Nesta quarta feira que começa aqui no Rio e terminará em Curitiba, temos mais uma edição da coluna “História & Outros Assuntos”, assinada pelo Mestre em História Fabrício Gomes.
Sem mais delongas, vamos ao texto.
Partidos políticos brasileiros no tempo da experiência democrática (1946-1964)
Com a crise que levou ao fim o Estado Novo, teve início o processo de restauração da democracia no Brasil, com o retorno ao estado de direito, possibilitando o surgimento de novos partidos políticos no cenário nacional. 
A União Democrática Nacional (UDN), herdeira da União Democrática Brasileira (UDB), que se insurgiu contra o regime de Vargas nas eleições marcadas para janeiro de 1938 – mas que foram canceladas pelo golpe do Estado Novo, em novembro de 1937 – aglutinou diversas forças contrárias de oposição a Vargas nas áreas rurais e urbanas. 
Em outubro de 1943 políticos que reivindicavam eleições gerais para o retorno de um governo representativo ao país publicaram o “Manifesto dos Mineiros”. Tendo como motivação a publicação deste manifesto, foi criada a UDN em 7 de abril de 1945, numa solenidade oficial na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. A UDN congregou um grupo de pessoas bastante heterogêneo, cuja característica comum era fazer oposição a Vargas, sendo a mais fiel representante dos opositores ao regime, que lutavam pela superação do Estado Novo. Arregimentava em torno de si diversas facções liberais, inclusive uma, de caráter socialista – a Esquerda Democrática – que mais tarde se afastaria da agremiação. 
Maria Victória Benevides sustenta a idéia de que não só o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD), mas também a UDN teriam sido “criaturas” de Vargas, por ser formada por opositores a ele. 
Faziam parte da UDN as oligarquias destronadas com a revolução de 1930 ou com o início do Estado Novo – em 1937 – os antigos aliados de Vargas, marginalizados depois de 1930 ou 1937 – aqueles que participaram da revolução de 1930, como o brigadeiro Eduardo Gomes, e depois se sentiram traídos por Vargas, os participantes do Estado Novo que acabaram se afastando antes de 1945 – aqueles que se desentenderam com Vargas, como Oswaldo Aranha, os grupos liberais com forte identificação regional, e também as esquerdas. 
Para Benevides, “para a compreensão das diferentes UDNs estaduais, importa lembrar que a rivalidade dos grupos dentro da UDN, em cada Estado era mais aguda do que a posição do partido adversário”. O udenista Oswaldo Trigueiro também esclareceu que “… a UDN foi, no cenário federal, o partido de oposição persistente, radical e combativa. Essa imagem, todavia, não coincide com a imagem das seções estaduais do partido, que eram pragmáticas e governavam, parcialmente, em alguns Estados e centenas de municípios”. Para se adaptar à lei eleitoral a UDN teve de se associar a outras agremiações, como o Partido Republicano (PR), Partido Libertador (PL) e à Esquerda Democrática. 
Com a redemocratização no país, diversos interventores de Estados se reuniram, em fins de 1944, no Rio de Janeiro, no apartamento de Benedito Valadares, interventor de Minas Gerais. 
Estava em pauta a discussão da criação de partidos políticos, sendo que uma parte dos interventores – entre os quais Ernani do Amaral Peixoto, do Rio de Janeiro – defendia a formação de partidos nacionais, por considerarem que um dos males da República Velha fora não ter agremiações que ultrapassassem a esfera estadual. Outros interventores desejavam a criação de diversos partidos regionais. Consultado sobre a questão, o presidente Getúlio Vargas optou pela formação de partidos nacionais. 
Ao lado de Agamenon Magalhães, então ministro da Justiça, Amaral Peixoto realizou as primeiras reuniões visando à criação e estruturação do Partido Social Democrático (PSD). A deposição de Vargas não acabou com a estrutura organizativa do estado, montada durante o Estado Novo. Sua administração legou o código eleitoral e propiciou o surgimento de novos partidos. 
O PSD foi o primeiro partido político de âmbito nacional, fundado em 17 de julho de 1945, em convenção realizada no Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, pelos interventores nomeados pelo presidente Getúlio Vargas no Estado Novo. Surgiu com aglutinação de setores do governo, baseado no sistema de dominação unitária implantado durante o Estado Novo.
