Neste domingo temos mais uma coluna “Orun Ayé”, assinada pelo compositor e publicitário Aloísio Villar. Hoje seu tema são as amizades feitas através do samba.
Aproveito para dizer que ao final da coluna o leitor poderá conferir letra e áudio do samba concorrente na Acadêmicos do Dendê para o carnaval 2012. O enredo da escola é a União da Ilha e fazem parte da parceria concorrente, entre outros, dois dos amigos abordados na coluna, além do colunista e do titular deste blog.
Vamos ao texto.
Amigos de Fé, Irmãos Camaradas
Eu tenho aproveitado essa época de disputas de samba-enredo pra revelar nuances do samba. Falei da minha vida de compositor, de minha trajetória até aqui e fiz crítica quando falei do “Samba-Enredo S.A.”, mas evidente que o samba não tem só lado ruim. Há coisas maravilhosas também. 
Como eu já disse aprendi muito no samba, tanto ou até mais que o tempo todo que estudei. Aprendi através dos seus enredos histórias que nem imaginava e me aprofundei em outras. Graças ao samba conheci lendas como a criação do guaraná ou mesmo a criação do mundo sobre a ótica Nagô e dos índios kananciuês. 
Aprendi um pouco mais sobre a revolta de Gaia, a história de meu bairro – a Ilha do Governador, sobre os sete povos das missões, Hans Christian Andersen, Pierre Verger, Barbosa Lima Sobrinho… Enfim, tantas histórias que não dá para descrever tudo aqui. 
Assim como no samba tive que aprender e exercer humildade. Nesse meio perdemos muito mais que ganhamos e temos que respeitar todo mundo. Hoje você pode ganhar uma disputa no grupo especial e amanhã perder uma no último grupo. Você descobre que tem muitas pessoas que são tão ou mais talentosas que você. 
E até mesmo nas porradas que o samba te dá você aprende, porque a vida mesmo não é boazinha, a gente apanha muito, vai deixando de ser bobo e aprendendo as maldades do mundo. Sambista tem que ser malandro – não pode tomar rasteira da sombra. 
E o samba me deu aquilo que é o mais importante para o ser humano: deu amizades. 
Pessoas que entraram na minha vida para compor comigo, cantar sambas meus e viraram não só amigos, mas irmãos. Gente que saiu da atmosfera do samba e entrou na minha vida, no meu dia a dia. 
Dizem que os melhores amigos não fazemos bebendo leite. Eu realmente não fiz nem bebendo leite nem nada alcoólico, já que não bebo, mas fiz graças a um batuque. 
São muitos os amigos que eu fiz. Graças a Deus tantos que é difícil enumerar. Eu sou o tipo do cara que não me meto em confusão, não desprezo, nem humilho ninguém e trato com o mesmo carinho e respeito todo mundo. Então por isso não fiz inimigos no samba e fiz muito amigos, alguns com os quais nunca escrevi. 
Como disse foram muitos, como o Pedro Migão, dono do blog, que conheci em uma lista de discussão e viramos não somente parceiros de samba como amigos. Como não dá pra enumerar e falar de todos falarei com mais profundidade de quatro outros. 
Quatro compositores, quatro amigos que mudaram minha vida no samba e no geral. 
O primeiro que conheci foi Paulo Travassos. Isso ocorreu em 1995 quando me filiei ao PDT. Ele era uma figura engraçada, cabelinho estilo Chitãozinho & Xororó e parecia fazer parte daquela esquerda raivosa. [N.do.E.: morro de rir cada vez que imagino o Paulo Travassos com este cabelo]
Mesmo eu não tendo esse perfil fizemos amizade. Sempre nos falávamos lá e começamos a sair juntos. Ir a bares, boates… Viramos melhores amigos um do outro. 
Até que aconteceu aquela história que já falei muito que eu vi em um jornal o anúncio que a União da Ilha estava entregando a sinopse de “Fatumbi, a Ilha de todos os santos”. Fui lá, comecei a fazer o samba e contei para ele. Paulo decidiu fazer também, se juntou com dois amigos e fez um samba. 
O samba dele era muito ruim, ele cantando pior ainda e caiu de cara junto com o meu. Foram vinte sambas eliminados e então decidimos nos juntar para fazer samba no Boi da Ilha aquele mesmo ano e chegamos à final. 
