Em mais uma coluna “Orun Ayé”, assinada pelo compositor Aloísio Villar, temos uma série de histórias deliciosas das disputas de samba de uma das agremiações mais queridas do Rio de Janeiro, a União da Ilha do Governador.

Tive a oportunidade de desfilar com o samba “O Amanhã” no ano em que o Boi da Ilha do Governador fez a reedição, em 2006 (foto que abre o post). Foi um desfile bem divertido, apesar dos problemas na preparação que fizeram com que a escola não obtivesse um bom resultado naquele ano.

Como já escrevi aqui em uma outra oportunidade, um dos grandes orgulhos de sambista que eu tenho é ter desfilado como convidado na Ala de Compositores da agremiação insulana em 2011 (abaixo). Sem dúvida alguma, é muita história do carnaval reunida em apenas uma ala.

Uma Ilha Cercada de Samba

Como os amigos que acompanham a coluna já sabem eu sou compositor de samba-enredo, mais precisamente da União da Ilha do Governador.

A União da Ilha nunca venceu um carnaval no grupo especial do Rio de Janeiro, mas mesmo assim é uma agremiação que tem seu lugar na história do carnaval brasileiro. É considerada a escola mais simpática do carnaval, a segunda escola de todo folião [N.doE.: no meu caso, apesar de portelense diria que a escola insulana seria a “amante”] e se o Império Serrano é considerado a escola com os sambas mais bonitos, a União da Ilha é a que tem os sambas mais alegres e populares.

A agremiação insulana teve sua época de ouro com seus sambas entre 1977 e 1991 – ainda que tenha grandes sambas fora dessa época como “Lendas e Festas das Yabas” de 1974, Confins de Vila Monte de 1975, “Fatumbi, a Ilha de todos os Santos” de 1998 (já tema do “Samba de Terça” deste blog) e “A União faz a força com muita energia” de 2001, mas é da fase que eu falei que vem sua grande história.

Desse período da história vem sambas como o antológico “Domingo” de 1977, seu único samba vencedor do prêmio ‘Estandarte de Ouro’ de melhor samba do carnaval. O bairro Ilha do Governador só tem esse e mais um prêmio ‘Estandarte’ em samba: o outro pra meu orgulho é o samba do Boi da Ilha Orun Aye de 2001, do qual sou co autor.

Os demais sambas da União da Ilha destes “anos dourados” são “O que será” de 1979, “Bom bonito e barato” de 1980, “1910, deu burro na cabeça” de 1981, “Assombrações” de 1986, “Extra! Extra! Deu Ilha na cabeça” de 1987 e “De bar em bar Didi um poeta” de 1991.

Além dos citados, há três sambas que eu não coloquei nessa relação acima porque esses três e “Aquarela brasileira” (Império Serrano de 1964), “Festa para um rei negro” e “Peguei um Ita no Norte” (Salgueiro em 1971 e 1993) e “Das maravilhas do mar fez se o esplendor de uma noite” (Portela em 1981) são sambas que saíram do carnaval e viraram história da música popular brasileira.

Quem nunca ouviu “como será o amanhã/responda quem puder/o que irá me acontecer/o meu destino será como Deus quiser”? Ou então “Diga espelho meu/se há na avenida alguém mais feliz que eu”? Ou mesmo “eu vou tomar um porre de felicidade/vou sacudir eu vou zoar toda cidade”?

Esses três são sambas da União da Ilha do Governador: “O amanhã” (1978), com autoria de João Sergio, “É hoje” (1982, reeditado em 2008) com autoria de Didi e Mestrinho e finalmente “Festa Profana” (1989), com autoria de Bujão, J.Brito e Franco.

Didi e Franco são considerados os melhores compositores da história da Ilha do Governador. Os dois têm em comum serem pessoas com alto nível de instrução. Didi formou-se em direito e Franco em medicina e há boas histórias que contarei agora.

Conta a lenda que num dia qualquer de 1977 Didi esperava seu parceiro Aurinho da Ilha, outro grande compositor, em um bar para fazer samba pro concurso de samba da escola. Aurinho se atrasou e Didi com uma caneta pegou um guardanapo e escreveu a letra de um samba. Não gostou muito, achou a letra pequena com apenas dezesseis linhas e deixou de lado.

Nisso chegou o mestre de bateria da União da Ilha e compositor do Boi da Ilha – então bloco, chamado Boi da Freguesia – João Sergio e perguntou que letra era aquela. Didi deixou que ele lesse e enquanto João lia falou que fez letra para o enredo da Ilha de 1978, mas não tinha gostado pois a achara pequena. João Sergio gostou e perguntou se podia pegar para ele e fazer melodia. Didi deixou. 

