história e decidi acompanhar pela primeira vez o desfile de escolas de samba torcendo pela agremiação de Padre Miguel.

Ela foi campeã, mas no meio da apuração descobri que tinha uma escola da Ilha nela caindo pro grupo de acesso e mudei minha torcida perdendo então a única chance até hoje que tive de ver uma escola minha campeã .

Isso me causa certo desconforto, mas quando lembro que portelense da minha idade e que começou a acompanhar junto comigo, sendo a Portela maior das escolas de samba, a maior campeã da história do carnaval, também não viu ainda sua escola ser campeã pelo menos vejo que não estou sozinho. Essa parte foi só para galhofar com o dono do blog, então voltemos ao assunto.

Como disse, essa foi minha estréia oficial, porque eu sabia que existia desfiles e conhecia os nomes das escolas. Achava o nome “Beija-Flor” bonito e não sei por qual motivo achava que era da Ilha do Governador, depois descobri que não era. Lembro-me também de imagens nos programas jornalísticos do desfile de 1984 da Mangueira.

Enfim, em 1985 tornei-me torcedor da União da Ilha e a escola me recompensou fazendo um belo desfile em 1986 com o enredo “Assombrações” ficando em quinto lugar. Com o passar dos anos e dos desfiles fui me apaixonando cada vez mais pela escola.

Comecei a ver seus desfiles nervoso, torcendo para que tudo desse certo, acompanhar apuração e com o tempo a comprar o LP do sambas de enredo e aprender logo o samba.

Lembro-me que antes do carnaval de 1989 eu fui a uma loja de doces na rua ao lado da onde morava e vi na parede pregada a letra do samba da escola para aquele carnaval, chamada “Festa Profana”. Olhei a letra e dei nada por ela, achei fraca. Dessa letra “fraca” vaio a maior alegria que tive até hoje como torcedor da União da Ilha.      

Acabou que me apaixonei por esse samba e principalmente pelo samba do ano seguinte, “Sonhar com Rei dá João”. Esse samba não é muito cantado, lembrado, mas sou apaixonado por ele e uma coisa me chamou a atenção: eu não sabia como o samba era escolhido, mas vi que os dois sambas eram dos mesmos compositores – Bujão e J.Brito [N.do.E: Franco também é autor do samba de 1989, mas somente muito depois é que seu nome foi acrescentado]. Virei fã deles de imediato, ainda mais quando minha mãe disse que o Bujão chegou a trabalhar em nossa casa fazendo obras. Eu contava orgulhoso para todos que conhecia o autor daqueles sambas, mesmo sem conhecê-lo.

Outros nomes foram surgimento no meu conhecimento e me fazendo virar fã. Em 1989 vi um garoto que morava na rua ao lado tocando cavaco no desfile das campeãs e logo chamei minha mãe para mostrá-lo. “Mãe!! É o Marquinhus!!” Depois descobri que ele tinha anos já de agremiação e nela era chamado de Marquinhus do Banjo. Quando ele, Mauricio 100 e Carlinhos Fuzil ganharam o samba para o carnaval de 1992 eu rapidamente aprendi a cantar o “Sou mais minha Ilha” e fui o primeiro a cantar no colégio, mostrando aos meus colegas.

Assim fui criando ídolos no samba. Em 1991 me frustrei quando vi que Bujão e J.Brito não eram os autores do samba, mas adorei o samba composto por uma pessoa só – chamada Franco. Samba que homenageava outro compositor que eu não conhecia chamado Didi – e que me surpreendeu com sua história.

Sambas embalados por um homem com um vozeirão chamado Aroldo Melodia, que foi substituído em 1993 por Mauricio 100. Nessa época, morando no interior do Mato Grosso, recebi meu K7 com os sambas do ano e descobri a mudança – e também que Mauricio era um ótimo cantor.

Essas pessoas que citei na coluna eram tão ídolos para mim quanto os jogadores de futebol do meu time. Eu não via diferença no amor que tinha entre o Flamengo e a União da Ilha; então não havia diferença entre a idolatria que me despertavam Zico, Bebeto, Renato, Junior, Andrade, Adílio e Aroldo, Bujão, J.Brito, Mauricio 100, Marquinhus do Banjo, Carlinhos Fuzil e Franco.

Para mim a União da Ilha era o Flamengo e uma coisa aconteceu… eu fui jogar no “Flamengo”.

Em 1996 comecei sem querer a ter contato com esse meio ao jantar em um restaurante e nele ver o Bujão também jantando. Tive reação de fã, mas fã tímido. Ficava olhando e pensando “caramba o autor de Festa Profana, o cara que fez o porre de felicidade”. Fiquei com muita vontade de falar com ele até que arrumei coragem e o cumprimentei pelos sambas feitos e disse que era seu fã. Ele agradeceu e disse para eu ir no sábado na União da Ilha porque ele estava com samba lá na disputa. Se eu aparecesse tinha ingresso, bebida e churrasco.