Perdemos aquela final, mas não desistimos. Fizemos muitos sambas mais juntos entre 1997 e 2006. Juntos ganhamos nesses nove anos no Boi da Ilha em 2001/2002/2003, Império da Tijuca em 2003, Acadêmicos do Dendê em 2003/2004/2007 (disputa foi em 2006 por isso falo de1997 à 2006), Unidos do Itaipuaçu 2004, Mocidade de Aparecida 2004 (Manaus) e Acadêmicos do Sossego 2005. 
Dez sambas vencidos, entre eles um Estandarte de Ouro em 2001 com melhor samba do Grupo de Acesso A. 
Paulo se afastou um pouco do samba em 2006 por ter perdido o emprego e ficar em dificuldades financeiras. Voltou alguns anos depois com parcerias novas e agora faz samba esporadicamente. O Paulo é um dos melhores letristas que conheci, melhor que muita gente cultuada. 
Infelizmente o Samba-Enredo S.A. não liga muito para o talento e o Paulo hoje em dia é um desses talentos desperdiçados que muito poderia fazer ao samba e não pode porque é pobre. Paulo não tem grana, não canta, não é de escritório nem se sujeita a pombos, ele tem “apenas” sua arte. 
Não sei se conta muito para ele – acredito que sim – mas no meu coração ele é Estandarte de Ouro, vencedor, baluarte. Um dos melhores seres humanos que conheci, me estendeu a mão quando precisei e tudo que eu conquistar ele fará parte disso. 
Dois anos depois que eu e Paulo entramos no samba conheci o segundo dessa história, o que hoje é o maior parceiro de samba que já tive. O melhor melodista com que trabalhei e um dos melhores amigos que já tive. Cadinho da Ilha. 
O Cadinho é aquele tipo de pessoa que podemos chamar de vencedor na vida. Chegou criança ao Boi da Ilha, então Boi da Freguesia e na Rio Branco olhava o bloco desfilar sonhando em um dia estar no lugar do Quinho como cantor da agremiação. 
Desde cedo mostrou talento para o samba, mas se perdeu no caminho da bebida e das drogas. Foi ao fundo do poço, muitas vezes próximo de morrer e ao mesmo tempo escrevia para a já escola Boi da Ilha. Devido a seus vícios seus sambas eram logo eliminados e ele provocava confusão na quadra. Era mal visto não só no Boi da Ilha como em todas as agremiações do bairro. 
Eu não sabia disso e virei seu parceiro no Boi da Ilha em 1997 e juntos chegamos a nossa primeira final de samba na vida. O sambista de nascimento e o de ocasião chegavam juntos a esse grande momento. 
Perdemos o samba e no ano seguinte Cadinho foi para outra parceria. Perdeu de novo e aí teve a grande mudança em sua vida. 
Cadinho entrou para a igreja evangélica e ficou fora de samba por três anos. Voltou em 2001 outro homem. Não bebia mais, não se drogava, cuidava de sua família e isso foi fundamental à sua subida no samba. 
Eu já tinha ganhado no Boi da Ilha em 2001. Paulo naquele ano de 2001 lhe convidou para virmos juntos na disputa de 2002 e eu fiquei um pouco ressabiado – mas concordei. Ganhamos o samba, o primeiro da vida dele e até hoje me lembro de sua emoção sentando numa cadeira sem ar depois do anúncio. 
Nesses dez anos se tem dois ou três sambas que fiz sem ele foi muito. Tornou-se meu maior parceiro e juntos ganhamos Boi da Ilha 2002/2003/2007/2009 Acadêmicos do Dendê 2003/2004/2007/2008/2010 Unidos do Aquarius (Cabo Frio) 2007/2008/2009/2010/2011, Império da Tijuca 2003, Unidos do Itaipuaçu 2004 Mocidade de Aparecida 2004 Acadêmicos do Sossego 2005, Unidos de Tubiacanga (bloco) 2006/2007/2008, Unidos da Ponte 2007, Paz e Harmonia 2009, Unidos do Cabral 2009… Nada mais nada menos que vinte e quatro sambas. 
A nossa amizade vai além disso, nos vemos quase todos os dias. Vamos a pizzarias, bares, conversamos, nos xingamos, nos zoamos, mas nos respeitamos acima de tudo. Segurou na alça do caixão de minha mãe em 2005 e eu segurei na alça de seu filho ano passado. 