João Sérgio fez a melodia e junto com Miguel Junior, que vinha a ser segundo cantor da agremiação, foi até Didi e mostrou o samba com melodia. Didi ouviu e falou que estava “bonitinho”. João perguntou se ele não queria mesmo o samba e ele respondeu que não, que João poderia usá-lo.

João Sergio então pediu licença da bateria e concorreu, chegando a final com seu samba defendido pelo Miguel. Didi e Aurinho também chegaram com o samba defendido pelo imortal Aroldo Melodia e o terceiro finalista foi outro compositor histórico da escola, Robertinho Devagar. João venceu a disputa e o samba era “O amanhã”, regravado por estrelas da MPB como Simone e outros. Até hoje rende muito dinheiro ao mestre de bateria que acreditou naquela letra. [N.doE.: ou seja, embora assinado apenas por João Sérgio o samba na verdade é de autoria dele e de Didi].

Franco (foto acima), falecido em 2007, era considerado um compositor polêmico. Ele mesmo defendia seus sambas e subia ao palco cantando lentamente na primeira passada sem bateria e marcando a passada batendo com seu tamanco no piso do palco – o que provocava um grande barulho.

Tinha seus rivais como Carlinhos Fuzil, Marquinhos do Banjo e Mauricio 100 que eram compositores do bairro da Freguesia e tinham uma torcida apaixonada chamada “turma do copo”; e Djalma Falcão e Bicudo que representavam a galera da Ribeira. Outro rival de peso era Marcio André, considerado uma ‘águia’ por seus adversários [N.doE.: Fatumbi, citado acima, tem Márcio André como um dos autores]. Franco quando se apresentava provocava uma mistura de aplausos e vaias e seus desafetos levavam para a quadra uma faixa escrita “Pra ser franco não gostei”.

Na disputa do ano 2000 (acima, vídeo do desfile) o samba dele era o favorito, ao lado do lindo samba de Djalma Falcão. Djalma foi até um centro espírita tentar “amarrar” o samba de Franco e o pai de Santo pediu uma letra do samba rival. Djalma entregou e o pai de Santo comeu dizendo que ‘o samba estava amarrado’. Alguns dias depois Franco venceu a disputa e Djalma irritado falou “o fdp do pai de Santo comeu a letra errada”

E na quadra Franco comemorava a vitória e uma faixa amarrada abandonada na quadra dizia “Pra ser Franco continuo não gostando”.

Difícil falar de todos os mestres da União da Ilha do Governador. Didi, Aurinho da Ilha, Aroldo Melodia, Leôncio, Edinho Capeta, Waldir da Vala, João Sergio, Mestrinho, Robertinho Devagar, Dito, Franco, Marcio André, Bujão, J.Brito, Djalma Falcão, Bicudo, Marquinhos do Banjo, Carlinhos Fuzil, Mauricio 100, Almir da Ilha, Gugu das Candongas, Ito Melodia…

São muitas estrelas que fizeram e fazem a história não somente da União da Ilha como das escolas Boi da Ilha e Acadêmicos do Dendê [N.doE.: onde tive a felicidade de, sempre em parceria com Villar, fazer quatro finais e ganhar três sambas]; dos blocos Tribo Cacuia, Unidos de Tubiacanga, Unidos da Colônia, Unidos da Ribeira e os extintos como o Brasinha… Todas agremiações tradicionais e celeiros desses craques. Agremiações culturais com muita história que provocam orgulho no insulano, e, por que não, no carioca.

E eu nisso tudo? Sou um aprendiz… Já tenho história em algumas dessas agremiações, mas ainda tenho muito a aprender, bem como muito a oferecer. Com muito orgulho faço parte da ala de compositores da União da Ilha do Governador e milito no samba insulano.

Alguns desses que citei acima não estão mais entre nós fisicamente, mas já são imortais, seres míticos de nossa escola. Quando piso na quadra ou no palco eu sinto a presença deles. Homens que com seu talento e paixão colocaram tijolo por tijolo, cimento, areia e construíram uma grande história não só de carnaval, mas de amor. Amor por um pavilhão e quando apresentamos um samba na escola ou colocamos a roupa pra um desfile nos sentimos orgulhosos por lembrarmos esses homens que fizeram essa ilha ser cercada por samba e talento.