Eu agradeci e fiquei pensando em porque tudo isso, darem tanto para mim só para torcer por um samba. Com os anos descobri o motivo – expliquei na coluna da semana passada. Não fui, mas ele ganhou o concurso de samba de enredo e quatro anos depois foi um dos cantores de meu samba no Boi da Ilha. O primeiro samba que venci.

E assim fui conhecendo um a um. Não cheguei a trabalhar com J.Brito, Aroldo Melodia nem Franco, mas virei parceiro de Marquinhus do Banjo e fomos campeões juntos no Boi da Ilha em 2007 e 2009, no Acadêmicos do Dendê em 2008 e 2010 [N.do.E.: nos dois sambas eu estava na parceria] e na Unidos da Ponte em 2007. Não fiz samba com Aroldo, mas fiz com seu filho Ito Melodia sendo campeões juntos no Acadêmicos do Dendê em 2008 e Unidos do Cabral 2009.

Em 2009 comecei uma parceria com Carlinhos Fuzil e juntos fizemos final na União da Ilha ano passado e somos novamente parceiros esse ano. Mauricio 100 viria na parceria desse ano, mas desistiu por motivos religiosos. No ato de desistir ele virou para mim e disse que confiava no meu talento, eu era um Estandarte de Ouro e tinha certeza que teríamos um grande samba. Ouvir essas coisas de um ídolo é bom demais, como ouvir sempre de Carlinhos Fuzil que confia muito em mim assim como confio e aprendi muito com ele.

Fuzil é o meu maior professor no samba, o cara que sempre me deu conselhos. Que deu “bolo” na minha mão quando perdi no Boi da Ilha em 2000 dizendo que não posso perder na minha casa para samba de fora tendo mais torcida que o meu.

Mas não falei de um ídolo, do meu maior ídolo no samba quando garoto.

Ele era feirante e assim como a grande maioria dos que citei acima e que muitos que surgiram da Ilha do Governador e brilham no samba, começou no Boi da Ilha. Foi cantor do então bloco Boi da Freguesia no tempo que ele tinha mais de setenta sambas em seu concurso e era obrigado a dividir os sambas concorrentes em chaves para se apresentar – durante toda a semana. 

O feirante também era compositor. Com Carlinhos Fuzil fez um samba de duplo sentido que falava de suas atividades na feira dizendo no refrão: “quem quer alho”. Em outro saiu do Boi debaixo de tapas das mulheres porque no refrão cantou que “essa nega fede igual gambá” [N.do.E.: nos dias de hoje, além dos tapas provavelmente sairia algemado].

Em 1985 no ano que virei torcedor da União da Ilha o feirante pela primeira vez foi o cantor da escola na avenida. Repetiu a dose em 1989 e 1990, os anos que citei com sambas que me apaixonei. Em 1991 foi pro Salgueiro e sua ida para lá me doeu como a saída do Bebeto pro Vasco em 1989. Vibrei como a contratação de um grande craque com sua volta em 1994 e quando soube que ele faria show num local que minha mãe estaria pedi que ela me trouxesse um autógrafo dele – e ela me trouxe.

Ele saiu da Ilha novamente e em 1997 na ocasião de minha estréia como compositor descobri que meu pai conhecia esse feirante e me apresentou a ele para que ele cantasse meu samba na União da Ilha. Eu cheio de vergonha e emocionado cantei meu samba de marinheiro de primeira viagem e o feirante educadamente dizia que eu tinha um sambão (mentira, tinha nada), mas que não podia defendê-lo por já ter compromisso.

Ele deixou de ser feirante faz muito tempo. Virou uma das grandes personalidades do carnaval. Ganhou muito dinheiro, fama e hoje é considerado um astro do meio, um showman. Muitos contestam seu talento como cantor [N.do.E.: sou um destes: em minha opinião é mais animador que cantor, inclusive tendo arrasado com o belíssimo “Candaces”, do Salgueiro], mas é inegável seu carisma e que todos param para ver suas apresentações, para sambar, se divertir e gargalhar.

Hoje tenho uma relação de sambista para sambista com ele. Mas foi o herói sambista da minha infância. O cara que botou smoking no desfile de 1990 da Ilha numa manhã de terça de carnaval e eu com treze anos de idade e cheio de sono vibrava com sua apresentação e com seu “arrepia Ilha, pimba, pimba”.

Por que estou falando tanto desse ex-feirante? Porque nesse domingo, quando você estiver lendo essa coluna eu estarei com ele na União da Ilha.  Ele estreará na disputa do carnaval 2012 como cantor do meu samba. Pela primeira vez ele cantará um samba meu e logo na União da Ilha. A cereja no bolo de minha vida de compositor. O ato que vai trazer de volta e emocionar o garoto de treze anos que ao vê-lo gritar “arrepia Ilha” para um samba seu vai pensar “eu consegui”.

Só posso agradecer ao samba que me deu a oportunidade de conhecer, trabalhar e ser respeitado pelos meus ídolos de infância. Devo tudo ao samba e procuro sempre respeitá-lo e mostrar que valeu a pena.

E seja bem vindo Quinho…ai que lindo, que lindo!

Orun Ayé!

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