Em cada estado, um interventor foi encarregado de organizar o partido, convocando todas as lideranças locais que haviam sido nomeadas como prefeitos municipais, visando formar a legenda governista. O PSD foi marcado desde sua origem por uma tendência pró-governo. Os políticos que apoiavam Vargas e que embora fossem contrários ao Estado Novo, assim como todos aqueles que estavam nos governos estaduais, formaram o PSD, que teve uma evolução muito mais federativa do que nacional. 
Segundo Lucia Hippólito, para atender àqueles que defendiam partidos regionais, deu-se ao PSD uma estrutura federativa – o diretório nacional era composto pelos presidentes de diretórios regionais ou seus delegados. Dessa estruturação resultou uma grande autonomia das seções regionais em relação à direção nacional. 
Em nível estadual, o PSD foi organizado sob a liderança dos interventores, reunindo forças que apoiavam o governo – prefeitos (que haviam sido nomeados pelos interventores), membros da administração estadual e do funcionalismo público, latifundiários, industriais, comerciantes, entre outros. As seções estaduais tinham grande autonomia em relação à direção nacional. 
Com a promulgação do Ato Adicional no 9, em 28 de fevereiro de 1945, determinando que no prazo de 90 dias seria baixado um decreto fixando a data das próximas eleições presidenciais, estaduais e municipais, articulou-se a criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com o apoio da máquina varguista baseada no Ministério do Trabalho de Vargas e dos sindicatos. 
O PTB foi fundado no Distrito Federal, em 15 de maio de 1945, com o propósito de arregimentar a população urbana. 
Segundo Angela de Castro Gomes, “o PTB nasce ao mesmo tempo que o PSD, já que ambos resultam da frustração de um projeto de “partido único de massas”, que vinha sendo acalentado entre setores da cúpula do Estado Novo, mas que não conseguira superar dificuldades políticas, sobretudo as que diziam respeito às alianças entre lideranças regionais e lideranças sindicais”. Estavam representadas três tendências diferentes: sindicalistas, ideólogos e pragmático-getulistas. 
Alexandre Marcondes Filho, ministro do Trabalho desde 1942, empenhou-se na criação do PTB. Segundo Maria Victoria Benevides, enquanto o Partido Social Democrático (PSD), com seus interventores e responsáveis mais diretos pela administração do Estado Novo era a “mão direita” de Vargas, o PTB, que aglutinava as novas forças sociais nascidas com a industrialização, especialmente o operariado urbano, era a sua “mão esquerda”. O partido tinha quadros de trabalhadores vinculados aos sindicatos e ao programa trabalhista de Vargas, consolidado, na prática, durante o Estado Novo. 
Treze anos após a legenda ser extinta pela Ditadura Militar o ressurgimento do PTB começou a ser discutido. Dois grupos políticos disputaram o comando do partido: um grupo, formado no exílio, e que tinha Leonel Brizola como liderança. O outro grupo, tinha à frente Ivete Vargas. 
O grupo brizolista buscava a defesa do socialismo democrático, enquanto o grupo de Ivete Vargas queria fazer do PTB uma oposição patriótica não-demagógica, abrangendo todos os setores da sociedade brasileira, inclusive o empresariado nacional. Coube ao grupo de Ivete Vargas a posse definitiva da legenda, graças ao fato de ter enviado o pedido de registro do partido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma semana antes do grupo de Brizola o ter feito. Leonel Brizola acabou fundando outro partido, o Partido Democrático Trabalhista (PDT). 
No Rio de Janeiro, o novo PTB contou com a adesão de petebistas históricos, como Aarão Steinbruch, e também a incursão de novos quadros, entre eles, Sandra Cavalcanti, ex-lacerdista. Ao ingressar no partido, Steinbruch formalizou sua candidatura ao governo do estado. 
Entretanto, em 1981 anunciou seu desligamento do partido, em protesto contra a pulverização do trabalhismo. Pretendia assim, forçar ao PTB e ao PDT se fundirem. Em 1982 retornou ao PTB, lançando-se à Câmara dos Deputados, porém não conseguiu se eleger. Sandra Cavalcanti concorreu ao governo do estado em 1982, sendo derrotada por Leonel Brizola. Naquele ano, o PTB fluminense teve cinco deputados federais e sete deputados estaduais eleitos. 
Na prática, Brizola acabou como herdeiro do trabalhismo após as eleições de 1982, em que pese a sigla original ter ficado com Ivete Vargas. O PDT se tornou o guardião, naquele momento, das tradições do antigo PTB.