E nesse momento componho junto com meus parceiros nosso samba para a disputa de 2012 e quem sabe um dia alguém escrever a história do samba da Ilha do Governador e meu nome acompanhar, modestamente, esses imortais.

Será que eu serei o dono dessa festa? O meu destino será como Deus quiser…

Salve a União da Ilha do Governador e seus poetas! Orun Ayé!”

4 Replies to “Orun Ayé – "Uma Ilha Cercada de Samba"”

  1. Boa noite, enquanto fazia uma pesquisa sobre imagens de Arinho da ilha,achei entre artigos que falavam dele, esse seu texto, que relata uma época da União da Ilha em que tinhámos maravilhosos sambas; (fato)e que com o passar dos anos foram sendo sendo trocados por sambas de bem menos poesia e capricho nas letras, lembro que quando a escola estava pra subir nós tínhamos sambas bem valentes, coisa que toda a ala de compositores da ilha atual desconhece. Veio o 1º grupo, e a ilha com sua melhor ala de compositores da época, criou maravilhosos sambas de enredo (verdadeiros)não enganadores como os que viriam em meados dos anos 80.

  2. Tivemos de 77 em diante várias letras unidas com lindas melodias que empurravam a escola pra frente, difícil era segurar a cabeça da escola, quando botava a cara na avenida,sambas que em dia de festa da ala de compositores da ilha, eram elogiados por todos os visitantes e participantes de honra da festa, como puxadores e compositores de todas as escolas, porque nessa época cantar na festa de compositores da ilha só perdia em status pro desfile oficial. Bom, lembro de compositores fantásticos, melodicamente falando, de gente que com um pandeiro nas mãos, (Adhemar)quando olhava pro céu a procura cantarolando um pedaço de melodia, quando voltava a olhar pro parceiro, trazia a melodia completa, redonda pra encaixar na próxima, lembro de Robertinho fazer sambas e com uma palavra na entrada de uma melodia fazer quase um verso. Lembro ainda de Ione e Dito apresentarem um samba em menor que de tão lindo de melodia todos diziam ser diferente. Tempo em que a escola faturava muito. Muitos interesses, lembro do quarteto Aurinho, Adhemar, Valdir e Ione irem pra final de 77 (Domingo)sendo os dois sambas finalistas do quarteto, e digo mais, o que ficou em segunto também era muito bom samba. Logo em que em 78, Didi voltaria a participar do concurso de samba e esperou reativar sua parceria com Aurinho, mas Aurinho não quis deixar o trio com Ione e Adhemar, mas como era de costume Didi não iria deixar de brincar com a situação e que iria ficar de fora, porém iria participar, então montou uma letra pequena o foi ligando melodias de composições (minha companheira foi embora de Jurandir da Mangueira)e (Império Serrano de 1965) etç…já conhecidas e de sucesso recente e fez o samba de 78, com a pretenção de se divertir.

  3. Deu então pra João Sergio que apresentou na ilha. Samba pequeno, de melodia já mais que conhecida de todos, logo foi ganhando força e foi pra final. Naquele ano, também ganharia o trio de 77(samba do periquito), porém depois de alguns tiros dentro da quadra do Cocotá, sumiram com as papeletas e anunciaram o (samba da cigana) como campeão. Coisa que ninguém soube, é que naquele ano de 78, as papeletas foram achadas,e o verdadeiro resultado apareceu e foi providenciado uma mandato de segurança que na época interditaria a escola, fato que não ocorreu porque trio não assinou o processo, diziam eles, (só nós sabemos o que tivemos que fazer pra por a Ilha no 1º grupo, a Escola vai desfilar). Com a escola deslumbrando a todos apareceram em vários setores da escola, os oportunistas aqueles que queriam ser maiores dos que estávam aqui. Ai foi triste, transformaram a escola em palco, modificaram os sambas que tinham a cara da Ilha, pra sambas que tinham a cara de seus donos, ora falsos, ora complicados, ora sem alma, ora sem poesia e sempre sem amor a Escola. O que era paixão passou a ser vaidade e objeto de desejo, e não havia mais respeito nem a escola e nem a seus fundadores ou baluartes, o que havia era uma corrida pra ficar famoso, em todos os cargos da escola havia disputa, nunca em pro bem da escola, sempre os interesses pessoais na frente. Bobalhões,rs,,,,Bom….triste ver o lixo que a ilha tem cantado,,,mas está escrito…pra quem é tá bom D+++++++….Abraços

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