Amigos na alegria, na dor e na arte. Minha alma gêmea musical, cara que eu faço uma letra já pensando no tipo de melodia que ele fará – e ele vai e faz mesmo. Conheci poucos com o seu talento para melodia e é com ele que minhas letras fluem melhor. 
Quanto aquele sonho dele, ele realizou. Foi primeiro cantor do Boi da Ilha na avenida em 2003, 2005, 2006 e 2007. Em 2005 com o enredo “Águas de Oxalá” teve um desempenho magistral, o maior que já vi numa avenida. 
A primeira imagem que associo ao Boi da Ilha é a dele. O mais apaixonado pela agremiação que eu conheci, as vezes acho até que ele não recebe reciprocidade desse amor da agremiação. Mas sei que a história de amor dele e do Boi não acabou ainda. 
O terceiro é o Roger Linhares (no vídeo com Cadinho em 2008), filho do lendário Toco, compositor da Mocidade Independente de Padre Miguel e ganhador de inúmeros sambas na escola. Roger desde garoto descobriu sua vocação para a música já defendendo sambas do pai na agremiação. 
Roger em 1997 começou a defender sambas nas eliminatórias da União da Ilha e por coincidência o samba que eu fazia parte da torcida (mesmo eu torcendo de verdade por outro). De cara surgiu minha vontade e de Paulo de que ele defendesse um samba nosso, mas era algo inalcançável pra gente naquele momento. 
Os anos foram passando e a oportunidade surgiu em 2000. Como já contei aqui antes nosso samba da União da Ilha caiu e teve uma sobra em nosso orçamento. Fomos até ele e perguntamos quanto ele cobrava, ele disse um valor muito alto que tomamos um susto. Então ele rindo disse que era pra nós falarmos quanto podíamos pagar não perguntar quanto ele cobrava. 
Tudo acertado e ele veio pra sua primeira apresentação – dia que estava marcado pra sermos eliminados da competição. Eu e meus parceiros lhe recebemos tensos, tratando-o como uma celebridade e ele chegou com grande humildade contando que tinha feito alterações na melodia e perguntando o que achávamos. 
As mudanças que ele fez foram fundamentais para o samba “Orun Aye” ter o respeito que tem hoje. Como já contei o samba venceu, foi estandarte de ouro e muito graças ao Roger. Ele é tão compositor desse samba ou mais quanto qualquer um que assinou. 
Acabou que como ele estava no carro de som da União da Ilha veio morar aqui em casa. Ele e mais um amigo, o Duda. Aquele ano de 2001 foi de muita farra e amizade, onde pudemos nos conhecer melhor. Eu tinha terminado um namoro e o Roger foi uma espécie de irmão mais velho dando conselhos e broncas quando preciso. Até hoje ele faz isso, aliás hoje no dia que escrevo essa coluna ele me deu uma. 
Entrou para a parceria e junto com ele eu fiz a maior parte do samba do Boi para o carnaval de 2002. Lembro de nós dois no meu terraço e ele desesperado porque não conseguia colocar a melodia do refrão como queria. Conseguiu e nós ganhamos o samba, também ganhamos em 2003 e em 2009 no Boi da Ilha. Os quatro sambas que ganhamos juntos. 
Ele também defendeu meu samba no Boi em 2004, Imperatriz em 2006 e União da Ilha 2011 quando chegamos à final. 
Mas acho que o mais marcante de nossa relação de amizade é que aqui em casa começou seu namoro com sua atual esposa, a Paula, aquela que deu jeito nele. Dessa união nasceu a Rafaela, uma menina linda. Me orgulho de tudo ter começado aqui. 
E por último uma amizade mais recente, apesar de conhecê-lo faz tempo e que tem sido importante na minha vida. Carlinhos Fuzil. 
Na verdade ele era amigo de infância do meu pai e eu não sabia, mas já o conhecia por ser um fã de samba-enredo e ver seu nome nos encartes dos LPs de carnaval que comprava. Fuzil começou bem jovem no Boi da Freguesia e depois de algumas derrotas se juntou a Marquinhus do Banjo e Mauricio 100 tornando-se um papa títulos do bloco e continuou sendo quando o mesmo virou a escola de samba Boi da Ilha. 
Juntando o tempo de bloco e escola de samba o Fuzil é o maior vencedor da história da agremiação e no início dos anos 90 foi com os parceiros pra União da Ilha, revolucionando a ala de compositores da escola. 
A escola que tinha Franco, Aurinho da Ilha, Aroldo Melodia, Marcio André, Bujão e J.Brito se revezando como os campeões de samba conheceu aqueles três compositores vindos do Boi da Ilha. Perderam o primeiro ano, mas ganharam o segundo com o enredo “Sou mais minha Ilha”. 
Tinham uma torcida enorme, apenas de amigos, chamada “turma do copo”, que fazia rifas, vendia camisas do grupo a fim de bancar seus ingressos e suas bebidas em uma época mais romântica do samba-enredo. 
E foi em cima de Carlinhos Fuzil que minha mãe soltou seus impropérios na final que perdi no Boi em 1997. Ele foi dizer que eu tinha futuro no samba e era pra ela se acalmar. Pra quê? Se tinha uma coisa que enervava a dona Regina era que a mandassem acalmar. 
Carlinhos Fuzil virou um grande conselheiro meu, me dando dicas do que fazer na minha caminhada no samba e deu “bolo” na minha mão em 1999 quando perdemos a disputa do Boi para a parceria do Meia-Noite. Ele deu o “bolo” falando que não podíamos perder em torcida nunca para um samba de fora da comunidade. 
A bronca surgiu efeito porque no ano seguinte atropelamos o Meia-Noite. 
Viramos parceiros em 2009 na disputa do Boi da Ilha de 2010 e até hoje não ganhamos um samba juntos, apesar das quatro disputas que entramos juntos e chegarmos a três finais. 
Amadureci muito como compositor e como pessoa depois que comecei a fazer samba com o Fuzil. É o cara que me dá mais conselhos e por incrível que pareça ele consegue entrar na minha mente e jogar as informações que ele quer que eu escreva e assim atualmente sai uma letra minha. É um dos sambistas que mais respeito e saber que ele me respeita me honra muito. 
Muito da minha personalidade e do meu jeito de ser vem desses quatro sujeitos. Pessoas que tem defeitos como qualquer outra, mas que ao longo desses anos mostraram que são minha família, gente que posso confiar cegamente, que guardo debaixo de sete chaves, dentro do coração Assim falava a canção que ao longo da vida ouvi… 
…porque a amizade nem mesmo a força do tempo irá destruir 
Obrigado por tudo meus amigos Paulo Travassos, Cadinho da Ilha, Roger Linhares e Carlinhos Fuzil, essa coluna, meu carinho e minha amizade são dedicados a vocês.
Finalizando, coloco abaixo letra e áudio de nosso samba concorrente na Acadêmicos do Dendê, em parceria com Fuzil, Cadinho, o Editor Chefe deste Ouro de Tolo e outros parceiros. Espero que gostem.
Orun Ayé!
ACADÊMICOS DO DENDÊ 
Presidente: Toninho 
Enredo: Loucos pela Ilha 
Compositores: Lobo Júnior, Bruno Revelação, Neco, Carlinhos Fuzil, Pedro Migão, Cadinho da Ilha e Aloisio Villar 
Reflete na imensidão 
Traduz a paixão que me faz sonhar 
Eu vi no chão batido de um terreiro 
Rodas de samba, jogos e banho de mar 
Ilha de tantas histórias 
Cantada em verso e prosa 
Que Natal se encantou 
De um sonho de amantes do samba assim fundaram 
A União da Ilha do Governador 

E lá vou eu…me desculpe, mas sou ‘franco” 
Sou baluarte, sou azul, vermelho e branco
E com Didi já bebi de bar em bar 
Minha alegria hoje atravessa o mar 

Louco pela Ilha fiquei 
Nas asas da minha madrinha eu voei 
Sambistas imortais, antigos carnavais 
Velhos tempos que não voltam mais 
Na voz do mestre Aroldo Melodia 
Suor, amor e fantasia 
A simpatia coloriu meu coração 
Cantei, brinquei, sonhei que a vida fez um rei 
Com muito amor, posso dizer sou União 

Ilha!! Sou mais minha Ilha!! 
A minha vida, minha escola, meu amor (Refrão) 
De azul e branco o Dendê te faz brilhar 
Nessa grande festa popular